Certamente
José conhecia Maria e se havia encontrado muitas vezes com ela nas poucas ruas
de Nazaré, na praça ou no mercado público, à beira dos poços, à sombra das
figueiras. Podemos imaginar que a atração de um pelo outro se desenvolveu ao longo
tempo. Ele, um homem justo, e ela,
uma jovem cheia de graça. Dois jovens
envolvidos por um mistério de profundidade sobre o qual pouco sabiam. Sentiam a
mesma presença, o mesmo profundo desejo, o mesmo apelo, a mesma força.
Como o
seu homônimo do Egito, podemos imaginar que “José tinha um belo porte e era
bonito de rosto” (Gn 39,6). Aquela que era cheia de graça certamente não
escolheria um namorado desprovido de beleza. O apreço dos amigos e a admiração
dos aprendizes reconheciam a doçura e a humildade que conferiam a José uma
discreta grandeza, uma secreta mejestade. Deus deu um jeito de aproximá-lo de
Maria. E quando um olhou o outro, o rosto de ambos brilhou, como se fossem duas
faces de um mesmo ostensório.
Com o
casamento já previsto, José se empenhou em cortar e aplainar madeira e montar
móveis, coisa que sabia e gostava de
fazer. E Maria subiu apressadamente a montanha para ajudar sua prima Isabel nos
últimos dias de uma misteriosa gravidez. Ambos, de diferentes modos, realizavam
discretamente a vontade de Deus. E pouco a pouco pressentiram e descobriram, não
sem espanto, que Deus havia decidido fazer-se humana carne, e para isso
precisava do empenho de Maria e da colaboração de José.
Mas essa
descoberta ameaçava desmantelar o amor que se fazia aliança conjugal entre José
e Maria. O menino que nasceria fora do amor carnal parece separá-los, pois
prescinde de José. Maria sabe, e seu amado acabará sabendo também, que José não
seria seu pai. Diante disso, que sentido teria a união matrimonial que estava
para se realizar? Depois de esvaziada por Deus, esta relação não seria, cedo ou
tarde, criticada e refutada pelos homens? Como José poderia compreender isso, e
o que poderia fazer? Como ajustaria sua alma a algo que parecia um absurdo?
Maria havia
dito ao mensageiro de Deus que seu estado era absolutamente incompatível com o
chamado a ser mãe do filho de Deus (cf. Lc 1,34). Ela era prometida em casamento e o esperava. Na anunciação, o nome do seu
marido aparece antes que o seu, como que sublinhando esta sua condição. Na imaginação
de Maria, o modo normal pelo qual o anúncio se realizaria seria a plena
conjugalidade com José. “Como
acontecerá isso, já que eu não convivo com um homem?” (Lc 1,34). O anjo começa
reconhecendo respeitosamente a legitimidade da objeção de Maria, mas lhe propõe
outro caminho, misteriosamente expresso como ‘poder do Altíssimo’. Estas
palavras, que para nós são muito confusas, deram a Maria uma grande serenidade.
Mas isso não tira ao anúncio seu caráter paradoxal e espantoso.
Uma
concepção virginal era e é algo espantoso, uma realidade diante da qual não
podemos passar ao largo e cuja compreensão podemos dar por descontada. E devemos
começar recordando que a virgindade consagrada era desconhecida entre as
mulheres e muito rara entre os homens
judeus. E isso não por falta de amor e de fé, mas exatamente por causa da
adesão pessoal à vontade de Deus. Considerar a virgindade consagrada de Maria
como sinal e fruto da sua união imaculada com Deus é uma leitura estranha tanto
a Maria como aos evangelistas. Ela diz que Deus fez grandes coisas nela ao torná-la
mãe, e não por conservá-la virgem! Deus pediu e concedeu a ela a virgindade e
não a fecundidade!
E como
fica José em tudo isso? O nascimento do Messias não pode ter prescindido da sua
união conjugal com Maria; antes, participiou profundamente dela. A encarnação
do Filho de Deus tem uma clara dimensão conjugal! O casamento entre Maria e José
não foi um simulacro! Como consequência do matrimônio, Maria pertencia
inteiramente a José, e José pertencia plenamente a Maria. E, em coerência com o
pensamento e a ação de Deus assim como era vista no judaísmo, devemos levar a
sério que José desejava ardentemente um matrimônio fecundo. E isso de fato
aconteceu, mas através de uma espécie de esvaziamento e despojamento da sua
paternidade (como Abraão em relação a Isaque!).
O dom que
Maria ofereceu a Deus não é propriamente seu corpo virgem, mas o corpo de José,
que lhe pertencia por direito matrimonial. O corpo de Maria não pertencia a si
mesma mas a José, de modo que ela não poderia oferecer a Deus aquilo que não
era seu. E a recompensa ou bênção que ela recebe de Deus é pela oferta do corpo
de José! O milagre é que o filho que foi gerado nesta oferenda será herdeiro
das promessas feitas a Davi, e seu pai legítimo será José, descendente de Davi
e esposo de Maria. José é aquele que, por sua conjugalidade com Maria, garante
a ligação de Jesus com as promessas messiânicas.
A
pergunta que Maria dirige ao anjo sobre ‘como
acontecerá isso?’ não está relacionada a si mesma e à sua condição virginal,
mas relacionada a José, à sua natural e legítima participação na sua
fecundidade. Ou melhor: Maria não interroga ao anjo sobre o conteúdo do mistério
anunciado (sobre aquele que vai nascer, que será o Messias, ou sobre seu pai,
que será José) mas sobre o específico comportamento conjugal que Deus espera de
José: como ele deverá cooperar neste projeto, mantendo-se, ao mesmo tempo, fiel
às promessas matrimoniais?
E é
exatamente a esta questão que o anjo responde. É somente mediante o abandono ao
‘poder do Altíssimo’ que esta gravidez acontecerá. E é para ilustrar isso que o
anjo acena à fecundidade conhecida por Isabel e Zacarias: o mesmo poder do
Altíssimo operou, de forma ainda incompleta e imperfeita mas não menos
precursora, neste casal prefigurativo. É diante desta referência que Maria
acolhe o convite: “Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38). E será ainda
no ventre de sua mãe que o precursor confirmará a Maria a verdade do anúncio, o
que a fará exultar de alegria no Senhor.
Itacir Brassiani msf
(Tradução resumida do
livro Joseph, le géant du silence, de François Bourguignon. Edit. Parole
et Silence, Paris, 2011, p. 29-48)
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