sexta-feira, 31 de maio de 2024

No caminho de Jesus, os primeiros lugares são dos servidores mais humildes

No caminho de Jesus, os primeiros lugares são dos servidores mais humildes | 367 | 01.06.24 | Mc 11,27-33

Todas as cenas e palavras do capítulo 10 de Marcos são intensas e densas. Depois cena do homem rico que desiste de seguir Jesus, do ensino sobre o obstáculo da riqueza e da catequese sobre os frutos do despojamento, a reação dos discípulos é confusa e ambivalente: admiração, medo, ambição, competição e indignação. Então Jesus retoma seu ensino. No centro da cena de hoje está o modelo de liderança ensinado por Jesus e a luta pelo poder que envolve a maioria dos discípulos.

Enquanto Jesus fala abertamente das consequências da sua fidelidade ao Reino de Deus e ao Deus do Reino – traição, julgamento, tortura, execução, exclusão, morte e ressurreição – os discípulos se envolvem em disputas nada fraternas e vergonhosas pelos lugares de honra e pela herança da liderança de Jesus. Parece que Tiago e João imaginam que Jesus está prestes a dar uma espécie de “golpe messiânico”, e que a previsível e aparente derrota da cruz será substituída por uma estrondosa vitória. Por isso, ambicionam privilégios.

É outra a lógica do Reino de Deus, vivida e ensinada por Jesus. Ele não transfere sua liderança a uma espécie de “dinastia” ou “delegação”. O poder ambicionado e disputado por Tiago e João – e por todos os outros discípulos, que ficam indignados por eles terem saído à frente deles! – é exatamente aquele que impõe a Jesus a traição, o julgamento, a tortura e a execução. A liderança e a honra de Jesus estão no serviço, em ser o último. Jesus representa a liderança exatamente contrária ao poder exercido pelos administradores coloniais impostos por Roma.

A atitude dos dois irmãos denuncia que, na verdade, eles não haviam abandonado “tudo por Jesus”. Eles continuavam acorrentados aos ideais de poder nos moldes colonialistas. Eles não se envergonham de dizer que estão preparados para enfrentar as oposições como Jesus, mas a resposta de Jesus a eles é cheia de ironia. Eles estão cegos pela ambição e surdos à proposta alternativa de Jesus. Não sabem ou não têm noção do que estão ambicionando e pedindo. Depois de tudo, os discípulos continuam se inspirando nos “grandes” e nos “chefes” que oprimem e tiranizam, e não conseguem entender que Jesus encarna uma liderança alternativa e não violenta.

 Meditação:

·      Recomponha a cena, relendo as sucessivas cenas, gesto por gesto, palavra por palavra, percebendo os sentimentos contraditórios

·      Observe bem a reação dos discípulos (o que dizem e o que fazem), especialmente dos dois filhos de Zebedeu (Tiago e João)

·      Será que também nós não “fazemos menos” da traição, condenação, tortura e execução de Jesus, como se fossem disfarces da sua vitória?

·      Será que estamos tirando as consequências da afirmação de que Jesus não veio para ser servido mas para servir?

·      Como as pessoas da Igreja exercem a liderança e os ministérios: inspirados no “Filho do Homem” ou nos “chefes” e nos “grandes”?


quinta-feira, 30 de maio de 2024

Maria é feliz porque acreditou na Palavra daquele que a amou e chamou

Maria é feliz porque acreditou na Palavra daquele que a amou e chamou | 366 | 31.05.24 | Lc 1,39-56

Este texto do evangelho de Lucas é escolhido para iluminar a festa de da Visitação de Maria, com a qual a tradição católica conclui todo um mês dedicado a Maria de Nazaré, a mãe de Jesus. Literariamente, esta narrativa está localizada logo após o anúncio do Anjo a Maria, e imediatamente antes da cena do nascimento de Jesus, em Belém, na região da Judeia.

O episódio que nos é oferecido à meditação traduz de modo plástico a presença libertadora de Deus na história e a serena alegria que essa “visita” desperta na oração e no cântico dos pobres. O ântico que brota dos lábios de Maria não expressa um desejo vago é utópico, mas uma esperança segura, que se fundamenta na fidelidade de Deus revelada e confirmada ao longo da história do povo de Israel e das comunidades cristãs.

