Para gerar fraternidade e paz precisamos amar o mundo!
Não passemos ao largo
desta quarta lição na escola da caminhada quaresmal. Começamos acompanhando
Jesus no deserto e aprendendo a vencer as tentações. Subimos com ele ao monte
para aprender a lição da humildade e do serviço. Fomos com ele ao templo e
pedimos que ele nos livre da lógica predatória do mercado. E hoje estamos aqui
para pedir que ele nos ensine a não lamentar débitos nem exigir créditos.
“Vocês foram salvos pela graça”, insiste Paulo, e isso para que ninguém se
orgulhe de nada.
Um juiz implacável,
impassível, sem coração, sempre pronto a defender a lei e a pronunciar
sentenças irreversíveis: essa é a imagem que fazem de Deus muitos cristãos. Mas
Jesus diz claramente que Deus enviou seu Filho ao mundo para conduzi-lo à vida,
e não para condená-lo. É a gratuidade do amor de Deus que nos salva. Precisamos
experimentar e testemunhar o Evangelho do diálogo e da fraternidade,
especialmente no contexto de indiferença letal, temperada de intolerância e
violência, que vivemos hoje no Brasil.
Custa-nos entender que
Deus não se deixa guiar pela lógica do poder, da indiferença e da punição. É
incrível a facilidade com que os homens (sim, no gênero masculino!) que dirigem
nações e igrejas e se apresentam como procuradores da justiça e de Deus, sentam
na cadeira como juízes, cadeira que o próprio Jesus recusou. Com que frequência
nos escondemos por trás de máscaras (não aquelas que hoje são necessárias para
proteger e salvar vidas!) de benfeitores/as e imparciais, prontos a denunciar o
cisco no olho dos outros sem darmo-nos conta do nosso próprio lixo.
Definitivamente, não é esta a postura e o Evangelho de Jesus Cristo!
O Messias enviado por
Deus e feito carne em Jesus de Nazaré é outro, sua prática é diferente e aponta
outros caminhos. Ele recusa a cadeira de juiz e senta ao lado dos acusados,
como advogado de defesa. Isso é evidente desde a estrebaria, onde os pastores
desprezados foram os primeiros a visitá-lo, até a cruz, quando o próprio Jesus
foi negociado por um condenado e compartilhou o calvário com outros dois. O
Filho de Deus desceu todos os degraus e veio ao encontro do ser humano no nível
mais baixo, no lugar de culpado e de devedor. E o fez de braços abertos, dialogando,
indo ao encontro acolhendo e servindo a todos/as.
O que deve nos
impressionar não é o fato de que Jesus tenha subido ao céu, mas a afirmação de que
Deus tenha descido definitivamente à terra. E ele desceu tanto que, mais que
assumir a frágil e contraditória condição humana, assumiu a condição das
vítimas e proscritos/as, para declará-los justificadas. Em Jesus, Deus desceu
tanto, que entrou solidariamente no inferno vivido pelos/as condenados/as a uma
vida que tem mais parece um lento processo de morte. Desceu tanto que o “elevaram”
numa cruz! É para esse Homem, levantado na cruz dos/as malditos/as e entre dois
condenados, que somos chamados/as a voltar nosso olhar.
Jesus diz que “Deus
amou de tal forma o mundo que
entregou seu Filho único”. Deus ama o mundo em sua globalidade, sem distinguir
culpados/as ou inocentes, homens ou mulheres, devedores/as ou merecedores/as.
Em Jesus Cristo, a glória de Deus se manifesta de forma clara e inequívoca, e
essa glória não é outra coisa que o amor que se faz dom e acolhida sem nenhum
tipo de condição ou exigência. Ele nos deu a vida “quando estávamos mortos/as
por causa de nossas faltas”, sublinha Paulo. Em Jesus Cristo a libertação é
radical, gratuita e incondicional, e é também geradora gratuidade e de
fraternidade.
Este rio de graça,
este sol de justiça que nos vem de Deus em Jesus Cristo, começa desmascarando
nossos pretensos merecimentos; avança revelando nossa verdade mais profunda;
termina capacitando-nos a agir como homens e mulheres novos. “Fomos criados
para as boas obras” diz São Paulo, e precisamos nos ocupar delas. Crer é aderir
à proposta de Jesus Cristo, e aderir ele significa crer na dignidade inerente a
cada pessoa humana e nas suas possibilidades positivas. Este é o caminho que
leva à vida plena e à liberdade verdadeira. Saber que todos/as somos pecadores/as
perdoados/as fortalece nossa luta contra a intolerância e a violência.
Deus pai e mãe, lento para a cólera e rico em
misericórdia: Como é imenso o amor com que amas a nós e ao mundo! Enviaste teu
filho amado para que, sendo por ele servidos/as, aprendêssemos a servir com a
mesma generosidade. Dá-nos um amor intenso, lúcido e forte, a fim de que
sejamos capazes de dar continuidade a este dinamismo que salva e renova mundo,
empenhando-nos na difícil e complexa tarefa de recriar a fraternidade sem
fronteira através do diálogo. Não permite que sentemos e choremos passivamente
nossos desterros, e põe-nos a caminho para reconstruirmos o mundo na força do
teu amor. Amém! Assim seja!
Itacir Brassiani msf
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