Estamos realizando nosso XIII Capítulo Geral. Na manhã do fia 7 de outubro, esteve conosco o Pe. Giulio Albanese, missionário e jornalista comboniano. Ele nos ajudou a refletir sobre a necessidade de ler os sinais dos tempos. Segundo este jornalista missionário italiano, é impossível pensar e projetar a missão hoje sem uma atenta e responsável leitura do tempo e do mundo que vivemos. O presente texto é a ultima parte desta reflexão.
A afirmação da sociedade civil
A afirmação da sociedade civil
Um dos sinais dos tempos que que acredito deva ser
mencionado, e que frequentemente é desprezado pela pastoral ordinária, é a constante
e crescente afirmação da sociedade civil. Trata-se de uma realidade
transversal que envolve o conjunto das nações: associações, grupos, movimentos,
organizações compostas de homens e mulheres de boa vontade que encontram no
engajamento, sobretudo voluntário, um modo de responder aos desafios de uma
sociedade na qual a política é uma grave preocupação. O espírito de cidadania e
desejo de participação no bem comum evidenciam, antropologicamente falando, um
profundo desejo de resgate diante do fim das ideologias, que a Igreja não pode
subvalorizar.
Portando, se quisermos extrair qualquer coisa de útil e fecundo dessa
tendência, devemos colocar a valorização
dos leigos e leigas como prioridade da agenda pastoral, contra a tentação
sempre presente do clericalismo que, a longo prazo, leva à desvalorização da
fé, pois a faz algo vazio de qualquer experiência. E é preciso lembrar, neste
sentido, que a angústia da nossa verdade que administramos como pastores tira
dos leigos não apenas os meios para identificar os desafios dos tempos
modernos, que eles acabam tendo que enfrentar sozinhos, mas também a
possibilidade de se aproximarem da vida de fé para valorizar a própria existência.
Partindo do pressuposto de que a comunidade eclesial é um dom de Deus,
um bem da Igreja para a Igreja e ao mesmo tempo para a sociedade, seria
desejável que, à luz do que acontece nos nossos dias, a comunidade seja um
dinamismo de comunhão, colaboração e
corresponsabilidade, três momentos estreitamente ligados entre si, porque a
comunhão leva à colaboração e esta implica uma autêntica corresponsabilidade.
As minhas considerações partem exatamente destas premissas. Ao conceito christifideles o Concílio Vaticano II
dedicou grande atenção, retomando a inspiração original da Igreja, recusando os
longos e nebulosos séculos nos quais o laicato se tornou secundário na vida
eclesial. Não era assim nos primeiros tempos do cristianismo. Basta pensar nos
vários colaboradores leigos de São Paulo, como o casal Áquila e Priscila, como
lemos nos Atos dos Apóstolos. A partir do Vaticano II tentou-se devolver ao
laicato seu papel específico. O primeiro documento conciliar a fazer referência
a isso é a Lumen Gentium, o qual,
antes de falar sobre o Papa e os Bispos, afirma a centralidade da comunhão,
utilizando a metáfora “Povo de Deus”.
O Concílio sublinha que fazem parte da Igreja, em virtude do princípio
de igualdade e de diversidade, todos os batizados, com a mesma dignidade e as mesmas características. Dentro deste único povo são desenvolvidas
diversas responsabilidades, papéis, ministérios. Mas o dado originário é a
igualdade, o fato de fazer parte da comunidade cristã com a mesma
dignidade, segundo a vontade de Cristo.
Eis a definição de leigos, compreendidos como fiéis que, “depois de
serem incorporados a Cristo pelo batismo e constituídos Povo de Deus e, a seu
modo, feitos participantes do ofício sacerdotal, profético e real de Cristo,
por sua parte realizam na Igreja e no mundo a missão própria de todo o povo
cristão”.
Mas, para entrar melhor na compreensão de quem são e o que fazem os leigos e leigas, examinemos a exortação Christifideles Laici, de João Paulo II. Como é do seu estilo, o Papa usa um ícone
bíblico como fio condutor do documento; “Os leigos na Igreja são como aqueles
chamados a trabalhar na vinha na última hora”. Os Evangelhos, falam da vinha em
dois outros momentos: quando aqueles que haviam sido encarregados de cultivá-la
se apropriaram dela sem respeitar o patrão e o seu filho, e quando Jesus usa a
imagem da vinha dizendo: “Eu sou a videira e vós sois os ramos; se não
permanecerdes unidos a mim, não dareis fruto”. A imagem da vinha aparece também
no Antigo Testamento. Citemos apenas Isaías: “Este povo é como uma vinha
cultivada por Deus. Ele vem buscar os frutos, e em vez de encontrar uva...”
Trata-se de uma advertência ao povo que constituía a vinha que Deus cuidava e
cultivava e que o desiludia quando se tratava de produzir frutos.
Retomando o discurso inicial do confronto com a vinha, devemos
considerar que os trabalhadores são convocados em todas as horas do dia e em
todas as situações, como homem e como mulher, como pessoa sadia ou doente.