Inicialmente, a cena nos oferece uma espécie de ampliação do episódio da anunciação e uma confirmação dos sinais da fidelidade de Deus indicados pelo anjo a Maria.  Estimulada pelo anjo, Maria parte “apressada” em busca desses sinais. Chegando à casa de Isabel, a prima anfitriã proclama e saúda a presença do esperado Messias no seio de Maria com a mesma surpresa e alegria com as quais Davi e o povo de Israel saudaram a presença fiel e libertadora de Deus na Arca da Aliança.

O próprio João Batista, ainda escondido no ventre de Isabel, antecipa essa alegria messiânica, e, com a mãe, reconhece a presença de Deus no meio do povo saltitando de emoção. Maria é aclamada por Isabel como “bem-aventurada” e muito feliz porque acreditou na verdade e na força da Palavra de Deus. A seu modo, Isabel desvenda o significado profundo da maternidade de Maria.

Na sequência, Maria intervém com um cântico no qual celebra a intervenção de Deus no passado e assegura a fidelidade da sua misericórdia para o futuro. Ela, serva e humilhada, representa todos os pobres agraciados por Deus que visualizam um mundo novo, que vence e supera forças as estruturas que dominam e excluem.

A cena da visita de Maria a Isabel e a celebração feminina da ação libertadora de Deus na história ressalta ao menos três aspectos: nosso Deus é o Deus dos humildes; Maria vem nos visitar e nos ajudar em nossas necessidades; Maria nos convida a sair ao encontro e serviço de quem precisa de nós.

 

Meditação:

·    Reconstrua a cena, acompanhando Maria na sua caminhada de Nazaré à Judéia, inclusive no seu encontro com sua parenta Isabel

·    Deixe-se envolver pela alegria messiânica que ilumina e comove Maria, Isabel e João Batista, e repita a saudação mística e profética com a qual ela recebe e celebra a visita de Deus ao seu povo

·    Acolha a visita de Maria na sua casa, e participe da sua alegria e profecia, aceite o convite e saia com ela a levar o Evangelho

quarta-feira, 29 de maio de 2024

O Evangelho dominical (Pagola) - Corpus Christi (30.05.2024)

A EXPERIÊNCIA DECISIVA

Como é natural, a celebração da missa foi mudando ao longo dos séculos. Em cada época, os cristãos destacaram alguns aspectos e negligenciaram outros. A missa serviu de marco para celebrar coroações de reis e papas, prestar homenagens ou comemorar vitórias de guerra. Os músicos converteram-na em concerto. Os povos integraram-na nas suas devoções e costumes religiosos...

Depois de vinte séculos, pode ser necessário recordar alguns traços essenciais da Última Ceia do Senhor, tal como era recordada e vivida pelas primeiras gerações cristãs. No pano de fundo daquela ceia há uma convicção firme: os seus seguidores não ficarão órfãos. A morte de Jesus não quebrará a comunhão com ele. Ninguém deve sentir o vazio da sua ausência. Os seus discípulos não ficam sozinhos, à mercê das vicissitudes da história. No centro de toda a comunidade cristã que celebra a Eucaristia está Cristo vivo e operante. Aqui está o segredo de sua força.

Dele se alimenta a fé dos seus seguidores. Não basta assistir a esta ceia. Os discípulos são convidados a «comer». Para alimentar a nossa adesão a Jesus Cristo necessitamos de reunir-nos para escutar as suas palavras e introduzi-las no nosso coração; necessitamos de aproximar-nos a comungar com Ele, identificando-nos com o seu estilo de vida. Nenhuma outra experiência nos pode oferecer alimento mais sólido.

Não devemos esquecer que «comungar» com Jesus é comungar com alguém que viveu e morreu «entregando-se» totalmente aos outros. É isso que Jesus insiste na Ceia. O seu corpo é um «corpo dado» e o seu sangue é um «sangue derramado» para a salvação de todos. É uma contradição aproximar-nos da «comunhão» com Jesus resistindo à preocupação com algo que não seja o nosso próprio interesse.

Não há nada mais central e decisivo para os seguidores de Jesus do que a celebração desta Ceia do Senhor. Por isso devemos cuida-la tanto. Bem celebrada, a Eucaristia molda-nos, une-nos a Jesus, alimenta-nos com a sua vida, familiariza-nos com o Evangelho, convida-nos a viver numa atitude de serviço fraterno e sustenta-nos na esperança do reencontro definitivo com Ele.

