Quando e como o Mundo Novo se manifestará?
Como comunidade
cristã, estamos propriamente iniciando a caminhada de preparação para a festa
do Natal, a memória da encarnação de Deus na condição humana. É verdade que o
comércio já se antecipou em várias semanas e procura nos convencer de que a
verdadeira boa notícia não nos vem de um bebê que nasce num abrigo para animais
mas de um vovô gorducho e simpático que frequenta e promove os centros
comerciais. Então, a primeira atitude que precisamos desenvolver na preparação
do natal é o discernimento e a vigilância: uma atenção sem distração.
Não podemos
identificar Jesus com um moralista preocupado simplesmente em condenar as festas,
a comida ou a bebida. Ele é um profeta que chama a atenção para aquilo que é
definitivamente essencial e nos previne sobre os riscos de uma fé vivida de
forma alienada ou escapista, sem responsabilidade histórica. No evangelho de
hoje, Jesus nos adverte que as rotinas e compromissos cotidianos, impostos pela
ditadura da simples sobrevivência ou pelos interesses estreitos e imediatos,
pode nos levar a uma perigosa distração
em relação ao que é evangelicamente essencial.
É isso que Jesus quer
evidenciar recorrendo ao episódio de Noé e à parábola do ladrão. Os
contemporâneos de Noé tocam a vida normalmente, inclusive fazendo coisas boas e
não condenáveis, mas não atinam para algo decisivo que está por acontecer. Se soubéssemos
a hora em que chega o ladrão, montaríamos guarda e evitaríamos o pior. Mas como
não sabemos onde, quando e como Deus se manifesta na história, precisamos evitar distrações – inclusive aquelas
propostas por liturgias festivas que prometem prosperidade e facilidades! – e
sintonizar com a Palavra de Deus e o advento do seu Reino. Precisamos
permanecer sempre lúcidos e vigilantes.
Escrevendo aos
Romanos e usando outras palavras, Paulo se refere ao mesmo risco. Vivemos numa cultura da distração. A oferta de uma
quantidade estonteante de mercadorias, a possibilidade de infinitas e sempre
novas experiências, o acesso facilitado aos lugares mais exóticos e distantes,
e até a multiplicação das expressões de piedade, têm um só objetivo: oferecer distração e evitar que nos
confrontemos com as questões fundamentais que nos interpelam como
indivíduos, como Igreja e como humanidade. Esta enxurrada de possibilidades nos
envolve como uma noite, e nós
dormimos.
Paulo pede também que
evitemos brigas e rivalidades. Além dos sangrentos conflitos que contrapõem
cidadãos e imigrantes, ocidentais e
orientais, ricos e pobres, consumidores e excluídos, civilizados e bárbaros,
partidos de centro-direita e de centro-esquerda..., há a competição pelo maior
número de fiéis, pelo presente mais fabuloso, pela carreira mais fulgurante,
pelo menor preço e maior qualidade, pela conquista dos mercados emergentes, pelo
maior faturamento nas vendas natalinas... A
noite se nos apresenta plena de pesadelos e ameaças.
Enfim, Paulo nos
convida à sobriedade no comprar, no comer
e no beber. Não se trata de austeridade
– que é uma espécie de doença espiritual própria de quem despreza o que dá
prazer – mas da sobriedade, atitude
de quem sabe que está no mundo como
hóspede e se deixa guiar por um sonho que ainda armará sua tenda na
história. Comemos e bebemos sobriamente para celebrar o advento de Deus na
humanidade, mas temos consciência de que o Reino de Deus não se resume à comida
e à bebida, a este velho mundo anunciado como o único ou o melhor dos mundos
possíveis.
Infelizmente, o tempo de espera vigilante foi se transformando em tempo de comércio alucinante, e a única coisa que se espera é
receber um bom presente ou conseguir pagar as despesas das festas... As milhares de luzes que piscam e seduzem as pessoas incautas, reduzidas a
consumidores manipuláveis, não são mais que sinais
da noite que nos envolve. “Já é hora de despertardes do sono. A noite está
quase passando e o dia vem chegando.” É aqui que a mística do Advento entra
como um despertador que nos acorda do sono letárgico e nos coloca de pé,
vigilantes.
Ensina-nos, Jesus de Nazaré, a trilhar o caminho que leva ao encontro
contigo e nos ajuda a viver acordados, lúcidos e solidários as quatro semanas
de Advento que se abrem diante de nós. Dá-nos um olhar límpido e inteligente,
capaz de ver onde, como e quando teu Reino está germinando e pedindo nossa
colaboração. Desperta em nós a coragem e a criatividade necessárias para
transformar espadas em enxadas, lanças em foices, indiferença em compaixão,
presentes em presença. Assim seja! Amém!
Itacir
Brassiani msf
Um comentário:
Pe. Seja bem vindo novamente ao Brasil. Quando possível, venha nos visitar no Norte de minas.Suas reflexões muito nos auxilia.
Claudia- Berizal. MG
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