Jesus
nos dá vida, da sua vida, a própria vida!
(Is 50,4-7; Sl 21/22; Fil 2,6-11; Lc
19,28-40; Lc 22,14-23,56)
Depois de 40 dias de preparação, eis que se abrem as
portas para nós de uma semana que vale uma vida. Com ramos e flores, faixas e
bandeiras, cânticos e palavras de ordem, reunimo-nos nas ruas e templos para
aclamar nosso líder manso e humilde. “Bendito aquele que vem em nome do Senhor!”
Só alguém infinitamente grande é capaz de
fazer-se tão pequeno e próximo. Na celebração que abre a Semana-Santa somos
convidados/as acompanhar Jesus no seu caminho de fidelidade, de oferta generosa
da sua vida e bebendo o cálice num só golpe e realizando plenamente a vontade
do Pai. Deus se recusa a dar uma esmola à humanidade: ele se dà a si mesmo e, no seu jovem corpo e sangue, assina uma
parceria com prazo indeterminado. Como ensinou seu discípulo Dom Oscar
Romero (+24.03.1980), para que todos tenhamos vida, ele nos dá da sua vida e,
finalmente, sua própria vida.
“Aparecendo
como qualquer homem...”
Para entender o relato da entrada de Jesus em
Jerusalém temos que abandonar todas as fantasias de poder e de sucesso. Ele não
tem nada de triunfal. Jesus vem da Galiléia e entra na capital do seu país, economicamente
e politicamente dominado por Roma, montado num jumento. Nada de cortejos de
honra nem de generais e cavalos vistosos e gestos de cortesia a grandes
senhores. Como diz o hino de Paulo, Jesus chega a Jerusalém como sempre foi: um
servidor, um simples homem esvaziado de interesses egoístas e radicalmente
obediente às necessidades dos outros.
Depois de uma longa caminhada o jovem profeta galilei chega
à capital do seu país, caminhando à frente de um numeroso, entusiasmado e, às
vezes, desconcertado grupo de discípulos e discípulas. O povo do campo o aclama
como filho e herdeiro de Davi. “Bendito o Rei que vem em nome do Senhor!” Era
um coro de pessoas que, como o velho Simeão, sabiam reconhecer naquele indignado
e revolucionário Aquele que vem em nome
de Deus e atualiza sua ação libertadora. Mas isso contrasta com a fria
acolhida por parte do povo de Jerusalém e com o medo indisferçável dos próprios
discípulos.
O grupo que acolhe e acompanha Jesus na entrada nada
triunfal em Jerusalém saúda o despontar
do reino messiânico inspirado em Davi e a chegada do líder enviado por
Deus. Ele, porém, não realiza as ações impressionantes que muitos esperavam. Chegando
perto da capital amada e cantada em prosa e verso, Jesus a contempla de longe e chora, lamentando o fechamento à
profecia e o apego às leis e demais instituições. Ele é o servo paciente e o
ouvinte atento da Palavra do qual fala Isaías. E é dessa escuta que brota uma
palavra que desperta os adormecidos e encoraja os acorrentados pelo medo.
“Orei
por ti, para que tua fé não desfaleça...”
Mais uma vez, frente ao caminho seguido por Jesus
Cristo, não é possível alimentar os mitos de sucesso fácil e irresponsável que
costumamos projetar nele. Não nos deixemos impresionar pela acolhida que ele
teve ao entrar em Jerusalém. O evangelista
sublinha a escolha da montaria! A entrada de Jesus montado num jumento é
uma poderosa sátira aos libertadores
militares, conhecidos no passado, temidos no presente ou esperados para o
futuro. Dizendo que o Senhor precisa do jumento, o Evangelho lembra que Jesus precisa de cada um de nós para cumprir
sua missão.
Ademais, o entusiasmo suscitado naquele pequeno grupo
de gente que vinha do interior não durará muito tempo. Os gritos de ‘hosana’ –
Deus salva agora! – logo serão substituídos pelo insolente ‘crucifica-o’, fruto da frustração do povo e
da manipulação interesseira das autoridades. O grupo mais exaltado dos
discípulos solta a voz e o proclama o Messias esperado, mas Jesus faz questão de demonstrar seu
messianismo pobre e manso e entra montado muito a gosto num jumento. Nesta
condição, parece até aceitar a aclamação, tanto que reage diante daqueles que
queriam calar a boca dos discípulos. “Se eles se calarem, as pedras gritarão!”
“Levantai-vos
e orai, para não cairdes em tentação.”
A divisão entre os próprios discípulos e a
possibilidade concreta de traição não fazem Jesus mudar de plano. É verdade que
ele se sente abatido e chega a se perguntar
sobre o rumo a seguir. No momento crucial, depois da festa de acolhida e da
ceia de despedida, enfrenta um discernimento difícil. Pede aos discípulos que
fiquem com ele e vigiem. “Pai, se quiseres, afasta de mim este cálice... ” Esta
experiência crucial fica como um alerta para os discípulos e discípulas que
sonham com sucesso e facilidades.