José Antônio Pagola

Tradução de Antônio Manuel Álvarez Perez


A comunhão no Corpo de Cristo nos vincula à esperança de novos céus e nova terra

A comunhão no Corpo de Cristo nos vincula à esperança de novos céus e nova terra | 366 | 30.05.24 | Mc 14,12-26

Uma escuta atenta do evangelho segundo Marcos pode nos ajudar a entender que Jesus e seus discípulos não celebraram a páscoa conforme as prescrições do judaísmo da época. No texto de hoje, ao invés de descrever os pormenores da ceia pascal, Marcos descreve o clima de tristeza e apreensão frente às traições que se insinuavam entre os discípulos mais próximos de Jesus.

Jesus cumpre o tradicional gesto doméstico e amistoso de tomar o alimento e a bebida, de proferir a oração de bênção e de agradecimento e servi-los aos comensais, mas introduz aspectos que divergem das prescrições rituais do judaísmo: não serve o cordeiro; não relaciona o pão e o vinho com o evento do êxodo. Jesus vincula o gesto de repartir o pão e o vinho com sua história pessoal, com a caminhada já cumprida e com os passos que estava para dar.

Repartindo o pão, Jesus declara “isto é o meu corpo”, e, passando o cálice de vinho, anuncia “este é o meu sangue da nova Aliança”. Fica muito claro que ele não vincula a ceia pascal que está a celebrar com Moisés ou com a Aliança feita no passado, mas consigo mesmo e com uma Aliança nova. E, surpreendentemente, ele silencia em relação ao cordeiro. O cordeiro pascal é o próprio Jesus!

Há ainda três outros aspectos interessantes. O primeiro, é que a comunidade dos/as discípulos/as parece ser muito discreta, como se procurasse se esconder para evitar riscos. O segundo, é a senha que Jesus dá para que os/as discípulos/as encontrem um lugar seguro para celebrar a páscoa: um homem carregando uma bilha de água. Quem habitualmente carregava água eram as mulheres, o que pode estar apontando para uma comunidade na qual a presença de mulheres era determinante.

terceiro aspecto é fundamental para a compreensão da Eucaristia cristã: a ceia pascal de Jesus com seus discípulos não termina em festa, mas em jejum! Jesus diz que não beberá mais vinho até que chegue o “vinho novo” do reino de Deus. Há um vínculo indissociável entre Eucaristia e futuro, entre História e a Utopia. A Eucaristia é profecia e antecipação simbólica do futuro, do Reino de Deus, de um novo mundo possível, comparável ao vinho bom e abundante da festa dos pequenos.

 

Meditação:

·      Situe-se no interior da cena, com Jesus e seus discípulos, e perceba o clima difícil que envolve a todos

·      Com que disposição você participa da Eucaristia, que repropõe a ceia de Jesus e nos convida a repetir sua doação em memória dele?

·      Seria possível participar da mesa da eucaristia e, ao mesmo tempo, mostrar-se indiferente ás necessidades dos irmãos e irmãs?

·      Como se expressa hoje o risco de participar da Eucaristia sem viver a proposta de Jesus, e até trair a confiança que ele deposita em nós?

·      Como passar da comunhão sacramental com Jesus à comunhão com as pessoas, com as demais Igrejas, com os pobres e com todas as criaturas?

terça-feira, 28 de maio de 2024

No caminho de Jesus, os primeiros lugares são dos servidores mais humildes

No caminho de Jesus, os primeiros lugares são dos servidores mais humildes | 364 | 29.05.24 | Mc 10,32-45

Todas as cenas e palavras do capítulo 10 de Marcos são intensas e densas. Depois cena do homem rico que desiste de seguir Jesus, do ensino sobre o obstáculo da riqueza e da catequese sobre os frutos do despojamento, a reação dos discípulos é confusa e ambivalente: admiração, medo, ambição, competição e indignação. Então Jesus retoma seu ensino. No centro da cena de hoje está o modelo de liderança ensinado por Jesus e a luta pelo poder que envolve a maioria dos discípulos.

Enquanto Jesus fala abertamente das consequências da sua fidelidade ao Reino de Deus e ao Deus do Reino – traição, julgamento, tortura, execução, exclusão, morte e ressurreição – os discípulos se envolvem em disputas nada fraternas e vergonhosas pelos lugares de honra e pela herança da liderança de Jesus. Parece que Tiago e João imaginam que Jesus está prestes a dar uma espécie de “golpe messiânico”, e que a previsível e aparente derrota da cruz será substituída por uma estrondosa vitória. Por isso, ambicionam privilégios.

