O escandaloso esbanjamento de eclesiásticos
Correu o
mundo a notícia de que o Vaticano afastou do exercício do ministério episcopal
o bispo Franz-Peter Tebartz-van da diocese de Limburg na Alemanha, por causa do
seu esbanjamento ao construir sua residência. O bispo teria gasto 31 milhões de
euros na construção de sua “modesta casinha” de pastor. Soma que convertida em
reais, segundo a cotação do euro no dia em que comecei a escrever este artigo,
seria igual a R$ 79.360.000,00.
A notícia
causou impacto na grande mídia (sempre à procura de fofocas) e nas pessoas mais
simples e honestas que ainda esperam dos ministros ordenados um testemunho de
simplicidade e de pobreza, a exemplo de Jesus que “não tinha onde reclinar a
cabeça” (Mt 8,20). Porém, para observadores atentos, o luxo, a ostentação e o
esbanjamento de muitos padres e bispos é uma constante. Se analisarmos
cuidadosamente o caso do Brasil, vamos ver que, nas devidas proporções, muitos
aqui não ficam longe do bispo alemão. A seguir alguns exemplos ilustrativos.
Há quase dez
anos, quando eu era professor de teologia no Instituto de Teologia de Ilhéus
(BA), visitei uma comunidade de periferia na cidade de Itabuna (BA). Lá me
deparei com o caso de um seminarista diácono, meu aluno, que estava para ser
ordenado presbítero. O seminarista havia exigido daquela comunidade pobre, como
presente de ordenação, uma casula no valor de três mil reais. Valor esse
exorbitante para a época e para as pessoas daquele bairro pobre de periferia...
Tempos atrás
um bispo auxiliar de uma grande arquidiocese, hoje arcebispo na região Sudeste
do nosso país, costumava exibir publicamente seus esbanjamentos. Entre esses
esbanjamentos estava o fato de que ele morava num condomínio de luxo da
capital, cuja taxa de condomínio naquela ocasião era de dois mil reais. Outro
bispo, de uma simples diocese do Centro-Oeste, esnobava nas reuniões da CNBB
que havia gasto trezentos mil reais apenas com a construção e decoração do
presbitério da nova catedral...
Uma
arquidiocese está para construir uma nova catedral, cujo orçamento ultrapassa
os cem milhões de reais. Recentemente o bispo de uma diocese do Nordeste
brasileiro, encravada no polígono da seca, decidiu construir um luxuoso
seminário para seus seminaristas, fora da própria diocese, onde os mesmos
estudam filosofia e teologia. Para pagar as dívidas da construção decretou que
cada paróquia deveria contribuir com determinada quantia. Passei na ocasião por
algumas dessas paróquias e pude perceber o sofrimento do povo que, além dos
problemas angustiantes provocados pela seca, tinha que se virar para arrecadar
a quantia exigida pelo bispo.
Falando
sinceramente, diante de todas essas extravagâncias praticadas num país pobre
como o nosso, os gastos do bispo alemão não passa de simples “fichinha”. O que
causa estranheza é o fato de que tudo isso aconteça após a realização do
Concílio Vaticano II, o qual pediu que os ministros da Igreja, especialmente os
bispos e padres, primassem pela simplicidade e pela pobreza, seguindo o exemplo
de Jesus (PO, 17). Causa mais surpresa ainda saber que os esbanjadores
eclesiásticos são ministros relativamente jovens, formados após o Vaticano II.
O bispo de Limburg, afastado pelo Vaticano, tem 53 anos. Isso revela que a
formação nos seminários e a formação permanente não estão conseguindo ajudar os
pastores a viverem segundo o modelo de Cristo Pastor.
No caso do
Brasil, as pesquisas apontam que a maioria absoluta dos seminaristas é
originária de famílias pobres da zona rural ou das periferias das grandes
cidades. No atual momento há uma prevalência de seminaristas provenientes das
periferias urbanas. E talvez aqui esteja o motivo da tendência ao esbanjamento,
ao luxo e à ostentação. Por serem oriundos de situações de extrema pobreza, os
candidatos tudo fazem para sair da situação de miséria. Isso é uma coisa até
certo ponto normal. Qualquer ser humano que tenha passado por uma situação de
privação, ao ter uma oportunidade de sair dela, fará isso normalmente. Os
seminaristas não são exceção à regra.
