segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Missão e sinais dos tempos (1)

Estamos realizando nosso XIII Capítulo Geral. Na manhã do fia 7 de outubro, esteve conosco o Pe. Giulio Albanese, missionário e jornalista comboniano. Ele nos ajudou a refletir sobre a necessidade de ler os sinais dos tempos. Segundo este jornalista missionário italiano, é impossível pensar e projetar a missão hoje sem uma atenta e responsável leitura do tempo e do mundo que vivemos. O presente texto é a primeira parte da parte desta reflexão.
Os Sinais dos Tempos e a expectativa dos povos
Neste mundo que passa no constante fluir da história e que, fluindo, às vezes suscita alegria e às vezes faz gemer, o cristão não conhece nada mais importante que o Reino de Deus. De fato, crer significa assumir as próprias responsabilidades em relação à conversão do coração, aos bens compartilhados, à paz, à justiça, à reconciliação, ao respeito à criação. Isso emerge da possibilidade que nos é oferecida do encontro com Cristo, nas periferias, junto aos pobres, dos últimos, no submundo ao qual estes são relegados.
A pouco mais de seis meses da eleição do Papa Francisco, parece que esta seja a síntese mais justa do seu magistério naquilo que se refere ao tema da “Missão”. Eis que agora, de uma parte, existe o dever de anunciar e testemunhar o Evangelho, enquanto que, de outra, pode ocorrer a adesão ou a recusa dos interlocutores. Cada um deve fazer as contas com a mais problemática das sabedorias: a dúvida. Aqui não discutimos verdades reveladas mas o modo de afirmá-las. Quantas vezes, devemos admitir, as nossas promessas se dissolveram como se fossem bolhas de sabão ou os nostros gestos ofuscaram  o mistério do amor...
Pois agora, ao lado dos valores manipulados pela nossa estupidez ou mesquinhez, se evidencia sempre mais a necessidade de realizar uma radical renovação do nosso modus vivendi. De fato, o Papa Bergoglio está convicto da urgência de tornar o Evangelho inteligível, não segundo uma lógica obscura, típica de certa comunicação. Renunciando aos artifícios das cortes medievais, sentado num banco – nova maravilha do estado Cidade do Vaticano – ou subindo no avião  com uma misteriosa maleta na mão, ele deu a todos, verdadeiramente a todos, uma extraordinária lição de vida. No palco da aldeia global vemos um grande que se faz pequeno, conseguindo assim, com obstinação, ditar a agenda a todas as corporações, inclusive aquela dos jornalistas, que, por ofício, pretendem saber de tudo antecipadamente.
Mas Francisco é uma surpresa vivente, um fenômeno imprevisível que não deveria deixar ninguém dormir tranquilamente, especialmente aqueles que consideram a Religião como algo assessório para mudar o mundo. Portanto, ao iniciar os vossos trabalhos capitulares, não podemos deixar de afirmar o nosso – “vosso” – compromisso, pessoal e comunitário, de caminhar nas estradas do mundo, com a consciência de que a messe é grande e os operários são poucos. Francisco vem do “fim do mundo” e está demonstrando com letras claras que ele tem a coragem de ousar. Temos a responsabilidade de fazer o mesmo.
Procuremos agora, no curso desta reflexão, fazer as contas com a evangelização, olhando para os sinais dos tempos. A espiritualidade não pode prescidnir do contexto no qual vivemos. Uma mensagem evangélica asséptica não serve para nada, porque um cristianismo desencarnado é como uma civilização sem religião. Se durante séculos a Europa viu no cristianismo o próprio elemento agregante, hoje, ao menos se levarmos em conta a crônica, não é mais assim. A Civitas medieval está nas paredes das catedrais, nos afrescos ou nas telas de Cimabue e Giotto, mas não está mais presente nos comportamentos de uma sociedade globalizada, na qual se perdeu a linha de demarcação entre o sagrado e o profano.
Daqui deriva a urgência de voltar a ser, parafraseando o Evangelho, “sal da terra”, “fermento que faz crescer a massa”. Eis porque é necessário compreender o mundo, saber interpretá-lo, lendo atentamente os “sinais dos tempos”. A sua interpretação é fundamental para tornar inteligível a mensagem cristã em um mundo que muda. O próprio Evangelho forjou esta expressão, indentificando-a com um convite à fé e à vigilância.
Ao propor com força o original significado bíblico do conceito “sinais dos tempos”, João XXIII, na sua profética leitura da história da Igreja, convidou a interpretar estes sinais, afirmando: “Fazendo nossa a recomendação de Jesus de saber discernir os sinais dos tempos, podemos descobrir, em meio a tantas trevas, numerosos sinais que infudem esperança sobre os destinos da Igreja e da humanidade”. Esta atenção aos sinais dos tempos por parte do “Papa Bom” foi explicitada na encíclica Pacem in Terris e por seu sucessor, Paulo VI, que retomou a expressão no seu primeiro documento oficial, a encíclica Ecclesiam Suam, observando que se deve “estimular na Igreja a atenção constantemente vigilante aos sinais dos tempos e à abertura continuamente jovem que saiba verificar tudo e reter o que é bom”.