É outra a lógica do Reino de Deus, vivida e ensinada por Jesus. Ele não transfere sua liderança a uma espécie de “dinastia” ou “delegação”. O poder ambicionado e disputado por Tiago e João – e por todos os outros discípulos, que ficam indignados por eles terem saído à frente deles! – é exatamente aquele que impõe a Jesus a traição, o julgamento, a tortura e a execução. A liderança e a honra de Jesus estão no serviço, em ser o último. Jesus representa a liderança exatamente contrária ao poder exercido pelos administradores coloniais impostos por Roma.

A atitude dos dois irmãos denuncia que, na verdade, eles não haviam abandonado “tudo por Jesus”. Eles continuavam acorrentados aos ideais de poder nos moldes colonialistas. Eles não se envergonham de dizer que estão preparados para enfrentar as oposições como Jesus, mas a resposta de Jesus a eles é cheia de ironia. Eles estão cegos pela ambição e surdos à proposta alternativa de Jesus. Não sabem ou não têm noção do que estão ambicionando e pedindo. Depois de tudo, os discípulos continuam se inspirando nos “grandes” e nos “chefes” que oprimem e tiranizam, e não conseguem entender que Jesus encarna uma liderança alternativa e não violenta.

 

Meditação:

·      Recomponha a cena, relendo as sucessivas cenas, gesto por gesto, palavra por palavra, percebendo os sentimentos contraditórios

·      Observe bem a reação dos discípulos (o que dizem e o que fazem), especialmente dos dois filhos de Zebedeu (Tiago e João)

·      Será que também nós não “fazemos menos” da traição, condenação, tortura e execução de Jesus, como se fossem disfarces da sua vitória?

·      Será que estamos tirando as consequências da afirmação de que Jesus não veio para ser servido mas para servir?

·      Como as pessoas da Igreja exercem a liderança e os ministérios: inspirados no “Filho do Homem” ou nos “chefes” e nos “grandes”?

segunda-feira, 27 de maio de 2024

O discípulo de Jesus não cobra créditos nem reivindica méritos

O verdadeiro discípulo de Jesus não cobra créditos nem reivindica méritos! | 363 | 28.05.24 | Mc 10,28-31

Continuamos com o evangelho segundo Marcos. Os versículos de hoje estão situados após a cena da deserção do homem rico diante das exigências de Jesus para ser seu discípulo. Ele sente-se bom e irrepreensível, um ‘homem de bem’ como se diz hoje, e volta à sua casa desiludido. Diante das palavras e atitudes daquele homem, Jesus desabafa: que um rico aceite seu caminho é tão raro como um camelo passar pelo buraco de uma agulha!

Os discípulos reagiram à comparação de Jesus, pois pensavam que se os ricos não estão mais perto de Deus, o que dizer então dos doentes, dos pobres e dos estrangeiros, que eles tratam como ‘sujeitos suspeitos’? Mas, aquilo que para muitos parece impossível, para Deus é absolutamente normal: a riqueza dos ricos não é bênção de Deus, e a prosperidade não é sinal de fidelidade; no reino de Deus e no coração do Deus do Reino, os pobres estão no centro!

É neste contexto que Pedro toma a Palavra e apresenta a Jesus um fato: aquilo que o jovem rico e sua classe não quisera fazer, os discípulos o fizeram, livremente ou em consequência das perseguições. Eles deixaram os bens e seguiram Jesus, em busca de um bem maior, do único bem: do reino de Deus. Pedro apenas constata, mas parece também “cobrar a conta”, pois ele e seus companheiros ainda não haviam provado a vida eterna, apenas incompreensões.

Jesus responde solenemente, sublinhando que o retorno prometido estava assegurado, mas em dois tempos: agora, durante esta vida; no mundo futuro. Agora, quem relativizou tudo pelo absoluto do Reino de Deus no caminho de Jesus, já recebe 100 vezes mais em termos de hospitalidade, ajuda, companheiros e apoiadores mediante a fraternidade e a partilha comunitária. Mas isso sempre em meio às perseguições, próprias do/a discípulo/a no mundo.

No Reino de Deus plenamente realizado, que começa aqui, mas aqui não chega ao seu termo, está assegurada uma vida densa e intensa em termos de dinamismo e de sentido, uma vida que desborda a história e avança para a eternidade. Com o olhar fixo no “mundo futuro”, o/a discípulo de Jesus é convidado/a e ver já “agora” os frutos da sua entrega: os benefícios da vida em comum, que são os irmãos e irmãs, os bem partilhados, um futuro de esperança.

