O caminho sagrado da juventude
Acontece todos
os anos: um grupo de brasileiros que
vivem em Roma, especialmente religiosos e religiosas, peregrina pelas ruas de
Roma, refazendo a Via Crucis de Jesus.
É uma forma de testemunho público da fé, de reunir os migrantes da comunidade
brasileira em Roma e de celebrar a comunhão com a Campanha da Fraternidade proposta anualmente pela Igreja católica
no Brasil. A edição 2013 deste evento aconteceu ontem, 10 de março. E o fio condutor
das orações e cânticos foi fraternidade e juventude.
Logo de
manhã, às 7:30, um grupo de mais de 60 pessoas se reuniu na igreja São
Bernardo, dos monges cirtencienses. Lá celebramos a eucaristia, acolhendo o
amor do Pai, que deixa casas e templos para sair ao encontro dos filhos e
filhas mais necessitados, abraçá-los, beijá-los e revesti-los da mais alta
dignidade (cf. Lc 15,11-32). Lá cantamos, com as comunidades do Brasil: “Estou aqui, Senhor, sou jovem, sou teu povo! Tenho
fome de justiça e de mundo novo! Eis-me
aqui...Envia-me! Pra formar a rede da
fraternidade, fazer na terra
o novo céu, a tua vontade...”
Deixamos o ambiente sereno e acolhedor do templo e
ganhamos as ruas de Roma, habituadas a acolher diariamente milhares de
turistas, mas não muito acostumadas a ver grupos de peregrinos rezando e
cantando, abrindo caminho com a cruz. Sabíamo-nos em comunhão com milhões de
peregrinos, de ontem e de hoje. “O povo de Deus no deserto
andava, mas à sua frente alguém caminhava. O povo de Deus era rico de nada: só
tinha a esperança e o pó da estrada! Também sou teu povo, Senhor, e estou nesta
estrada. Somente a tua graça me basta, e mais nada!”
E assim, cantando, rezando e refletindo fomos recordando
os quatorze momentos dos últimos dias da vida de Jesus: diante da igreja Santa
Suzana, da igreja São Carlino, da basílica São Vital, da igreja de Santa Agata,
de Santa Catarina de Sena, do Santíssimo nome de Maria, de São Marcos, de
Coração de Jesus, de Santo André de la Valle, diante da embaixada brasileira...
Em cada um desses lugares, uma parada para rezar a paixão de Jesus na paixão da
juventude brasileira, o caminho sagrado dos jovens.
Como fazer de conta que não vemos que, não obstante a alegre
força de renovação que lhe é própria, a juventude carrega pesados fardos e é
ferida no mais íntimo da sua dignidade? Como esquecer que 30,6% dos nossos jovens pertencem a famílias com renda
de até meio salário-mínimo e 53,7% a famílias com renda de até dois salários-mínimos?
Que 71% dos jovens pobres são negros ou pardos? Que a taxa
de jovens negros analfabetos, entre 15 e 29 anos, é quase duas vezes maior que
a de jovens branco? Que apenas 19% dos jovens brancos entre 18 e 24 anos
frequentam a universidade, mas apenas 7%
dos negros da mesma faixa de idade frequentam cursos superiores? Que população não jovem, 2% das
mortes são por homicídios, enquanto entre
os jovens esse percentual é de 40%? Que o índece de mortes de jovens
negros é o dobro do índice dos jovens brancos (135 por 100 mil)?...
Caminhando,
acolhemos o clamor de dor e de esperança que os jovens costumam expressar
mediante a música. Como esta, cantada pelos Titãs: “Você tem sede de quê? Você tem fome de quê? A gente não quer só comida. A gente quer comida, diversão e arte. A gente
quer saída para qualquer parte. A gente quer bebida, diversão, balé. A gente quer a vida como a vida quer.” Ou esta outra, do
saudoso Gonzaguinha: “Viver e não ter a vergonha de ser feliz...
Cantar, e cantar e cantar, a beleza de ser um eterno aprendiz. Eu sei... que a
vida devia ser bem melhor e será. Mas isso não impede que eu repita: É bonita,
é bonita e é bonita.”
Recordamos
também uma ‘nuvem de testemunhas’ jovens, uma imensa caravana de gente nova que
renovou a Igreja e proclamou o Evangelho com a vida: jovens do primeiro
testamento, como Rebeca, José do Egito, Samuel, Davi, Salomão, Esrter, Daniel,
Ezequiel, Isaías, os sete jovens macabeus; jovens do segundo testemanto,
começando por Maria e Jesus de Nazaré e passando por Marcos, João e Paulo; jovens que marcaram a história da Igreja, como
Inês, Francisco. Domingos e Luís Gonzaga; e jovens das últimas décadas, como a
brasileira Albertina Berkenbrock, a italiana Chiara Luce, a chilena Laura Vicuña
e o argentino Zeferino Namuncurá.
Recordamos com reverência as
palavras que Paulo VI dirigiu aos jovens, no encerramento solene do Concílio
Vaticano II: “A vós, jovens, moços e moças de
todo o mundo, o Concílio quer dirigir sua última mensagem, pois sereis vós a recolher
o facho das mãos dos vossos antepassados e a viver no mundo no momento das mais
gigantescas transformações da sua história. Sois vós quem,
recolhendo o melhor do exemplo e do ensinamento dos vossos pais e mestres, ides
construir a sociedade de amanhã. Salvar-vos-eis ou perecereis com ela... A
igreja deseja que a sociedade que vós ides construir respeite a dignidade, a
liberdade e o direito das pessoas: estas pessoas sois vós.”
Concluímos
nossa peregrinação ao meio-dia, celebrando a esperança da ressurreição em
frente à Basílica de São Pedro. Ali rezamos também pelos cardeais que, nos
próximos dias, escolherão aquele que guiará e animará a vida Igreja nos
caminhos do Evangelho. Que seja um pastor segundo o coração de Deus, inspirado
no Bom Pastor, capaz de diálogo e de acolhida, aberto aos homens e mulheres de
hoje, sensível às dores e esperanças dos mais pobres, capaz de ouvir e promover
a participação do povo de Deus, disposto a reformar as estruturas da Igreja e a
garantir a transparência e a lisura de todos os seus procedimentos.
Delirante
utopia? Mas a transformação dos desertos em jardins, a gravidez de uma virgem, o
anúncio de boas notícias aos pobres e a ressurreição de um crucificado não está
nesta mesma linha utópica? A esperança é imortal! Pobre juventude, se perde a
capacidade de sonhar! Pobre Igreja, se pensa que a inovação é impossível! O
velho Pedro, bispo, poeta e militante do Araguaia nos ensina: “Quando morrer a utopia, toda canção, toda paixão, toda razão, morrerão. Quando morrer a utopia, terra e céu tombarão. Quem cuidará das estrelas, quem velará pelas flores, no coração, em
nosso chão, quando morrer a utopia? Por isso é que sonhamos, por isso é que arvoramos, com a canção, com a paixão, nossa utopia, irmãos!”
Itacir Brassiani msf
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