“Tenham medo somente do medo de quem mente pra sobreviver!”
Testemunhar Jesus
Cristo com coragem profética é muito mais do que simplesmente tornar seu nome
conhecido no mundo. A missão dos cristãos, inerente à fé em Jesus Cristo e
consequência do encontro com ele e seu Evangelho, consiste em dar continuidade
à sua dupla paixão: paixão pelo reino do Pai e paixão pelo povo que ele ama. E
isso significa, entre outras coisas suscitar, prosseguir e alimentar as
práticas e os movimentos que resgatam a vida das pessoas e grupos oprimidos e
questionam as práticas de dominação e de exclusão. A profecia é também e sempre
uma ação comunitária e transformadora.
É natural que todos
sintamos um certo medo diante das ameaças e tristeza frente às mentiras e
calúnias, ou ameaças que recebemos por causa de um engajamento que brota da
intimidade com Deus e do amor pelo seu povo. Os próprios discípulos e
discípulas da primeira hora provaram o medo, e não é por acaso que, no
evangelho deste domingo, Jesus pede três vezes que não tenham medo. Quem não se
vê representado no desabafo de Jeremias, que chega a amaldiçoar o dia em que
nasceu?
O problema surge
quando o medo – que geralmente vem de mãos dadas com o desejo de uma vida longa
e tranquila, e com a aparente tranquilidade de quem não quer deixar sua cômoda
zona de conforto – coloca viseiras nos olhos, mordaças na boca e correntes nas
mãos, ou quando se cala a voz profecia e esteriliza a força da fé. E isso
começa com o simples medo de pensar e de viver de modo diferente das pessoas do
nosso círculo de amigos e de família, e termina no medo de desagradar as
autoridades políticas ou eclesiásticas. E chega às alianças e conchavos que, em
nome de ajuda financeira e publicitária, defendem o indefensável.
A fé é o oposto do medo,
e não apenas o contrário da descrença! Quem age movido pelo medo faz de tudo
para encontrar uma segurança que, para nós cristãos, é dada gratuitamente por
Deus, e só por ele, àqueles que se entregam de corpo e alma ao seu Evangelho. É
esta segurança que faz com que os profetas e profetizas sejam firmes como
pessoas que enxergam o invisível. Eles/as sabem em quem acreditam, em quem
depositam a confiança. Sabem que é perdendo a vida que podem conservá-la viva para
sempre. Aquele que as chamou é fiel! O Pe. Zezinho canta: “Tenham medo somente
do medo de quem mente pra sobreviver!”
Jesus nos ensina a
desenvolver esta confiança radical chamando a atenção para os pardais e para os
cabelos. Se Deus cuida até dos pardais, para que não caiam no alçapão, e dos cabelos,
para que não caiam no chão, quanto mais daqueles que ama, chama e envia! “Vocês
valem mais do que muitos pardais! Até os vossos cabelos estão contados!” Deus
toma conta da vida dos seus filhos e filhas chamados à profecia porque é pai
terno e bondoso, sempre e já no presente de suas criaturas. Então, porque calar
a voz da profecia, a voz que nos queima desde dentro?
Mais que consolação
intimista, a experiência do coração materno de um Deus, que se supera nas
delicadezas pelos frutos do seu ventre, é luz que afugenta o medo e força que
sustenta a profecia. Podemos dizer, com São Paulo, que muito mais forte que as
privações e a morte, e muito mais abundante que nossos pecados, é a graça que
Deus derramou em nós. A graça de Jesus Cristo não tem qualquer comparação com
nossos limites e pecados, ou com as dificuldades da missão! E ainda temos a
promessa de que o próprio Jesus será testemunha de defesa daqueles que dele dão
testemunho neste mundo!
Afinal, como nos
ensina Paulo, a fé que nos alimenta e sustenta a profecia brota de uma
experiência de ser reconciliado e regenerado por Deus em Jesus Cristo. Vivemos
em paz com Deus, e nossa condição é marcada pelo sinal da Vida. O mal e a morte,
com suas estruturas e seus servidores, não nos amedrontam nem dominam. Cristo venceu as forças destruidoras e
desagregadoras e nos resgatou para a liberdade. Confiados naquele que “cuida de
cada cabelo que vamos perdendo sem mesmo notar”, os profetas e profetizas não
se deixam amordaçar pelo medo e proclamam com a própria vida que é para a liberdade
que Cristo nos libertou.
Jesus de Nazaré, destemido profeta da Galileia: envia
testemunhas autênticas da liberdade e da solidariedade. Suscita profetas e
profetizas que se alimentem da tua Palavra; que anunciem com palavras e ações a
verdade sobre a dignidade de todas e de cada criatura; que denunciem as
estruturas que excluem, mesmo aquelas que se apresentam em meio a luzes
coloridas e fumaça de incenso; que renunciem às ações contaminadas pelo
espetáculo, pela indiferença, pela violência e pelo medo; que prenunciem, em
seu modo de viver, um mundo em cuja mesa haja lugar para todas as criaturas.
Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf
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