 

Meditação:

·        Recomponha a cena, relendo os versos 15 a 27, que relatam o encontro de Jesus com as criancinhas e, depois, com o jovem rico

·        Observe a reação dos discípulos, especialmente do homem que se apresentou como candidato a discípulo

·        Será que não corremos o risco de nos apresentar diante de Deus ostentando nossos méritos, em consciência daquilo que nos falta?

·        Conseguimos perceber que tudo aquilo do que abrimos mão nos havia sido dado, e que tudo o que temos pertence a todos?

domingo, 26 de maio de 2024

A solidariedade com os pobres é a porta de entrada no Reino de Deus

A solidariedade com os pobres é a porta de entrada no Reino de Deus  Mc 10,17-27 | 27.05.24 | 362 

Na reflexão do último sábado vimos que, na família iluminada pelo Evangelho nas comunidades cristãs, as crianças têm seu lugar e são bem colhidas. Mais: todas as pessoas e grupos sociais fragilizados e vulneráveis devem ser acolhidos e tratados como cidadãos plenos, portadores de dignidade e sujeitos de direito.

Na cena do evangelho de hoje Jesus conclui seu dramático ensinamento sobre as novas relações sociais instauradas pelo Reino de Deus e nos mostra plasticamente como “pessoas de bem” têm enormes dificuldades de entender e seguir Jesus. O personagem é proprietário de muitos bens, e não é discípulo de Jesus. Nesta cena, a questão do maior e do menor é aplicada às classes sociais.

O sujeito se aproxima de Jesus sem disfarçar seu jeito bajulador. Ele é qualificado como “muito rico”, e se dirige a Jesus com uma saudação que equivale â expressão “excelência”, esperando ser tratado da mesma forma. Jesus rejeita o título para si mesmo e não o usa para o homem rico. Na verdade, Jesus sempre reprovou e rejeitou esse tipo de bajulação e falsidade.

O homem pergunta o que deve fazer para conseguir a vida eterna, e Jesus recorda alguns dos mandamentos, acrescentando “não prejudicarás (roubarás) ninguém”, que não aparece entre os conhecidos 10 mandamentos. Nesse acréscimo está embutido uma advertência ou um questionamento: como aquele homem “muito rico” adquiriu suas riquezas? Simplesmente por herança ou trabalho pessoal?

O homem não se dá por rogado, sente-se perfeito, não percebe que suas muitas posses escondem o que realmente lhe falta: partir, vender, dar, vir, seguir. Em outras palavras: falta-lhe libertar-se das propriedades que o possuem e tornar-se discípulo de Jesus. Isso ele não suporta, e procura esquivar-se diante do imperativo de repartir os bens com os pobres para ser livre.

O comentário de Jesus diante da atitude do homem não deixa dúvidas: a posse de muitos bens é um grande impedimento para a adesão ao Reino de Deus. Jesus é muito cético diante dos discípulos ricos. A metáfora do camelo e do buraco da agulha, uma picante ironia de Jesus, o dizem claramente. A solidariedade com os pobres é a porta de entrada no Reino de Deus. Riqueza não é sinal de bênção!

 Meditação:

·        Releia o texto e contemple a cena, procurando dar atenção a cada gesto e a cada palavra, tanto as de Jesus como as do home rico

·        Não ocorre também hoje considerar as elites como mais abençoadas, exemplares e dignas de serem imitadas?

·        Como nos aproximamos de Jesus: ostentando nossos méritos e perfeições, sem consciência das nossas carências e desejos?

·        Como assimilar na vida e na missão essa oposição excludente seguir Jesus e não se importar com as necessidades dos pobres?


sábado, 25 de maio de 2024

A luz do Evangelho em nossa vida (361)

361 | Ano B | Solenidade da S. Trindade | Mateus 28,16-20

26/05/2024

A solenidade da Santíssima Trindade nos convida a celebrar e refletir sobre o mistério do ser e do agir de Deus. Há quem fale de Deus como se soubesse tudo sobre ele, mas que, na verdade, fala sobre seus próprios conceitos. Chamamos arquétipos as imagens e valores que mexem com o ser humano em sua profundidade. Essas imagens são uma espécie de filtro pelo qual olhamos tudo e vemos a nós mesmos. Elas ordenam ou confundem, escravizam ou libertam.

