terça-feira, 30 de março de 2021

ANO B | SENANA SANTA | SOLENIDADE DA CEIA DE JESUS | 01.04.2021

Em missão ou ao redor da mesa, somos povo da Aliança!

Hoje celebramos a Aliança nova, terna e eterna de Deus conosco, filhas e filhos seus, família na qual seu Filho se faz irmão. A mesa está pronta, e o alimento é simples e abundante. E há lugar para todos, inclusive para pecadores/as, como nós. O próprio Jesus nos diz que desejou ardentemente celebrar este momento conosco (cf. Lc 22,15). Não recusamos o convite porque intuímos que não temos outra honra senão a de trazer em nossos sonhos, projetos, ações e relacionamentos as marcas da cruz de Cristo, do seu amor sem fronteiras.

Na mesa que reúne as pessoas que desejam ardentemente viver uma fraternidade sem fronteiras, criando unidade onde há divisão e intolerância, fazemos memória. Pois esta celebração é um memorial dos êxodos e travessias que somos convidados/as ou forçados/as a empreender: travessias de um eu fechado em si mesmo para uma comunidade aberta e solidária; de uma mesa grande e vazia para uma mesa farta e partilhada; de projetos estreitos e ancorados nos interesses pessoais para utopias coletivas; de lutas empreendidas contando apenas conosco mesmos para alianças inclusivas e duradouras.

A ceia eucarística é a memória de Jesus e dos discípulos que, tendo atrás as memoráveis experiências das refeições partilhadas com toda sorte de pecadores, e, à frente, a ameaça dos poderes que não toleram diferenças, compartilham suor e sangue, vinho e pão. A eucaristia é alimento para quem ainda e sempre estamos na estrada. Celebramos esta ceia e aceitamos a aliança que Deus nos oferece ainda “na terra do Egito”. Celebramos esta refeição prontos para as travessias que urgem: com cintos que diminuem os embaraços; com sandálias que agilizam os passos; com cajados que nos amparam na fraqueza.

No centro da ceia não está um cordeiro, mas uma vida feita inteiramente dom. Jesus Cristo nos oferece a totalidade concreta da sua vida como dom e partilha. É isso que ele nos dá sem reservas e sem impor condições. E o faz numa ceia ordinária, numa refeição marcada pelo afeto fraterno, num contexto de divisão e ameaça de morte, pedindo insistentemente que façamos o mesmo para manter viva sua memória. “Amai-vos uns aos outros como eu vos tenho amado...” A eucaristia faz da Igreja uma comunidade aberta e inclusiva, engajada em derrubar muros que dividem e agridem e construir pontes que unem e libertam.

Jesus ilustra o sentido da sua vida feita aliança no gesto de lavar os pés. Ele havia dito que viera para servir e não para ser servido, como Servo e não como Senhor. Demonstrara isso na dedicação incansável aos últimos. Pois agora, depois de repartir pão e vinho, ele deixa a mesa e assume o serviço das mulheres e crianças, lavando os pés daqueles que estavam à mesa. Nele, é o próprio Deus que se inclina diante da humanidade e, lava nossos pés. E não o faz para demonstrar humildade, mas para destruir todas as hierarquias e afirmar a absoluta igualdade de todos. Admitir superioridades significa negar o próprio Deus, que as rejeita!

Pedro reage diante dessa provocativa e ousada lição de Jesus. Não lhe parece bem mudar as coisas assim tão radicalmente. Para ele, senhores e superiores devem ser honrados; servos e inferiores devem ser desfrutados; esta é a ordem e nada deve ser mudado. A Pedro parece-lhe difícil aceitar que esta não seja a ordem querida por Deus, que participar da eucaristia implica em fazer-se memória viva da vida de Jesus Servo. Como custa à Igreja e a cada um de nós assimilar esta lição: Deus não se identifica com o soberano, mas com o servo; somente quem hipoteca sua vida pelos outros a ganha verdadeiramente.

A lição é difícil, e nada óbvia. É por isso que, depois de lavar os pés dos discípulos, Jesus nos interroga: “Vocês compreenderam o que eu acabei de fazer?” E para não deixar dúvidas, ele mesmo explica: “Eu lhes dei um exemplo. E vocês serão felizes se o puserem em prática”. Precisamos passar da memória e do gesto teatral à vida concreta: “fazei isso...”; “se puserem em prática...” É preciso dar conteúdo e concretude à eucaristia no dom cotidiano pelos outros, no serviço despojado a todos, mesmo àqueles que pensamos que não o merecem.  E em atitude de acolhida incondicional. Cristo é nossa Paz, do que era dividido fez uma unidade!

Jesus, Filho de Deus e da Humanidade, peregrino nas estradas de um mundo desigual, arauto de um tempo novo e promissor: ajuda-nos a não deixar no interior do templo o avental que nos dás como hábito e identidade. Abre nossa mente e nosso coração aos irmãos e irmãs diferentes e, por isso, discriminados, nas estradas e esquinas, subúrbios e porões do mundo. Faz com que superemos os ritos e transformemos teu gesto em prática cotidiana. Guia e sustenta a Igreja no caminho do esvaziamento que a faz livre e capaz de derrubar muros e construir pontes, assegurando tua preferência pelos últimos. Amém! Assim seja!

Itacir Brassiani msf

Livro do Êxodo  12,1-14 | Salmo 115 (116) | 1ª Carta aos Coríntios 11,23-26 |  Evangelho  de São Joãoa 13,1-15

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