A
vida que não morre vem do amor sem limites.
(At 10,34.37-43; Sl 117/118; Col 3,1-4; Jo
20,1-9)
Chegamos à festa que preparamos com tanto empenho nas
últimas seis semanas. Trazemos no corpo a memória agradecida da aliança
realizada na última ceia e nas muitas e solidárias ceias penúltimas. Trazemos
nos olhos o sinal luminoso das mãos perfuradas e dos braços abertos em forma de
cruz, prontos a abraçar a humanidade inteira, sem nenhuma exclusão. Partilhamos
com Madalena o vazio de uma ausência querida. Trazemos na mente e no ventre o
trabalho das mulheres e homens, comunidades e movimentos que, no escuro da
noite, prepararam tecidos e perfumes para não deixar a vida se deteriorar. Graças
ao testemunho das primeiras comunidades cristãs e de uma nuvem de testemunhas e
mártires que cobre os séculos, sabemos que nossa vida está escondida com
Cristo, em Deus, e por isso não temos. E dizemos, com a juventude em movimento:
“Eis-me aqui! Envia-me!”
“Nós
somos testemunhas de tudo o que Jesus fez.”
Não podemos pensar e celebrar a Páscoa congelando-a no
passado, como se fosse algo acontecido apenas com Jesus de Nazaré, há dois mil
anos atrás. Precisamos superar também a tentação de reduzi-la a um
acontecimento que toca apenas a alma ou a interioridade das pessoas, como se
não tivesse nenhuma relevância para o corpo e para a história. E é necessário
também ultrapassar a idéia de que a Páscoa apenas confirma a nossa esperança na
ressurreição individual dos mortos, prevista para um futuro indeterminado.
A Páscoa celebra o reconhecimento de Jesus – o jovem profeta
perseguido e assassinado, o irmão e servidor da humanidade – como Filho de
Deus. Proclama que nele Deus vence todas as formas de morte, da morte física à
morte progressiva e massiva que resulta das estruturas iníquas e dos poderes
despóticos. Anuncia que Jesus, considerado uma pedra problemática e sem
utilidade na manutenção do mundo, foi considerado por Deus como pedra
fundamental da construção de um mundo novo.
É isso que escutamos no testemunho entusiasmado e
corajoso de Pedro. Ele recorda que Jesus
andou por toda parte fazendo o bem e agindo sem medo, apesar da violência
que havia levado João Batista à morte. Deus
estava com ele e agia nele, inclusive no vazio e escuro da cruz, quando parecia
havê-lo abandonado. Deus o ressuscitou dos mortos, e transformou em juiz
aquele que fora réu de morte. E os discípulos da primeira hora, apesar da
dificuldade de acreditar nele e de tê-lo abandonado, são constituídos testemunhas e pregadores desta Boa Notícia.
“Se
ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas do alto.”
A Páscoa de Jesus
de Nazaré e dos cristãos celebra as milhares de possibilidades escondidas na
vida de cada pessoa e na história da humanidade. Afirma que a última palavra não será sempre discurso frio daqueles que
impõem sua injusta ordem e retiram das praças e ruas os jovens indignados. Proclama
que a ação realmente eficaz e grávida de futuro é aquela que estabelece a absoluta
superioridade do outro necessitado. Evidencia
que a direção certa e o sentido da vida está no esquecimento de si, no fazer-se semente de uma outra vida, no só a Deus servir e adorar.
E isso não é uma realidade que se manifesta apenas
depois da morte. Paulo nos surpreende afirmando que os cristãos já foram ressuscitados. Ele se refere ao dinamismo
pascal do nosso batismo, o qual possibilita
e requer a passagem de uma vida miúda e individualista para uma vida plena e
solidária. “Procurem as coisas do alto”, exorta Paulo. E isso significa assumir um estilo de vida centrado no dom e
no amor, no serviço e na partilha, no compromisso perseverante e generoso com a
gestação de um outro mundo, utopia tão cara aos jovens. “Se não nos
deixarem sonhar, não os deixaremos dormir..:”
É verdade que o pecado não perdeu totalmente sua
influência sobre nós. Continuamos sendo seduzidos por seu cheiro de beleza, seu
ar de felicidade, sua aparência de inteligência, sua promessa de sucesso, sua
alquimia que pretende unir fé em Deus e amor às riquezas e a fé na ressurreição
com a acomodação as esquemas deste mundo. Mas ele está mortalmente ferido e não
tem vida longa em nós. “Vocês estão mortos e a vida de vocês está escondida em
Cristo com Deus,” lembra-nos São Paulo.
“Quando
ainda estava escuro, Maria Madalena foi ao túmulo..."
