Somos todos enviados a
caminhar com os irmãos.
(2Rs 5,14-17; Sl 97/98; 2Tm 2,8-13; Lc
17,11-19)
Na mensagem para o Dia Mundial de Oração pelas Missões, o
Papa Francisco nos lembra que “todos somos enviados pelas estradas do mundo para caminhar com os irmãos e irmãs,
professando e testemunhando a nossa fé em Cristo e fazendo-nos arautos do
Evangelho.” Trata-se de fazer-se irmão, como o pobre Francisco de Assis, como o
sonhador Che Guevara (+08.10.1968), como o mártir Pe. João Bosco Burnier
(+12.10.1976), como a analfabeta e doutora Teresa d’Avila (+04.10.1582). E
também de abrir as portas e janelas da Igreja, de fazê-la essencialmente
humana, como quis o Vaticano II (iniciado aos 11.10.1962). E isso sem falsas
ilusões, mas também sem medos inúteis. Com o vivo desejo de dar o necessário sabor
missionário à celebração e à vida, coloquemo-nos à escuta da Palavra de Deus,
que, como diz Paulo a Timóteo, é digna de fé e não pode ser detida ou silenciada.
“Caminhando para Jerusalém...”
A travessia que Jesus e seus discípulo
estão realizando não é simplesmente geográfica. A região compreendida entre a
Samaria e a Galiléia caracteriza uma
terra de ninguém, uma região marginal e fora do controle do templo judaico.
Lucas usa os nomes mais com o objetivo de caracterizar os personagens que
entram em cena do que para dar informações geográficas. Parece que Jesus está
sozinho. Os discípulos teriam fugido, ou estariam escondidos nos personagens?
Não esqueçamos que a travessia que
Jesus está cumprindo é uma caminhada consciente e com um rumo preciso: vai a
Jerusalém para enfrentar os poderes religiosos e políticos e revelar a
identificação plena e solidária de Deus com os excluídos. E cumpre essa passagem
com um ideal muito claro: se desloca da
periferia social ao centro político, transforma os últimos em primeiros,
estabelce como centro aquilo que é desprezado, revela a presença de Deus na
contra-mão da história e da religião.
“Dez leprosos vieram ao seu encontro...”
Um grupo de leprosos deixa o fechado
círculo da cidade e se aproxima de Jesus. Estranhamente, parece que os leprosos
não vivem fora da cidade, como manda a lei. “O homem atingido de lepra andará
com as vestes rasgadas, os cabelos soltos e a barba decoberta, gritando
‘Impuro! Impuro!’... Habitará a sós e terá sua morada fora do acampamento” (Lv
13,45-46). Será que a lepra que os atormenta não tem suas raízes exatamente no
ambiente nacionalista, fanático e fechado da cidade sem nome?
O evangelho diz que dez leprosos saem do povoado e vêm ao encontro de Jesus.
Parece que a ideologia estreita e fechada da cidade faz mal, transforma todos
seus habitantes em seres proscritos. Mas, em vez de anunciar claramente a própria
impureza e assim se manterem longe das pessoas consideradas puras, eles reconhecem Jesus como mestre e gritam:
“Tem compaixão de nós!” Há algo muito especial que faz com que este grupo saia
da cidade em busca de uma mudança.
“Jesus, mestre, tem compaixão de nós!”
O pedido brota do mais profundo da
condição de excluídos. Por trás do pedido de compaixão que dirigem a Jesus está
a situação dramática que vivem todos aqueles que são infectados pela lepra e,
quem sabe, pela ideologia estreita e escravizadora do judaísmo daquele tempo. É
importante perceber que os leprosos não são considerados apenas doentes (situação sanitária), mas também
impuros (discriminação religiosa) e separados da convivência cotidiana
(exclusão social).
Mas o grito quase desesperado
implorando compaixão também é revelador de uma embrionária consciência de que
Deus não vira o rosto nem fecha o coração diante do drama que vivem os doentes,
discriminados e excluídos. Mesmo sem conseguir entender claramente a identidade
de Jesus – eles se dirigem a ele como a um chefe! – apelam a algo que não é
periférico mas essencial em Deus: sua compaixão transformadora em favor dos
últimos e dos marginalizados.
“Um deles voltou glorificando a Deus...”
A resposta de Jesus ao pedido
desesperado dos proscritos é o cumprimento de uma norma legal: “Ide
apresentar-vos aos sacerdotes”. Mas como poderiam eles ir ao templo, se era
exatamente a lei por ele regulada que os mantinha distantes e separados? Eles
ainda não estavam curados, e entrar no templo seria um sacrilégio imperdoável.
