Estamos realizando nosso
XIII Capítulo Geral. Na manhã do fia 7 de outubro, esteve conosco o Pe. Giulio Albanese, missionário e
jornalista comboniano. Ele nos ajudou a refletir sobre a necessidade de ler os
sinais dos tempos. Segundo este jornalista missionário italiano, é impossível
pensar e projetar a missão hoje sem uma atenta e responsável leitura do tempo e
do mundo que vivemos. O presente texto é a primeira parte da parte desta reflexão.
Os Sinais dos Tempos e a expectativa dos povos
Neste mundo que passa no constante fluir da
história e que, fluindo, às vezes suscita alegria e às vezes faz gemer, o
cristão não conhece nada mais importante que o Reino de Deus. De fato, crer significa assumir as próprias
responsabilidades em relação à conversão do coração, aos bens compartilhados, à
paz, à justiça, à reconciliação, ao respeito à criação. Isso emerge da
possibilidade que nos é oferecida do encontro com Cristo, nas periferias, junto
aos pobres, dos últimos, no submundo
ao qual estes são relegados.
A pouco mais de seis meses da eleição do Papa
Francisco, parece que esta seja a síntese
mais justa do seu magistério naquilo que se refere ao tema da “Missão”. Eis
que agora, de uma parte, existe o dever de anunciar e testemunhar o Evangelho,
enquanto que, de outra, pode ocorrer a adesão ou a recusa dos interlocutores.
Cada um deve fazer as contas com a mais problemática das sabedorias: a dúvida.
Aqui não discutimos verdades reveladas mas o modo de afirmá-las. Quantas vezes,
devemos admitir, as nossas promessas se dissolveram como se fossem bolhas de
sabão ou os nostros gestos ofuscaram o
mistério do amor...
Pois agora, ao lado dos valores manipulados pela
nossa estupidez ou mesquinhez, se evidencia sempre mais a necessidade de
realizar uma radical renovação do nosso modus
vivendi. De fato, o Papa Bergoglio
está convicto da urgência de tornar o Evangelho inteligível, não segundo
uma lógica obscura, típica de certa comunicação. Renunciando aos artifícios das
cortes medievais, sentado num banco – nova maravilha do estado Cidade do
Vaticano – ou subindo no avião com uma
misteriosa maleta na mão, ele deu a todos, verdadeiramente a todos, uma
extraordinária lição de vida. No palco da
aldeia global vemos um grande que se faz pequeno, conseguindo assim, com
obstinação, ditar a agenda a todas as corporações, inclusive aquela dos
jornalistas, que, por ofício, pretendem saber de tudo antecipadamente.
Mas Francisco é uma surpresa vivente, um
fenômeno imprevisível que não deveria deixar ninguém dormir tranquilamente,
especialmente aqueles que consideram a Religião como algo assessório para mudar
o mundo. Portanto, ao iniciar os vossos
trabalhos capitulares, não podemos deixar de afirmar o nosso – “vosso” –
compromisso, pessoal e comunitário, de caminhar nas estradas do mundo, com a
consciência de que a messe é grande e os operários são poucos. Francisco vem
do “fim do mundo” e está demonstrando com letras claras que ele tem a coragem
de ousar. Temos a
responsabilidade de fazer o mesmo.
Procuremos agora, no curso desta reflexão, fazer as contas com a evangelização, olhando
para os sinais dos tempos. A
espiritualidade não pode prescidnir do contexto no qual vivemos. Uma
mensagem evangélica asséptica não serve para nada, porque um cristianismo
desencarnado é como uma civilização sem religião. Se durante séculos a Europa
viu no cristianismo o próprio elemento agregante, hoje, ao menos se levarmos em
conta a crônica, não é mais assim. A Civitas
medieval está nas paredes das catedrais, nos afrescos ou nas telas de Cimabue e
Giotto, mas não está mais presente nos comportamentos de uma sociedade
globalizada, na qual se perdeu a linha de demarcação entre o sagrado e o
profano.
Daqui deriva a urgência de voltar a ser, parafraseando
o Evangelho, “sal da terra”, “fermento que faz crescer a massa”. Eis porque é necessário compreender o mundo,
saber interpretá-lo, lendo atentamente os “sinais dos tempos”. A sua
interpretação é fundamental para tornar inteligível a mensagem cristã em um
mundo que muda. O próprio Evangelho forjou esta expressão, indentificando-a com
um convite à fé e à vigilância.
Ao propor com força o original significado bíblico do
conceito “sinais dos tempos”, João XXIII, na sua profética leitura da história
da Igreja, convidou a interpretar estes sinais, afirmando: “Fazendo nossa a recomendação de Jesus de
saber discernir os sinais dos tempos, podemos descobrir, em meio a tantas
trevas, numerosos sinais que infudem esperança sobre os destinos da Igreja e da
humanidade”. Esta atenção aos sinais dos tempos por parte do “Papa Bom” foi
explicitada na encíclica Pacem in Terris
e por seu sucessor, Paulo VI, que retomou a expressão no seu primeiro documento
oficial, a encíclica Ecclesiam Suam,
observando que se deve “estimular na
Igreja a atenção constantemente vigilante aos sinais dos tempos e à abertura
continuamente jovem que saiba verificar tudo e reter o que é bom”.
