Uma memória do Padre José
Comblin
No último domingo de Ramos, 24
de março, celebramos os 33 anos do martírio de Monsenhor Romero. O quanto padre
José Comblin reverenciava Romero a quem considerou um dos Santos Padres da América
Latina! Dizia que “Oscar Romero nunca
teria sido profeta se não tivesse sido arcebispo de San Salvador na época da
ditadura militar no seu país.” e mais adiante conclui: “A missão profética começa quando se descobre a realidade da opressão e
da violência, ou seja, a verdadeira condição dos pobres”.
Certamente se regozijam juntos
lá no céu e acompanham a jornada terrestre da Igreja à qual buscaram dar a
feição de Jesus: uma igreja presente, compassiva, humilde e humana, acolhedora
dos pequenos, defensora dos pobres.
Dois anos se passaram desde a
Páscoa de padre José Comblin. E como sentimos a sua falta... Sobretudo por
ocasião da renúncia do Papa: quantos desejaram ouvir suas palavras, suas
análises, sua opinião. E mais ainda com a eleição de Francisco. O que ele nos
diria a partir do seu aguçado sentido da história? Ele sempre enxergava mais
longe. Dizia que o que está em jogo é a
necessidade de mudança no modo de exercício do ministério de Pedro.
Dizia seguidamente que a Igreja
precisa mudar. Na sua visão, o caminho seria o retorno à simplicidade das
origens, simplicidade de vida, de relações, no exercício do governoe da
autoridade. Retomar a simplicidade nocontexto atual sempre mais complexo edesafiante,
que exige criatividade para atualizar as respostas. Voltar ao essencial,
priorizar as relações humanas, a acolhida, a compaixão, o serviço, a
solidariedade. Voltar-se aos pobres que continuam sendo bilhões e são os
prediletos do Pai, e sempre serão. E ter a coragem de demolir tudo o que
esconde a face de Jesus e o Evangelho. Hoje cada vez mais são os gestos que
falam, são as atitudes que autenticam qualquer palavra. A humanidade carece de
gestos fortes, contundentes, que apontem outro rumo, o rumo da fraternidade, da
irmandade, da prioridade da pessoa humana, da verdade e da justiça, do cuidado
especialmente com os pobres e com a natureza, a mãe terra e água.
E ele sempre dizia que é o
Espírito que conduz e mostra os caminhos da missão, que leva ao encontro dos
pobres. É preciso deixar-se conduzirpelo Espírito e ter como critério a lei
maior que é o Amor. Assim ele mesmo pautou a sua vida quando afirmava: “A Missão não se pode planejar: temos que
deixar o Espírito Santo conduzir. Podemos, sim, decidir aonde iremos; mas ao
chegar, se tivermos abertura e sensibilidade ao que encontrarmos, não mais
podemos planejar: cada situação exige uma resposta, uma ação, uma
continuação... Será o Espírito que dirá
o que fazer, como prosseguir!”
Foi assim que ele seguiu o seu
sacerdócio, tornou-se missionário, veio para o Brasil e para a América Latina,
percorreu esse continente buscando ser presença nas Igrejas particulares onde
ele percebia abertura ao novo, ao sopro do Espírito. A liberdade cristã é
deixar-se conduzir pelo Espírito, sem itinerários pré-definidos, mas atentos
aos apelos da realidade, às condições de vida dos pobres, descobrindo como
intervir sem perder a hora. Certamente muito podemos aprender seguindo os
percursos de sua vida.
Sem dúvida ele viveu os tempos
privilegiados do despertar da Igreja Latino Americana. Ele chegou pouco antes
do Concílio Vaticano II. Acompanhou e contribuiu com as conferencias episcopais
que, sobretudo em Medellín, buscaram aplicar à realidade do continente as
intuições conciliares. Foi incansável nas articulações, nas assessorias, nas
análises elucidativas da realidade, das necessidades, da condição de vida do
povo latino-americano, das necessárias respostas eclesiais. Secundou o
nascimento da Teologia da Libertação, compartilhou os impasses, as incompreensões,
alimentou as elaborações teológicas com perspicácia ímpar. Sempre destacava
algo novo, muitas vezes incomodo, nem sempre compreendido, sua percepção fina
da realidade muitas vezes era considerada pessimismo. Mas nós somos testemunhas
da sua Fé, da sua Esperança, do seu Amor à Igreja e aos Pobres. Por ele fomos
provocados e estimulados ao seguimento de Jesus. Ele nos ajudou a encontrar o
Jesus dos Evangelhos que atraiu e segue atraindo discípulos, dois mil anos
depois.
Há poucos dias celebramos antecipadamente
os noventa anos do seu nascimento, através de uma Romaria ao Santuário Padre
Ibiapina, na Paraíba, onde ele se encontra sepultado. Cerca de 450 pessoas,
amigos, discípulos, alunos e ex-alunos das Escolas e Centros de Formação
Missionária vieram de todos os estados do Nordeste, também do Amazonas,
Maranhão, Mato Grosso e até do Sudeste! Proclamamos através das Celebrações,
vigílias, depoimentos, testemunhos e apresentações que a esperança dos Pobres vive e viverá! Foram momentos ricos de
memória e ação de graças, bebendo na fonte destes grandes mestres da Fé, da
Esperança e da Caridade, os padres Ibiapina e José Comblin. Foi a 1ª Romaria
Missionária, que desejamos repetir a cada cinco anos, retomando a memória e
renovando nossa Fé, porta de entrada para a Esperança, como ele mesmo nos
ensinava.
A Esperança renasceu no coração
de muitos que experimentaram nesse imenso encontro-reencontro de irmãos e
irmãs, o quanto a Igreja Povo de Deus, a Igreja dos Pobres está viva, presente
e atuante na marcha da Libertação. Humilde e pobre, presente e anônima nas galiléias de nosso Brasil, seguimos firmes de olhos
fixos em Jesus, nossa meta e nossa Esperança. Mas precisamos conhecer sempre
mais o Jesus que se revela nos Evangelhos. E contar com a força do Espírito
para atualizar a presença de Jesus em nosso mundo, em nossa sociedade, no chão
onde vivemos e atuamos!
Querido padre José Comblin,
obrigada pelo seu testemunho e pelos seus ensinamentos que nos alimentarão para
sempre! Interceda por nós para que sejamos fiéis e perseverantes, que escutemos
o clamor dos pobres e não nos calemos!
Monica Maria Muggler
24 de março de 2013
Martírio de Mons. Oscar Romero!
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