Um jesuíta franciscano e um pai irmão?
Começo
admitindo que este conclave não me entusiasmava muito. Minha impressão é de que
toda ênfase estava sendo colocada no perfil do novo Papa, e não na realidade
contextual da Igreja. A recusa da cúria romana em dar a conhecer aos cardeais o
conteúdo do dossiê sobre o chamado vatileaks
me soava como chantagem. O descaso com temas eclesiais mais profundos, como as
reformas que urgem, tirava o resto do meu ânimo.
Por outro
lado, a lista de papáveis que a imprensa, católica ou comercial, estampava diariamente
em suas páginas e fazia brilhar em suas telas me parecia tremendamente
interesseira e encomendada. Nunca consegui imaginar a relevância de um Dom Odilo como bispo de Roma e autoridade da
Igreja universal. Não imagino de qual cabeça ou bureau pode ter saído essa idéia. Os outros nomes também não
conseguiram me entusiasmar.
Hoje, 13
de março, quarta-feira, às 18:00, estive na Praça São Pedro. Aproveitei o final
do curso na Universidade Urbaniana e
fui ao correio do Vaticano postar duas cartas. Apesar da chuva, a praça estava
quase lotada. Nada me pedia para ficar por lá. Tinha a convicção de que o
conclave só elegeria o Papa na próxima sexta, ou na segunda. Voltei
tranquilamente para casa, enfrentando o caos do transporte páblico comum em
Roma nesse horário.
Chegando
em casa, os colegas vieram ao meu encontro com a notícia: “Fumaça branca!...”
Convidaram-me para ir à Praça São Pedro com eles, mas, sem entusiasmo e
desprovido de qualquer motivação, fiquei sozinho em casa. Comi algo, de olho na
TV, esperando o anúncio do escolhido pelos cardeais. Tinha a convicção de que
eles não deveriam simplesmente adivinhar alguém que Deus já havia escolhido
antecipadamente (como teimam em dizer alguns), mas discernir evangelicamente o
animador e guia que a Igreja precisa hoje. Mas minha expectativa era nula.
Quando,
depois de mais de uma hora de espera, o ‘arauto’ anunciou o nome daquele que
seria o motivo de gáudio – Jorge Mário Begoglio – minha reação foi de surpresa
e de um certo desconforto. No ano 2001, tive oportunidade de saudar
pessoalmente Bergoglio quando recebeu aqui em Roma o cardinalato. Mas as
notícias recentes sobre algumas atitudes dele frente aos militantes pelo
casamento entre homoafetivos na Argentina tinha me deixado uma impressão ruim.
Mas o anúncio do nome – Francisco! – foi uma surpresa ainda maior, agora
carregada de esperança.
Sei que
não podemos ceder a fáceis entusiasmos, especialmente quando quase nada sabemos
da pauta que orientará a missão deste jesuíta que toma Francisco de Assis como
mestre. Mas suas primeiras palavras e seus primeiros gestos tiveram a força de
comover profundamente este religioso e padre que tem suas desconfianças e
reticências com as altas figuras da hierarquia da Igreja. Confesso isso sem a
menor vergonha. E animado pour uma grande esperança.
O Papa
Francisco começou saudando a multidão com um ‘boa noite!”, evitando um estilo
vazio e protocolar. Depois insistiu que os cardeais escolheram o bispo de Roma, que tem a missão de
presidir as demais dioceses no amor. Convidou os fiéis e as pessoas de boa
vontade a construir relações fraternas. Interpelou hierarquia e fiéis e se
colocarem lado a lado, como irmãos na fé. Falou em anunciar o Evangelho. Convidou
todos a rezar, com simplicidade, como filhos que se dirigem ao pai ou à mãe. E
antes de abençoar solenemente o povo, inclinou-se e pediu que o povo de Deus o
abençoasse. E se despediu com um “boa noite!”
Totalmente
surpreso e tomado de incontida alegria, fiquei ad mirando estes gestos e
palavras e imaginando o que isso significaria. E a primeira coisa que me ocorre
é que Deus, de novo e sempre, nos surpreende com sua liberdade e sua ousadia. E
fico rezando para que tudo o que esse nome, estas palavras e estes gestos
significam se realize de verdade na Igreja. Será que ainda teremos a chance de
ver uma Igreja jovial, livre, desapegada, fraterna, pé-no-chão como aquela sonhada e vivida por Francisco e ensaiada de
novo nas comunidades da América Latina? Será que a semente de uma Igreja pobre
e servidora, amado sonho de Dom Helder e sofrida profecia tantos outros homens
e mulheres de boa vontade, encontrou chão propício para germinar?
Vou
dormir com um sereno sentimento de alívio e pensando que sim. Vou sonhar sonhos
que há algum tempo me haviam abandonado. E vou acordar disposto a dar o melhor
de mim para que a Igreja conheça um novo tempo. Um papa que é gente, que é
crente, que é irmão, que quer ser Francisco. Apenas isso, tudo isso e sempre
isso. Assim seja! Amém! Deus seja louvado!
Itacir
Brassiani msf
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