Seguir Jesus é acreditar no mistério da vida escondida na semente.
Neste domingo, a
Igreja propõe à nossa reflexão mais uma parte da exortação missionária que
Jesus apresenta aos seus discípulos no décimo capítulo do Evangelho segundo
Mateus. Nestes versículos, Jesus questiona nossos vínculos e lealdades com
instituições autoritárias e caducas, nossos secretos sonhos de dar a volta por
fora ou por cima para salvar a própria pele, e a nossa tentação de tratar a
profecia como se fosse coisa de museu. Jesus nos propõe um caminho paradoxal: é
quando perdemos que realmente a ganhamos.
Para bem entender a
mensagem clara e contundente do Evangelho de hoje, não podemos esquecer que o
trecho do Evangelho que é parte da segunda ou catequese formativa que Jesus
oferece aos discípulos, conforme a estruturação oferecida por Mateus. Como sabemos, a primeira etapa deste breve
curso de formação é conhecida como sermão da montanha (capítulos 5-7) e o seguinte
apresenta as parábolas do Reino (capítulo 13). Cada uma dessas catequeses é
precedida pela narração de ações libertadoras de Jesus.
Nos versículos que
precedem o texto de hoje, Jesus recomenda que seus discípulos/as missionários/as
deem prioridade às ovelhas perdidas (pessoas em situação de risco), anunciem a
proximidade do Reino de Deus, curem doentes (resgatem sua plena cidadania),
atuem publicamente e gratuitamente, sejam simples e prudentes, e não se
preocupem com a própria defesa. Lembra também que a missão pode causar divisão
até no seio da própria família, e que a violência não tem forças para inibir ou
extinguir o dinamismo do Reino.
A lealdade dos/as
discípulos/as missionários/as de Jesus Cristo não pode ser senão com a urgente
e permanente missão de testemunhar sua humana pessoa e construir o Reino de
Deus. A única obediência ou submissão que os cristãos realmente devem é a Jesus
Cristo, o mestre missionário do Pai. Tudo o mais, inclusive a obediência às
autoridades eclesiásticas, está subordinada a esta lealdade incondicional. A
obediência às autoridades religiosas está condicionada ao anúncio e à
construção do Reino de Deus.
É disso que trata a
primeira parte do evangelho que nos é proposto para hoje. Jesus relativiza de
forma clara e contundente a lealdade ou obediência aos pais, uma das principais
instituições do mundo judaico. E continua, desabsolutizando a dedicação aos
filhos e filhas como único imperativo irrevogável. Jesus sabe que a família,
especialmente no seu modelo patriarcal, também é atravessada por contradições e
ambiguidades. A luz do Reino de Deus, que brilha na prática de Jesus, não faz mais
que evidenciar as divisões que existem.
Quem não subordina a
fidelidade aos pais e a dedicação aos filhos/as à adesão a Jesus Cristo e à
novidade do Reino de Deus não pode ser reconhecido/a como seu discípulo/a. A
veracidade e a dignidade dos discípulos/as missionários/as se mostra na atitude
de assumir a cruz e seguir os passos de Jesus. E isso significa assumir um
projeto de vida alternativa e solidária que deve contar com a humilhação, a
rejeição, a vergonha e a condenação social, e não a via do aplauso e do sucesso
às custas da verdade.
Pegar a cruz e seguir
Jesus significa escolher um estilo de vida à margem do poder e do sucesso, uma
vida de proximidade e solidariedade com as pessoas e grupos sociais mais
vulneráveis, arriscando nisso a própria vida. Como não lembrar aqui o eloquente
testemunho dos/as missionários/as que se embrenham no misterioso continente
africano, ousando reaprender a fé, enfrentando malárias que se contam às
dezenas por ano, arriscando a saúde e a vida? Neste horizonte, o Evangelho nos
diz que são os mártires revelam a pessoa humana e o missionário autêntico. “Quem
perder a sua vida por causa de mim, a encontrará.”
A vida merece este
nome quando cria condições favoráveis para que as diferentes forma de vida se
desenvolvam de forma adequada e plena. É nesta perspectiva que podemos
compreender o profundo sentido de uma vida ‘perdida’ para promover e sustentar
a vida de outros. Não tem medo do confronto,
nem se se cala diante de ameaças. Temos consciência da nossa pequenez e das
nossas contradições, mas cremos que Jesus Cristo pode falar mediante nossas
palavras e agir mediante as nossas ações.
Deus, amor fiel e incondicional do qual nascemos e ao
qual queremos ser fiéis, dá-nos força e coragem para romper com as velhas e
estéreis lealdades, com sonhos egoístas e mortais. Ilumina nossa mente e move
nossas mãos para que possamos compreender as consequências do seguimento do teu
Filho e multiplicar iniciativas que promovam a vida em suas diversas expressões,
especialmente em favor das pessoas mais vulneráveis. E que nossa vida seja
enraizada em Cristo e iluminada pelo sonho dele. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
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