Prá não esquecer a tragédia
de Lampedusa
O grupo
dos promotores de Justiça, Paz e
Intregridade da Criação (JPIC), ligado às Uniões dos Superiores Gerais, promove,
na última sexta-feira de dada mês, um encontro de oração em torno de uma
situação concreta de violação da justiça, da paz e da integridade da criação.
Estes encontros são realizados na igreja São Marcelo, no centro de Roma.
Ontem o
encontro fez memória e clamor do trágico destino dos migrantes que tentam
entrar na Europa, recordando especialmente o terrível naufrágio que vitimou 400
dos mais de 500 refugiados provindos da Eritréia e da Somália, no último 3 de
outubro. A igreja estava lotada, especialmente de religiosas, mas o número era
dezenas de vezes menor que multidão de religiosos/as que dominicalmente vai à
Praça de São Pedro participar da oração do Angelus...
Como
sabemos, uma frágil embarcação, manobrada por aproveitadores e criminosos que
exploram o desespero humano, transportava mais de 500 homens, mulheres e
crianças, migrantes desesperados que fizeram uma viagem de mais de 4.000
quilômetros, fugindo da guerra na Somália ou da opressão na Eritréia. Mas os
números desta tragédia não são novidade, pois fatos como este se repetem todos
os dias e não recebem mais que algumas linhas nos jornais.
Faz tempo
que a Europa fechou suas portas aos imigrantes “ilegais”. E continua dizendo
claramente que eles não são bem vistos nem bem vindos. Recusando os pedidos de
visto na origem, os governos fizeram uma espécie de acordo informal com os
estados do Norte de África: a estes compete fazer o trabalho sujo, fazendo de
tudo para que os navios não cheguem às costas da Europa. Assim, milhares de africanos
subsaarianos giram sem rumo pelas cidades costeiras de países como Marrocos e
Argélia, depois de terem percorrido milhares de quilômetros, perdido as raízes
e gasto tudo...
A União
Européia investe milhões de euros num dispositivo quase militar para vigiar
suas fronteiras e evitar o que chama de “invasão de migrantes”. Através da
agência Frontex, a Europa intercepta os migrantes nas fronteiras terrestres ou
marítimas e os devolve aos países de origem por via aérea. E parece pouco se
importar com os direitos humanos, como o direito de asilo, a um tratamento
digno e à integridade física. Tudo ocorre como se os imigrantes pertencessem a
uma classe inferior de cidadãos...
Depois de
terem arriscado a vida numa travessia incerta, os imigrantes que conseguem
chegar às fronteiras européias acabam detidos por meses e meses por causa de
problemas burocráticos, sem direitos essenciais, como, por exemplo, assistência
sanitária. São publicamente difamados e acusados de roubar o trabalho dos
cidadãos europeus e de ameçar seus bons hábitos. Na Grécia, na Holanda e na Noruega
existem partidos políticos que se opõem de forma aberta e violenta aos
imigrantes. Tudo isso, dizem, para proteger o estado de bem-estar, como se o
bem-estar de alguns devesse ser pago pelos outros...
Estas
multidões, “indecisoes cordões” vivem à beira do desespero, pois arriscaram e perderam
tudo. Se houvesse a possibilidade de pedir asilo político nos países de destino
nas embaixadas de um terceiro país, os imigrantes não seriam forçados a longas
e perigosas viagens, diminuiria o risco de caírem nas mãos de grupos mafiosos e
se evitaria a necessidade de chegarem via marítima a um lugar que garanta
proteção internacional.
A
desgraça de Lampedusa (03.10.2013) provocou uma inesperada e estranha explosão
de demonstrações de luto por parte da comunidade internacional e dos governos
de vários países europeus. Entretanto os países membros da União Européia
mantém com outros países acordos sobre a migração que contradizem as
condolências expressas publicamente. Não é uma questão de impotência ou falta
de recursos, mas de cinismo e de prepotência.
Este
cinismo chegou ao grau máximo quando o governo italiano anunciou que todas as
vítimas fatais do naufrágio do dia 3 de outubro obteriam a cidadania italiana.
Mas no mesmo dia, o Ministério Público de Agrigento (Sicília), acusava os 144
sobreviventes de terem cometido crime de imigração clandestina, que pode ser
punido com multa de até cinco mil euros e expulsão do território italiano... Imigrante
bom é imigrante morto?
Itacir Brassiani msf
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