A oração é para Jesus um exercício de confronto profundo com a vontade do Pai,
com a missão escrita em caracteres confusos e exigentes. Para os/as discípulos/as
de todos os tempos a oração continua sendo um
espaço para discernir com retidão e coerência os caminhos que levam à vida em abundância. Muitas vezes temos a impressão de que é mais cômodo deixar
a oração de lado e seguir o róseo caminho do menor esforço, do “cada um para si
e Deus para todos”. “Vigiem e rezem para não caírem em tentação.” E quais são
as tentações que nos rondam no tempo que se chama hoje?
Pilatos cinicamente escolhe o caminho mais fácil de
lavar as mãos, de fazer a vontade da maioria e assim receber o apoio popular que
faltava ao seu poder despótico. É o fácil caminho da indiferença diante da dor
dos outros, da rápida incriminação dos lutadores, da alegre bajulação dos
poderosos de plantão, da arrogante pretensão de ser o único artífice do próprio
bem-estar. Ele não se dá ao tempo e ao trabalho de analisar a vida do jovem que
é acusado diante dele. É preciso vigiar para não cair em tentação...
“Realmente!
Este homem era um justo.”
Aquele que o povo simples havia saudado na entrada da
cidade como quem vinha e agia em nome de Deus permanece fiel e acaba preso, abandonado pelos próprios discípulos,
condenado e pregado na cruz. Como sabemos, a cruz era considerado um lugar
absolutamente vazio da presença Deus, a negação mais absoluta da realeza ou de
qualquer forma de liderança, sinônimo de horror, de fracasso, de culpa, de
impotência, de abandono. O último degrau de uma longa escada de negação e exclusão.
“Salva-te a si mesmo se, de fato, é o Cristo de Deus, o Eleito”, provocavam
muitos, entendendo que a divindade se mostra no poder, no cuidar de si mesmo,
no salvar a própria pele.
Tanto para os judeus como para os romanos, a crucifixão
representava a completa negação do ser humano, o redundante fracasso da
peretensão de liderança, a absoluta ausência de Deus, a mais radical falta de sentido.
O próprio Jesus parece mergulhar neste escuro
turbilhão. “Já era mais ou menos meio-dia, e uma escuridão cobriu toda a
terra, pois o sol parou de brilhar.” Mmas acaba vislumbrando a suprema
consolação na radicalização do dom de si mesmo: “O véu do Santuário rasgou-se
pelo meio, e Jesus deu um forte grito: ‘Pai, em tuas mãos entrego o meu
espírito.”
É da boca de um soldado pagão vem a palavra que faz
brilhar uma pequena luz na escuridão que fazia em plena tarde. “De fato, esse
homem era mesmo o Filho de Deus.” O que viu aquele soldado pagão que os outros
não viram? Viu o mesmo que Simeão reconhecera 30 anos antes: que Deus se revela na pequenez e na
fidelidade daqueles que morrem defendendo a vida. Naquele homem esvaziado,
anulado e descartado, mas, ao mesmo tempo, absolutamente
fiel ao seu amor pelos últimos e senhor de si mesmo, o soldado viu a exaltação da humanidade e o brilho da
glória de Deus, diante da qual todo corpo se inclina e todo poder despótico
treme.
“Anunciarei
teu nome aos meus irmãos...”
Aclamemos com jovial alegria e convincente esperança o
mestre e profeta Jesus de Nazaré. Acompanhemos de perto seus passos, acolhamos
seus gestos, escutemos suas palavras. Superemos a tentação de segui-lo de longe
e evitar maiores riscos, como fizeram Pedro e os outros. Não esqueçamos que
tantos discípulos e discípulas pelos séculos a fora permaneceram com ele, comungaram
seu destino e se tornaram semente. Entre estes está o nosso querido e incompreendido Dom Oscar Romero, cujo martírio recordamos exatamente neste domingo
e cuja santidade o povo já reconheceu.
Jesus de Nazaré,
filho e herdeiro de Davi, messias jovem, servidor e humilde: diante de ti
dobrampos os joelhos e estendemos nossas vestes e ramos. Te oferecemos nosso
corpo para que entres hoje em nossas praças e cidades, para anunciar com timbre
de sino a dignidade daqueles/as que não a têm reconhecida e assegurada. Não
deixes que a aclamação que te damos na liturgia seja negada na pela nossa
concreta. Ensina-nos de novo a sagrada lição da Ceia e da Paixão: que não
existe maior prova de amor que doar a vida por quem amamos. E dai-nos a graça
da vigilância e da perseverança. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf
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