"Vosso povo é
santo, mas também é pecador!"
Para os
cristãos, a quaresma representa um convite contundente à conversão. O profeta
Joel pede para mudar o coração e não apenas as roupas (cf. 2,13). Paulo
suplica, em nome de Cristo, que nos reconciliemos com Deus (cf. 2Cor 5,20). Ressoa
forte a advertência que o tempo próprio da conversão e da salvação é hoje.
Neste clima quaresmal, podemos levantar algumas questões: são apenas os
cristãos como indivíduos que erram e são chamados à conversão, ou também a
Igreja como um todo erra e precisa de perdão? A Igreja enquanto tal pode pecar?
A resposta
não é simples, mas quem não lembra o gesto eloqüente de João Paulo II no Jubileu do ano 2000, quando pediu perdão
à humanidade pelas pecados cometidos pela Igreja? Alguns teólogos se apressaram
em esclarecer que o Papa pedia perdão pelos pecados dos cristãos, e não pelos pecados da Igreja. Mas tais pecados não foram cometidos pelos cristãos à
revelia da Igreja, mas por fidelidade aos seus ensinamentos. E o Papa pediu
perdão na condição de responsável pela Igreja, em nome dela...
A bela e
inspirada Oração Eucarística n° V termina com estas palavras: "E a
nós, que agora estamos reunidos e somos povo santo e pecador, daí força
para construir juntos o vosso reino que também é nosso." Nesta oração
oficial da Igreja católica está clara a consciência de sua condição de
pecadora.
O mesmo
reconhecimento transparece quando o Concílio Vaticano II diz que a Igreja é o
povo de Deus peregrino no mundo e que o Espírito Santo age para rejuvenescer e
reformar permanentemente a Igreja. Como
povo peregrino, a Igreja carrega as marcas da imperfeição, próprias
daqueles que estão a caminho. Se a Igreja precisa de reforma e rejuvenescimento
é porque decai e envelhece, ou seja, erra.
O
reconhecimento da condição pecadora da Igreja não a enfraquece, nem é sinal de
falta de auto-estima. Quando a Igreja se admite pecadora, reforça ainda mais
sua credibilidade, pois demonstra coerência e autenticidade. Seria muito
pretensiosa a postura de uma Igreja incapaz de admitir que se engana e peca.
Ademais, como
membros da Igreja, experimentamos com freqüência e dor os seus limites. Basta
olhar para nossas comunidades eclesiais e perceber os pecados que ali são
cometidos: dominação dos mais ilustrados sobre as pessoas mais simples;
indiferença e competição entre lideranças e comunidades; defesa do legalismo
estrito nas questões pastorais; fechamento às necessidades e lutas dos
oprimidos e marginalizados; silêncio diante das injustiças e opressões externas
e internas; etc.
A Igreja é
chamada à santidade, e essa sua vocação é irreversível. Sua santidade é dom de
Deus, ação que o Espírito suscita e sustenta na medida em que a Igreja deixa de
se apoiar no poder do dinheiro, da política e da mentira. E o pecado da Igreja
pecado é tudo aquilo o que a comunidade eclesial ou seus representantes fazem
ou deixam de fazer por dar as costas a Jesus, ignorar seu mandamento, agir
guiada pelo medo ou pelos interesses corporativos.
Todos
queremos uma Igreja mais santa e menos pecadora, mais inspirada em Jesus Cristo
e menos definida segundo os esquemas e vícios das sociedades. Mas o caminho
para a santidade começa com o reconhecimento das culpas e o pedido de perdão.
"Converta-se e acredite no Evangelho", é o apelo dirigido também à
Igreja. "Tende piedade, tende piedade, tende piedade de nós, ó Senhor!
Tende piedade, tende piedade, vosso povo é santo, mas também é pecador!"
Itacir
Brassiani msf
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