Nesta perspectiva, o que caracteriza os
fiéis leigos é a índole secular, o viver na realidade do mundo. A
característica dos leigos e leigas é serem chamados à plenitude da santidade
atuando dentro da realidade do mundo, como a sociedade, o trabalho, a política,
a economia, o esporte, a imprensa, ou seja: em tudo aquilo que compreende a
vida de uma pessoa. Todos são chamados a se tornarem santos, mas, para chegarem
a esta meta, os leigos não precisam entrar num convento ou viver isolados num
eremitério. Ao contrário, devem sujar as mãos pela causa do Reino, na vinha do
Senhor. A fé cristã, encarnada na história dos homens, não evita os desafios,
nem aqueles da modernidade. Não desvia das crises nem se refugia no cume dos
montes para sentir-se segura. A fé cristã tem força em si mesma, em razão da
sua singularidade: a força do Espírito que pode mudar a história.
Certamente, em relação ao período pré-conciliar, a Igreja não é mais marcada prevalentemente pelos aspectos visíveis,
organizativos e institucionais. Mas é também verdade que, por ser ainda
hoje marcada por muitos condicionamentos morais e temporais, a Igreja não
consegue sempre expressar e realizar historicamente aquele mistério de salvação
e de fé que deveria ser a sua dimensão constitutiva, a fonte inspiradora da sua
missão.
Do Concílio Vaticano II, como dissemos, nos veio uma nova concepção de
Igreja como Povo de Deus, realidade posta em evidência e com anterioridade à Igreja
hierárquica. João Paulo II foi o primeiro Papa que se empenhou para moderar os
excessos de clericalismo reinante e, ao mesmo tempo, sustentar abertamente a
valorização do laicato. Assim, da realidade profunda do catolicismo emergiram
novos carismas e novos protagonistas: os jovens, os movimentos, e
especialmente, as mulheres.
Pois bem, tudo isso aconteceu, mas podemos
dizer que, de fato, chegamos a uma Igreja que seja um conjunto virtuoso de
unidade e multiplicidade, de identidade e de diversidade? Certamente temos
deixado muito à margem o laicato, este verdadeiro tesouro que frequentemente
permanece escondido na grande massa. Mas é exatamente nos leigos e leigas que
encontramos a verdadeira fé vivida e praticada nas dobras da vida de cada dia,
aquela vida ordinária, normal, de quem se empenha, entre outras coisas, na
ajuda a quem tem mais necessidade, porque é esquecido, não apenas pela
sociedade, mas também pelo Estado.
Também esta é Igreja, mas certamente não
podemos dizer que os leigos, particularmente as mulheres, tenham chegado a uma
verdadeira corresponsabilidade. Ao contrário, devemos dizer que aqui há um certo desequlíbrio em relação às
expectativas conciliares. Não apenas elas não podem participar, ao menos no
nível da consulta, das decisões que são tomadas nas dioceses ou no desenho do
perfil do novo bispo que deverá ser nomeado; não são reconhecidas nem mesmo
naquela espiritualidade de comunhão propriamente laical que possibilita enfrentar
tantas contradições do mundo moderno. A sensação que se tem, portanto, é de que
estamos mantendo os leigos num estado se
não de minoridade, ao menos de dependência dos clérigos.
É necessário tomar consciência de que é decisivo, sobretudo para a Igreja
do futuro, contar com um povo. Uma geração de cristãos com uma fé mais pessoal,
mais consciente, que atribua um papel diferente à mulher. Um povo que seja
livre da “tutela clerical”, portador de criatividade nos diversos âmbitos da
vida, especialmente na política. Cristãos que sejam pessoas da esperança, da
liberdade, da tolerância e da paz.
E então, é ainda mais necessário ir
ao fundo das coisas e tentar ler o futuro que Deus reservou à sua Igreja e a todos os que crêem nele. Nos desejos
imprescrutáveis de Deus, poderíamos compreender como é que de um mal poderia
nos vir um grande bem. Anular
definitivamente as distâncias (que separam clero, religiosos e leigos) é
uma boa ocasião para se colocar numa escuta aberta e confiante de quem, em
razão do comum batismo, tem a mesma dignidade e responsabilidade.
Estas perspectivas sobre os sinais dos tempos, enquanto aproximações de
um futuro no qual creio, supõem que ainda
existam pessoas que se consagrem totalmente à missão evangelizadora da Igreja,
por causa do Reino de Deus. Neste sentido, o momento presente não nos
oferece muitas ilusões, não por desconfiança, mas porque a realidade está sob o
nariz de todos. Vemos que as vocações missionárias na Itália e no exterior
estão diminuindo, inclusive naquelas Igrejas que até agora as tinham em
abundância, enquanto que as vocações missionárias que nascem nas comunidades do
Sul do mundo ainda não conseguem substituí-las de modo a dar continuidade ao
passado.
Será este um dado de fato desencorajador, que nos faz cair os braços,
como se estivéssemos diante de uma tendência inevitável e irreparável? Ou seria esta uma indicação providencial que
Deus nos dá para renovamos evangelicamente a própria figura do missionário,
abrindo-a a todos aqueles – presbíteros, religiosos e religiosas, leigos e
leigas – que sentem necessidade de responder ao amor de Cristo? Precisamos
rezar e discernir, para poder realizar a sua vontade.
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