O Concílio Vaticano II, naturalmente, foi uma caixa de ressonância e um laboratório dessa intuição dos sinais dos tempos, repetindo-a na constituição Gaudium et Spes. Três textos deste documento conciliar chamam particularmente à atenção:
No exercício desta função, a Igreja deve, em todas as épocas, perscrutar os sinais dos tempos e interpretá-los à luz do Evangelho, para ser capaz de oferecer, de forma apropriada ao modo de ser de cada geração, respostas às grandes questões humanas a respeito do sentido da vida presente e futura. É preciso conhecer e compreender o mundo em que se vive, sua índole, muitas vezes dramática, suas expectativas e seus desejos” (GS 4).
Acreditando, com certeza, que é conduzido pelo Espírito do Senhor, que enche o universo, o povo de Deus vê e procura discernir nos acontecimentos, nas exigências e nas aspirações do nosso tempo, de que, aliás, participa, verdadeiros sinais da presença de Deus e de seu desígnio. A fé ilumina com sua luz tudo que existe e manifesta o propósito divino a respeito da plena vocação humana, orientando assim o espírito para as verdadeiras soluções (GS 11).
Todo o povo de Deus, mas especialmente os bispos e os teólogos, com o auxílio do Espírito Santo, devem estar atentos à linguagem do nosso tempo, analisá-la e interpretá-la à luz da palavra divina, para aprofundar sempre mais a compreensão da verdade revelada, melhor entendê-la e divulgá-la de maneira mais acessível” (GS 44).
Estes três textos são muito explícitos e nos ajudam a compreender que, cinquenta anos depois de terem sido escritos, ainda não encontraram acolhida e sssimilação na evangelização. Por favor, seria injusto negar os grandes esforços de muitos pastores e agentes de pastoral nestas últimas décadas, mas é claro que muito mais poderia ter sido feito.
Antes de tudo, quando lemos Gaudium et Spes, como também Lumen Gentium, salta aos olhos a mudança eclesiológica, tanto de posição como de perspectiva. A Igreja se auto-compreende a serviço da Palavra revelada, oferecendo-se como mediação da Palavra no mundo. Uma Igreja peregrina com o homem do seu tempo, que representa para ele a “companheira de fé” na busca da autêntica vontade de Deus. Uma Igreja humilíssima, que pede ajuda aos homens do seu tempo para ser capaz de ler atentamente os fenômenos humanos. Uma Igreja pobre, consciente de que a verdade é busca comum, e que essa só é acessível numa perspectiva escatológica.
Que fique bem claro: esta não é uma perspectiva da protestantismo, mas o pensamento da mais alta autoridade do Magistério, o Concílio! A Igreja não deve esquecer quanto lhe aproveita a evolução e a história do gênero humano... A Igreja precisa daqueles que vivem no mundo, conhecem por dentro as diversas instituições e disciplinas, mesmo que não sejam cristãos” (GS 44).
Não creio que seja exagero dizer que jamais haviam sido escritas palavras tão explícitas da parte da Igreja em relação ao mundo. Parece-me que este seja um dado que deve ser recordado com insistência, pois evidencia um novo posicionamento da Igreja  - no meu pobre ponto de vista, insisto, ainda não plenamente realizado – em relação à cultura, às ideologias e aos homens e mulheres que as constituem. Neste contexto, os sinais dos tempos orientam a uma interpretação mais universal do dado revelado e obrigam a própria Igreja, no seu ensinamento, a sintonizar a mensagem salvífica com a cultura do ser humano, uma realidade em contínua mudança.
Portanto, de qualquer maneira, os sinais dos tempos já pertencem à Revelação, pois podem ser identificados com os gérmens de vida, lançados no mundo e no coração de cada ser humano, mediante os quais é fácil perceber a ação de Deus que opera incessantemente na criação, na história e nos seres humanos. Diante dos sinais dos tempos, a Igreja é provocada a desenvolver sua função profética, porque é chamada a exprimir o juízo de Deus sobre o presente. Um juízo que, porém, é sempre de misericórdia. Enfim, os sinais dos tempos estimulam a pensar seriamente o horizonte escatológico, colocando todos, crentes e não-crentes, na expectativa da realização definitiva da história. O Concílio parece ter cumprido, também em relação aos sinais dos tempos, um processo de personalização e de atualização que abre caminho para horizontes verdadeiramente infinitos.
Mas quais são hoje realmente os sinais dos tempos sobre os quais devemos exercitar o discernimento? A lista poderia ser muito longa, mas por uma questão de brevidade, deter-me-ei somente naqueles que, no meu ponto de vista, são mais sintomáticos de um mundo que está atravessando uma fase de mudanças sem predecentes na história humana; verdadeiras transformações transversais, presentes com particularidades diversas, nos cinco continentes.


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