Deus é um dos arquétipos mais profundos e influentes da vida. Se temos uma imagem deformada de Deus, acabamos deformando-nos e adoecendo. A solenidade de hoje vem nos recordar que a imagem correta de Deus não é a de um sujeito solitário, absoluto, onipotente e onisciente, mas de comunhão no amor, de abertura e acolhida, de compaixão e dom de si. Deus é o arquétipo da perfeita comunhão, uma comunhão na qual cada pessoa recebe tudo da outra e se faz dom radical e incondicional aos outros.

Esta comunhão na acolhida do outro e na doação amorosa de si é também o DNA das criaturas. Misericórdia é a palavra que melhor expressa o mistério da Santíssima Trindade, pois, do coração da Trindade, flui uma grande e incessante torrente de misericórdia. A experiência mística do amor de Deus nos compromete necessariamente com a missão de em tudo amar e servir, de cuidar e defender as criaturas de Deus.

“Vão e façam com que todos os povos se tornem meus discípulos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e ensinando-os a observar tudo o que ordenei a vocês.” É uma missão que se abre a todos os povos e desconhece fronteiras e muros que dividem, uma missão enraizada e focalizada no amor. Fazer discípulos/as significa acolher e congregar no amor aqueles/as que são diferentes, fazer-se próximo daqueles/as que estão longe.

Jesus também nos envia a batizar, pois o batismo sinaliza o discipulado e nele nos introduz, é a assinatura de uma nova lealdade ao Deus Uno e Trino, à Divina Comunhão, da qual a Eucaristia é sacramento. No batismo, expressamos nossa feliz condição: somos filhos e filhas de Deus, irmãos e devedores às estrelas, à luz, ao ar e à terra, ao ar, à luz, pois todos esses elementos habitam e cooperam em nós, e tudo está interligado e relacionado, como ensina o Papa Francisco.

 

Meditação:

·      Recomponha o episódio, relendo a cena, percebendo a mistura de alegria e de medo dos discípulos diante das Palavras de Jesus

·      O que significa reconhecer que a autoridade e o poder de Deus estão em Jesus, e não na Igreja ou naqueles/as que ele envia

·        Se Jesus constitui a envia a Igreja para fazer discípulos/as de Jesus, batizá-los e ensiná-los a viver no seu caminho, por que insistimos em reduzir essa missão a celebrar os sacramentos?

O Evangelho dominical (Pagola) - Santíssima Trindade (26.05.2024)

O ESSENCIAL DO CREDO

Ao longo dos séculos, os teólogos cristãos elaboraram profundos estudos sobre a Santíssima Trindade. No entanto, muitos cristãos nos nossos dias não conseguem compreender o que estas admiráveis doutrinas têm a ver com a sua vida.

Parece que hoje precisamos ouvir falar de Deus em palavras humildes e simples que toquem o nosso pobre coração, confuso e desanimado e confortem a nossa fé vacilante. Precisamos, talvez, recuperar o essencial do nosso Credo para aprender a vivê-lo com nova alegria.

«Creio em Deus Pai, criador do céu e da terra». Não estamos sozinhos perante os nossos problemas e conflitos. Não vivemos esquecidos. Deus é nosso Pai amado. Assim o chamava Jesus e assim o chamamos nós. Ele é a origem e o objetivo da nossa vida. Criou-nos a todos apenas por amor e espera-nos a todos com coração de Pai no final da nossa peregrinação por este mundo.

O Seu nome é hoje esquecido e negado por muitos. As novas gerações vão se afastando dele e nós, crentes, não sabemos como transmitir-lhes a nossa fé. Mas Deus continua a olhar para todos com amor. Embora vivamos cheios de dúvidas, não devemos perder a fé neste Deus, Criador e Pai, porque teríamos perdido a nossa última esperança.

«Creio em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor». É o grande presente que Deus deu ao mundo. Ele nos disse como é o Pai. Para nós, Jesus nunca será apenas “mais um homem”. Olhando para ele vemos o Pai: nos seus gestos captamos a sua ternura e compreensão. Nele podemos sentir Deus humano, próximo e amigo.

Este Jesus, o Filho amado de Deus, encorajou-nos a construir uma vida mais fraterna e alegre para todos. É o que o Pai mais deseja. Indicou-nos também o caminho a seguir: «Sede compassivos como o vosso Pai é compassivo». Se esquecermos Jesus, quem preencherá o seu vazio, quem nos poderá oferecer a sua luz e a sua esperança?

