“Ninguém pode prender um sonho!”
No se evangelho Lucas nos diz
que, depois do batismo e do retiro no deserto, Jesus volta à sua comunidade e
afirma que sua missão é anunciar boas notícias aos pobres, libertação aos
presos e oprimidos, visão clara aos cegos, enfim, proclamar o tempo da graça de
Deus. E anuncia também que nele e nas suas ações se atualiza aquilo que só era
promessa e utopia. Esta é uma boa inspiração para refletir sobre a questão da
Igreja universal e da Igreja Particular.
Somos marcados pela história
recente do cristianismo. O cristianismo do ocidente emergiu como religião
predominante e o catolicismo como a maior entre as diversas tradições cristãs.
A experiência de nossas comunidades rurais, onde a quase totalidade das pessoas
é católica, reforçou mais ainda esta percepção. Ao mesmo tempo, a Igreja
universal e sua sede romana foram muito sublinhadas na doutrina e na pastoral
católicas. Com isso, fomos aos poucos esquecendo o caráter de minoria e de
encarnação, traços fundamentais da Igreja.
A Igreja sempre foi e será um pequeno rebanho. A experiência original das
primeiras gerações de cristãos foi a de ser um pequeno rebanho inserido numa
multidão. As comparações com a semente de mostarda, com o fermento e com o sal
apontam para essa consciência. Alguns intelectuais pagãos inclusive desafiavam
os cristãos perguntando: se Deus está mesmo interessado na salvação de toda a
humanidade, por que demorou tanto para constituir a Igreja e por que ela
continua tão pequena?
A experiência eclesial de ser
um grupo minoritário num mundo imenso e às vezes hostil não se restringe aos
primeiros séculos. Se observarmos atentamente e considerarmos o mundo todo (e
não apenas a Europa) os cristãos sempre atingiram uma parte muito pequena da
humanidade. Mesmo hoje, depois de 2000 anos e muitos santos e mártires, os
cristãos mal chegam a 20% da humanidade!
A Igreja é chamada a ser uma minoria significativa e ativa capaz de
fazer diferença no mundo. Isso faz parte do mistério da encarnação de Jesus
Cristo, que assumiu uma identidade, um lugar e um tempo determinado e limitado.
Como Jesus de Nazaré, a Igreja assume uma fisionomia particular e localizada,
mesmo que isso pareça uma limitação e um esvaziamento. E o Novo Testamento nos
mostra que os cristãos denominavam "Igreja" as pequenas comunidades
de discípulos e discípulas que se reuniam nas casas e cultivavam a memória de
Jesus Cristo. Sem a encarnação numa
comunidade concreta, a Igreja perde sua força de luz e fermento.
A Igreja sempre foi e será universal. Desde sempre, os minúsculos
grupos de cristãos se sentiram chamados a ser um sacramento ou sinal de comunhão e solidariedade para toda a humanidade
e se abriram às experiências de outras comunidades. Tiveram sempre a convicção
de que a experiência de ser adotado por Deus como filhos e filhas e de doar a
vida pelo próximo era um bem a ser partilhado com toda a humanidade. A Igreja
entendeu que a função é ser sal, fermento e luz para todos, mas sem a ambição
de atingir a extensão da humanidade.
A Igreja precisa ser
universal, ou seja, afirmar que a boa notícia que ela anuncia não exclui
nenhum povo, nenhuma cultura, nenhum aspecto da realidade humana ou social.
E suas comunidades particulares estão abertas a todas as demais comunidades
cristãs numa relação viva de dar e receber. As cúrias romana e diocesanas são
canais e instrumentos que devem estar a serviço desta comunhão em pé de
igualdade.
Para que a Igreja seja
universal não é preciso que ela cubra geograficamente todo o mundo ou acolha
todos os seres humanos no seu seio. Basta que ela seja capaz de reconhecer que
a ação de toda pessoa que resgata e promove a vida, mesmo que ela não saiba,
está servindo a Deus (cf. Mt 25,31-46). O cristianismo atinge o mundo pela
prática do amor solidário, mesmo que anônimo.
Itacir Brassiani
msf
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