O Concílio Vaticano II, naturalmente, foi uma caixa de
ressonância e um laboratório dessa intuição dos sinais dos tempos, repetindo-a
na constituição Gaudium et Spes. Três
textos deste documento conciliar chamam particularmente à atenção:
“No exercício desta função, a Igreja deve, em todas as épocas, perscrutar os sinais dos tempos e
interpretá-los à luz do Evangelho, para ser capaz de oferecer, de forma
apropriada ao modo de ser de cada geração, respostas às grandes questões
humanas a respeito do sentido da vida presente e futura. É preciso conhecer e compreender o mundo em que se vive, sua
índole, muitas vezes dramática, suas expectativas e seus desejos” (GS 4).
“Acreditando, com certeza, que é
conduzido pelo Espírito do Senhor, que enche o universo, o povo de Deus vê e procura discernir nos acontecimentos, nas
exigências e nas aspirações do nosso tempo, de que, aliás, participa,
verdadeiros sinais da presença de Deus e de seu desígnio. A fé ilumina com
sua luz tudo que existe e manifesta o propósito divino a respeito da plena
vocação humana, orientando assim o espírito para as verdadeiras soluções” (GS 11).
“Todo o povo de Deus, mas
especialmente os bispos e os teólogos, com o auxílio do Espírito Santo, devem estar atentos à linguagem do nosso
tempo, analisá-la e interpretá-la à luz da palavra divina, para aprofundar
sempre mais a compreensão da verdade revelada, melhor entendê-la e divulgá-la
de maneira mais acessível” (GS 44).
Estes três textos são muito
explícitos e nos ajudam a compreender que, cinquenta anos depois de terem sido
escritos, ainda não encontraram acolhida e sssimilação na evangelização.
Por favor, seria injusto negar os grandes esforços de muitos pastores e agentes
de pastoral nestas últimas décadas, mas é claro que muito mais poderia ter sido
feito.
Antes de tudo, quando lemos
Gaudium et Spes, como também Lumen Gentium, salta aos olhos a
mudança eclesiológica, tanto de posição como de perspectiva. A Igreja se
auto-compreende a serviço da Palavra revelada, oferecendo-se como mediação da
Palavra no mundo. Uma Igreja peregrina com o homem do seu tempo, que
representa para ele a “companheira de fé” na busca da autêntica vontade de Deus.
Uma Igreja humilíssima, que pede ajuda aos homens do seu tempo para ser capaz
de ler atentamente os fenômenos humanos. Uma Igreja pobre, consciente de
que a verdade é busca comum, e que essa só é acessível numa perspectiva
escatológica.
Que
fique bem claro: esta não é uma perspectiva da protestantismo, mas o pensamento
da mais alta autoridade do Magistério, o Concílio! “A Igreja não
deve esquecer quanto lhe aproveita a evolução e a história do gênero humano... A Igreja precisa daqueles que vivem no
mundo, conhecem por dentro as diversas instituições e disciplinas, mesmo que não
sejam cristãos” (GS 44).
Não creio que seja exagero dizer que jamais
haviam sido escritas palavras tão explícitas da parte da Igreja em relação ao
mundo. Parece-me que este seja um dado que deve ser recordado com
insistência, pois evidencia um novo posicionamento
da Igreja - no meu pobre ponto de
vista, insisto, ainda não plenamente realizado – em relação à cultura, às
ideologias e aos homens e mulheres que as constituem. Neste contexto, os sinais
dos tempos orientam a uma interpretação mais universal do dado revelado e
obrigam a própria Igreja, no seu ensinamento, a sintonizar a mensagem salvífica
com a cultura do ser humano, uma realidade em contínua mudança.
Portanto, de qualquer maneira, os
sinais dos tempos já pertencem à Revelação, pois podem ser identificados
com os gérmens de vida, lançados no mundo e no coração de cada ser humano,
mediante os quais é fácil perceber a ação de Deus que opera incessantemente na
criação, na história e nos seres humanos. Diante
dos sinais dos tempos, a Igreja é provocada a desenvolver sua função profética,
porque é chamada a exprimir o juízo de Deus sobre o presente. Um juízo que,
porém, é sempre de misericórdia. Enfim, os sinais dos tempos estimulam a pensar
seriamente o horizonte escatológico, colocando todos, crentes e não-crentes, na
expectativa da realização definitiva da história. O Concílio parece ter
cumprido, também em relação aos sinais dos tempos, um processo de
personalização e de atualização que abre caminho para horizontes
verdadeiramente infinitos.
Mas quais são hoje realmente os
sinais dos tempos sobre os quais devemos exercitar o discernimento? A lista
poderia ser muito longa, mas por uma questão de brevidade, deter-me-ei somente
naqueles que, no meu ponto de vista, são mais sintomáticos de um mundo que está
atravessando uma fase de mudanças sem predecentes na história humana; verdadeiras transformações transversais,
presentes com particularidades diversas, nos cinco continentes.
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