«Creio no Espírito Santo, Senhor e doador da vida». Este mistério de Deus não é algo distante. Está presente no fundo de cada um de nós. Podemos captá-lo como Espírito que anima as nossas vidas, como Amor que nos leva até quem sofre. Este Espírito é o melhor que há dentro de nós.

É uma grande graça caminhar pela vida batizado em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Não o devemos esquecer.

José Antônio Pagola

Tradução de Antônio Manuel Álvarez Perez

sexta-feira, 24 de maio de 2024

A luz do Evangelho em nossa vida (360)

360 | Ano B | 7ª Semana Comum| Sábado | Marcos 10,13-16

25/05/2024

No texto que refletimos ontem, Jesus criticava a interpretação machista e patriarcal do vínculo matrimonial e, num horizonte mais amplo, a leitura ideológica e interesseira das escrituras. Seguindo no mesmo contexto semântico, no texto de hoje Jesus passa das relações entre marido e mulher à relação com as crianças.

Quando uma relação matrimonial fracassa, torna-se pesada e tensa e desemboca numa separação, geralmente as primeiras vítimas são os filhos e filhas. Mas, no evangelho de Marcos, as crianças, além de personagens reais, são figuras simbólicas, e representam todas as pessoas e grupos vulneráveis, tratadas como menores.

O texto deixa entrever que as comunidades cristãs enfrentavam dificuldades para reorganizar as relações de poder nas comunidades e no interior das famílias. Enquanto Jesus sublinha as atitudes de acolhida e inclusão, seus discípulos/as, como vimos nos últimos dias, cedem à tentação da superioridade, da rejeição e da exclusividade.

Este pequeno texto conclui a longa seção literária na qual o evangelista trata da correta relação entre os primeiros e os últimos. Jesus inverte esta relação, e coloca as crianças (que eram tratadas como últimas ou deixadas na periferia) no centro. Este caso das crianças é, na verdade, uma parábola da lógica do Reino de Deus.

Naquele tempo, e até poucos séculos atrás, as crianças não tinham lugar num ambiente social no qual predominavam os adultos. Mas até hoje, muitos “pequeninos” – como os negros, os indígenas, os pobres, os migrantes, os toxicodependentes, os idosos, os analfabetos, etc. – não são bem vistos em alguns círculos sociais.

A prática e o ensino de Jesus são claros: na família cristã, iluminada pelo Evangelho, assim como nas comunidades eclesiais, as crianças têm seu lugar e são bem colhidas. Mas não apenas elas, que hoje tendem a ser socialmente tratadas como “majestade” e a sempre impor suas infantis vontades. Todas as pessoas e grupos sociais fragilizados e vulneráveis devem ser acolhidos e tratados como cidadãos plenos, portadores de dignidade e sujeitos de direito.

 

Meditação:

·        Releia o texto e contemple a cena, procurando dar atenção a cada gesto e a cada palavra, tanto as de Jesus como dos discípulos

·        Como sua família e sua comunidade costumam tratar as pessoas e grupos sociais mais vulneráveis e fragilizados?

·        Por que tantos cristãos “de bem” ainda têm tanta dificuldade quando se trata de defender a dignidade dos marginalizados?

quinta-feira, 23 de maio de 2024

A luz do Evangelho em nossa vida (359)

359 | Ano B | 7ª Semana Comum| Sexta-feira | Marcos 10,1-12

24/05/2024

Ontem víamos que Jesus chama seus discípulos à abertura e à colaboração ecumênica. Quem tem um coração grande, um olhar abrangente e uma fé confiante não imagina ter concorrentes por todo lado. Só uma mente imatura pode se mostrar incapaz de reconhecer o bem que outros fazem e alimentar o desejo de que todos peçam sua aprovação para qualquer iniciativa benemérita.

No texto de hoje, Jesus começa radicalizando o ensino do episódio de ontem: qualquer gesto de hospitalidade, por menor que seja e mesmo que seja proveniente de alguém de fora da comunidade cristã é benemérito e nobre. Para Jesus, todos os que agem com solidariedade são bem-vindos, são cidadãos do Reino de Deus. O que vale é a prática, e não o rótulo religioso.

Para jesus, os cristãos devem atuar sem preconceitos contra ninguém e sem pretensões de exclusividade. Não há fronteiras rígidas que nos separam daqueles que não rezam pela nossa cartilha. O bem pode estar tanto dentro como fora da comunidade, e o mal pode vir tanto de fora quanto de dentro dela.