A ressurreição de Jesus não é algo que se impõe com
força e evidência, não vem acompanhada de manifestações potentes. Madalena foi
à sepultura mas não levou perfume. Teria acreditado que a morte triunfara
definitivamente? Não conseguira ver mais que uma sepultura aberta? Por que
interpretou a sepultura vazia como sinal de morte e não como sinal de vida?
Madalena não estaria representando a comunidade que não consegue superar a
experiência de Jesus morto? É significativo que texto do evangelho de hoje
repete nove vezes a palavra ‘sepultura’...
Diante da sepultura aberta e vazia, Maria Madalena
corre alarmada para avisar Pedro e João. Também eles correm e, chegando, entram
na sepultura vazia e vêem os panos e o sudário cuidadosamente dobrados. Mais
tarde, Madalena abrirá os olhos quando será chamada pelo nome. E os discípulos
desanimados encontrarão Jesus com fisionomia de peregrino no caminho de Emaús.
Os outros dez apóstolos o reconhecerão numa manhã cinzenta, depois de uma escura
noite de pesca frustrada.
O dia já havia amanhecido, mas, na cabeça e no coração
de Maria Madalena e dos apóstolos, a experiência do fracasso pairava como
escuridão. Só muito lentamente eles foram percebendo que os lençóis estendidos não estavam lá para cobrir um morto mas para
acolher as núpcias de uma nova aliança. O sudário sim, depois de cobrir a
cabeça de Jesus, estava à parte e envolvia totalmente o templo, ‘o lugar’ onde a morte fora tramada e
deliberada.
“Entrou também, viu e acreditou...”
O discípulo amigo de Jesus, como Madalena e Pedro,
havia visto apenas o túmulo vazio e os panos mortuários abandonados. Mas ele,
precedido e encorajado por Maria Madalena, entrou na sepultura escura e fria, “viu
e acreditou”. Ele compreendeu aquilo que Jesus havia dito e feito enquanto os
ensinava: que a semente que cai na terra
não se perde, que a vida doada se faz aliança, que “tudo vale a pena quando a
alma não é pequena”.
A Páscoa de Jesus
de Nazaré inaugura a nova criação. Não se
trata de uma simples correção do passado, de perdão dos pecados, de vitória
sobre a morte física e individual. Jesus de Nazaré, o ressucitado que traz no corpo as marcas dos pregos e da
lança, que passou fazendo o bem, é o Homem Novo, o Irmão primogênito e
solidário de todos os homens e mulheres. Os discípulos e discípulas se reúnem
em torno de sua memória e organizam comunidades que continuam sua pró-existência e que não conhecem
limites de sangue, de raça ou de qualquer outra ordem. Isso é dinamismo da
ressurreição!
E todos os homens e mulheres acolhidos nestas comunidades
estabelecem vínculos, tecem redes e firmam alianças que formam um novo Povo de
Deus, a comunhão dos grupos e movimentos que lutam por vida abundante para
todos. A própria matéria, fecundada pelo Espírito Santo, dilata seus átomos,
células e tecidos numa infinita teia de relações e superações e se torna capaz
de abrigar uma comunhão mais forte que a fragmentação, uma vida mais forte que
a morte. Isso é dinamismo da ressurreição!
“Ela
saiu correndo...”
Reunimo-nos para festejar no Senhor, para celebrar com
pureza e verdade, com fé e simplicidade a festa dos pequenos: uma festa que não
serve bens roubados aos fracos e não revela a indiferença de quem não quer
saber se a luta continua. Celebramos nossa páscoa na páscoa de Jesus, e, como
Madalena, deixamos a igreja apressadamente para testemunhar que a vida é mais
forte que a morte e que o amor é imortal. Se Jesus passou na terra fazendo o
bem, não podemos permanecer fechados, por medo ou conveniência, no interior da
igreja.
Jesus de Nazaré,
filho e amigo da humanidade e filho de Deus! Iluminados/as e fortalecidos/as pela
tua ressurreição, convictos/as de que venceste a morte e agora és juiz dos
vivos e dos mortos, dos que oprimem e dos que são oprimidos, dos que morrem e
dos mandam matar, acolhemos a vocação e a missão de ser semente: “Eis-me aqui!
Envia-me! Eis-me aqui! Lança-me em boa terra! Eu tenho fome de justiça e de
amor; quero ajudar a construir um mundo
novo...” Caminhando cintigo e cantando com teus discípulos e discípulas,
aprendemos e ensinamos uma nova lição: “Somos todos iguais, braços dados ou
não! Quem sabe faz a hora, não espera acoontecer!” Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf
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