Mas é no caminho – na caminhada de
adesão à Palavra de Jesus Cristo! – que
eles são curados. É da ruptura com a cosmovisão estreita e dominadora do templo,
da adesão crescente a Jesus e à sua Palavra que vem a força que restaura a
dignidade e liberta das exclusões.
Entre os dez leprosos havia um
samaritano (mas não esquecemos que, pelo simples fato de alguém ser samaritano,
já era socialmente equiparado a um leproso). Os demais provavelmente eram
galileus. No caminho todos se vêem curados, mas os nove galileus continuam
firmes a marcha em direção ao templo e são por ele novamente assimilados. Apenas
o samaritano faz marcha-ré e volta para agradecer e reverenciar a Jesus e
glorificar a Deus, evitando assim as malhas do templo.
É possível que este grupo de nove leprosos
queira representar exatamente os discípulos/as que resistem a aceitar a novidade
exigente e libertadora proposta por Jesus. São os cristãos de todos os tempos
que continuam acreditando nos privilégios das minorias – os fariseus, os
iluminados, os consagrados, os praticantes, os militantes, os ocidentais, os
cristãos, etc. – e na supremacia das leis e instituições para a convivência
humana. Eles têm medo de se misturar com o povo no caminho, de ser irmão.
“Tua fé te salvou!”
O leproso samaritano representa
todos os estrangeiros e demais excluídos que acolhem o Evangelho e se tornam discípulos.
A afirmação de Jesus é clara e contundente: “Tua fé te salvou.” A reconquista
da plena cidadania e do respeito não é uma concessão generosa do templo ou
daqueles que o controlam. Não é também mero resultado de uma piedade difusa e
ingênua. É fruto maduro e saboroso de uma fé dinâmica e consequente que provoca
rupturas e sustenta buscas.
A declaração solene de Jesus ao
samaritano purificado de suas chagas físicas e sociais é semelhante às que
verbalizara em outras situações: à mulher que é vista como pecadora e beija
seus pés em público (cf. Lc 7,50); à mulher que sofre de hemorragia há 12 anos,
e por isso é tratada como impura (cf. Lc 8,48); ao cego e mendigo de Jericó
(cf. Lc 18,42). Em todas estas passagens se vê o mesmo drama humano e a mesma delicadeza
de quem nada reivindica para si mesmo: “Tua fé te salvou!”
No último domingo vimos como o
próprio grupo dos apóstolos enfrentava dificuldades para viver pela fé, de
romper com a confiança cega no poder do dinheiro e das instituições, de buscar
soluções humanas para os problemas humanos. E hoje somos brindados com a figura
exemplar deste samaritano que, movido
pela fé, rompe com os estereótipos
– que às vezes parecem convenientes! – e
redescobre sua plena dignidade de filho de Deus. Vamos já a essas estradas,
não para ensinar, mas para aprender!
“Levanta-te e vai...”
A experiência de ser acolhido e
amado por Jesus Cristo leva à decisão de segui-lo e culmina na aceitação de uma
missão. O samaritano curado não é remetido ao templo e suas leis incapazes de
libertar, mas enviado em
missão. Não é dito o que ele deve fazer, nem onde deve ir.
Jesus simplesmente diz “Vai...” Pois a missão é essencialmente isso:
descobrir-se radicalmente enviado/a por Outro a outros; sentir-se convocado/a a
descobrir sempre de novo onde e a quem servir.
Só podemos mudar a história se
caminharmos com os irmãos nas estradas do mundo, professando e testemunhando a
nossa fé. Já fizemos referência ao Pe. Burnier, mas devemos lembrar aqui
todos/as os/as mártires da América Latina, conhecidos ou anônimos, cuja memória
somos convidados a celebrar no dia 11. Mas não esqueçamos também de Paulo, que
se diz pronto a suportar tudo em favor dos seus irmãos. “Tenho sofrido até ser
accorentado. Mas a Palavra de Deus não está acorrentada.”
Jesus de Nazaré, és o missionário que o Pai enviou para caminhar conosco
nas estradas do mundo. Te louvamos pela nuvem de testemunhas que nos
antecederam ou que hoje caminham ao nosso lado como irmãos e irmãs. Com Paulo
aprendemos que se já morremos contigo, contigo também viveremos e faremos
viver. Ensina-nos a levantar e partir em missão, movidos pela compaixão que vem
de ti, mas não esgota seu dinamismo em nós. E ajuda-nos a romper tudo o que
escraviza e diminui a vida, tomando crítica distância das instituições e
estruturas que ameaçam e intimidam. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf
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