Este é o alerta que Jesus nos dá quando recorre à metáfora dos membros do corpo. Para as comunidades apostólicas, o corpo era uma imagem da diversidade dos membros, serviços e funções das comunidades cristãs. E, na mentalidade judaica, os pés, as mãos e os olhos eram considerados o lugar dos atos agressivos ou descontrolados.

Na verdade, a comunidade de Marcos vivia a triste e dura experiência da deserção, da traição e da apostasia de parte dos seus membros frente às violentas e reiteradas perseguições. E se perguntava como reagir a esta pedra de tropeço que acabava derrubando os mais fracos. Uma leitura atenta do texto evidencia que a solução não é a condenação à morte (como era comum na tradição oriental), nem a exclusão pura e simples da comunidade.

A metáfora do sal aponta para o trabalho paciente e firme em vista da solução do conflito e da recuperação da paz e da harmonia. Na tradição judaica, o sal é símbolo da Aliança. Assim, Jesus pede que todos tenhamos este sal e vivamos a paz com os demais, inclusive com os traidores.

 

Meditação:

·        Releia o texto e contemple a cena, procurando dar atenção a cada gesto e a cada palavra, assim como aos símbolos usados por jesus

·        Você consegue valorizar os pequenos e grandes gestos de humanismo que ocorrem fora da sua Igreja?

·        Como costumamos tratar os membros da comunidade ou da família que “cometem besteira” e nos deixam envergonhados?

·        Que passos poderíamos dar para desenvolver uma educação e uma catequese capazes de evitar o preconceito e a exclusividade?

quarta-feira, 22 de maio de 2024

A luz do Evangelho em nossa vida (358)

358 | Ano B | 7ª Semana Comum| Quinta-feira | Marcos 9,41-50

23/05/2024

Ontem víamos que Jesus chama seus discípulos à abertura e à colaboração ecumênica. Quem tem um coração grande, um olhar abrangente e uma fé confiante não imagina ter concorrentes por todo lado. Só uma mente imatura pode se mostrar incapaz de reconhecer o bem que outros fazem e alimentar o desejo de que todos peçam sua aprovação para qualquer iniciativa benemérita.

No texto de hoje, Jesus começa radicalizando o ensino do episódio de ontem: qualquer gesto de hospitalidade, por menor que seja e mesmo que seja proveniente de alguém de fora da comunidade cristã é benemérito e nobre. Para Jesus, todos os que agem com solidariedade são bem-vindos, são cidadãos do Reino de Deus. O que vale é a prática, e não o rótulo religioso.

Para jesus, os cristãos devem atuar sem preconceitos contra ninguém e sem pretensões de exclusividade. Não há fronteiras rígidas que nos separam daqueles que não rezam pela nossa cartilha. O bem pode estar tanto dentro como fora da comunidade, e o mal pode vir tanto de fora quanto de dentro dela.

Este é o alerta que Jesus nos dá quando recorre à metáfora dos membros do corpo. Para as comunidades apostólicas, o corpo era uma imagem da diversidade dos membros, serviços e funções das comunidades cristãs. E, na mentalidade judaica, os pés, as mãos e os olhos eram considerados o lugar dos atos agressivos ou descontrolados.

Na verdade, a comunidade de Marcos vivia a triste e dura experiência da deserção, da traição e da apostasia de parte dos seus membros frente às violentas e reiteradas perseguições. E se perguntava como reagir a esta pedra de tropeço que acabava derrubando os mais fracos. Uma leitura atenta do texto evidencia que a solução não é a condenação à morte (como era comum na tradição oriental), nem a exclusão pura e simples da comunidade.

A metáfora do sal aponta para o trabalho paciente e firme em vista da solução do conflito e da recuperação da paz e da harmonia. Na tradição judaica, o sal é símbolo da Aliança. Assim, Jesus pede que todos tenhamos este sal e vivamos a paz com os demais, inclusive com os traidores.

 

Meditação:

·        Releia o texto e contemple a cena, procurando dar atenção a cada gesto e a cada palavra, assim como aos símbolos usados por jesus

·        Você consegue valorizar os pequenos e grandes gestos de humanismo que ocorrem fora da sua Igreja?

·        Como costumamos tratar os membros da comunidade ou da família que “cometem besteira” e nos deixam envergonhados?

·        Que passos poderíamos dar para desenvolver uma educação e uma catequese capazes de evitar o preconceito e a exclusividade?