O que se
deve questionar é a incapacidade do processo formativo de educar esses
candidatos para uma vida simples e pobre. Os seminários e a formação permanente
deveriam ser capazes de contribuir para que o seminarista pobre permanecesse
pobre, mesmo depois de padre. Deveria ser capaz de ajudar o seminarista a
entender que antes ele era pobre porque o sistema social e econômico injusto o
impedia de ter o necessário para viver dignamente. Agora, como seminarista ou
como padre, ele será ou permanecerá pobre por opção vocacional: para seguir
Jesus Cristo pobre, o qual, ao assumir a condição humana se fez pobre para nos
enriquecer com a sua pobreza (2Cor 8,9). A formação deveria ser capaz de ajudar
o futuro ministro ordenado a não ter medo de permanecer pobre; de, por opção
vocacional, voltar a passar por situações de privação vividas anteriormente.
Mas não é
isso que vem acontecendo. A formação nos seminários aburguesa. Os seminaristas
recebem tudo de graça, não precisam trabalhar para se manter. Têm à disposição
deles casa, comida, roupa lavada, transporte, médico, remédio, estudos, livros
etc. Em muitos seminários os seminaristas nem sequer colaboram com a limpeza
dos pratos nos quais comem e da casa onde moram. São raros os seminários onde
isso acontece.
Conheço
seminários onde os seminaristas, depois do almoço, dormem a tarde toda e nem
sequer leem os textos indicados pelos seus professores. Isso aconteceu muitas
vezes com alunos meus. Eles não precisam se preocupar, pois há funcionários
pagos pela diocese para trabalhar para eles. Pagos por um povo de bobos e de
ingênuos, o qual ainda acredita piamente que ele tem obrigação de sustentar a
mordomia de certos seminaristas, padres e bispos. Enquanto isso, a dona Maria e
o seu José, funcionários do seminário, não conseguem tratar a saúde dos filhos
e, menos ainda, pagar uma faculdade para eles, pois o salário minguado que
recebem da diocese não é suficiente.
A medida
drástica tomada pelo Vaticano contra o bispo alemão foi necessária, mas convém
ressaltar que isso não resolverá o problema. É preciso, com urgência, mexer na
estrutura eclesial viciada. Estrutura essa que trata os ministros ordenados
como verdadeiros “príncipes da Igreja”, os quais se acham no direito de exigir
do povo que sustente suas mordomias. É preciso rever todo o processo formativo,
tornando-o mais leve, menos custoso e menos aburguesado. Sem desprezar o
princípio bíblico de que o evangelizador tem direito a um salário digno (Mt
10,10), a Igreja precisa educar seus ministros ordenados a, como o apóstolo
Paulo, trabalharem com as próprias mãos para o próprio sustento (At 18,3; 1Cor
9,13-15) e a se contentarem com aquilo que a comunidade pode oferecer para a
manutenção deles (Lc 10,7-8).
Mas para se
chegar a isso é fundamental romper com todo o esquema eclesiástico atual,
pautado no amor ao dinheiro. Sem ruptura, continuaremos a pôr remendos e a
colocar vinho novo em potes velhos (Mc 2,21-22). Os escândalos continuarão a
acontecer, uma vez que “a raiz de todos os males é o amor ao dinheiro” (1Tm
6,10).
José
Lisboa Moreira de Oliveira
Um comentário:
Isso não ocorre só na igreja:
Nas famílias os filhos não querem mais nenhum sacrifício,louça,lavar roupa e limpeza de casa foi trocada por computadores e celulares com contas exorbitantes. Começam desde crianças a engordarem consumindo todo tipo de "venenos alimentares" patrocinado pelos pais...
Nas escolas professores tentam aparentar riquezas que não possuem financiando carros cada vez mais "enormes" Pelo menos aqui em Chapecó dificilmente você encontra eles utilizando transporte coletivo. Ontem uma Professora chorando pedia providências, pois riscaram o carro dela e ela não conseguiria pagar o conserto...mora a poucas quadras da escola...
Empresários que não usam ética...
Políticos que são o espelho disso tudo...
Saídas deve haver ou temos que aprender a inventá-las...
Ilvo
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