Uma mudança cultural: somos todos
devedores
O evento jubilar convida-nos a
empreender várias mudanças para enfrentar a atual condição de injustiça e
desigualdade, recordando-nos que os bens da terra não se destinam apenas a
alguns privilegiados, mas a todos. Pode ser útil recordar o que escreveu São
Basílio de Cesareia: “Mas que coisas, diz-me, são tuas? De onde as tiraste para
as incluir na tua vida? Não saíste totalmente nu do ventre da tua mãe? Não
voltarás, de novo, nu para a terra? De onde vem o que tens agora? Se dissesses
que te veio por acaso, estarias a negar Deus, a não reconhecer o Criador, e não
estarias grato ao Doador”. Quando não há gratidão, o homem deixa de reconhecer
os dons de Deus. Mas o Senhor, na sua infinita misericórdia, não abandona os
homens que pecam contra Ele: antes, confirma o dom da vida
com o perdão da salvação, oferecido a todos mediante
Jesus Cristo. Por isso, ensinando-nos o Pai Nosso, Jesus convida-nos a pedir: “Perdoa-nos
as nossas ofensas”.
Quando uma pessoa ignora a própria
ligação com o Pai, começa a nutrir um pensamento de que as relações com os
outros podem ser regidas por uma lógica de exploração, em que o mais forte
pretende ter o direito de prevalecer sobre o mais fraco. Tal como as elites do
tempo de Jesus, que se aproveitavam do sofrimento dos mais pobres, também hoje,
na aldeia global interligada, o sistema internacional, se não for alimentado
por uma lógica de solidariedade e interdependência, gera injustiças que,
exacerbadas pela corrupção, aprisionam os países pobres. A lógica da exploração
do devedor também descreve sucintamente a atual crise da dívida, que aflige
vários países, especialmente no Sul do planeta.
Não me canso de repetir que a
dívida externa se tornou um instrumento de controle, através do qual alguns
governos e instituições financeiras privadas dos países mais ricos não hesitam
em explorar indiscriminadamente os recursos humanos e naturais dos países mais
pobres para satisfazer as necessidades dos seus próprios mercados. A isto se
acrescenta que várias populações, já sobrecarregadas pela dívida internacional,
vejam-se obrigadas a suportar também o peso da dívida ecológica dos países mais
desenvolvidos. A dívida ecológica e a dívida externa são dois lados da mesma
moeda, desta lógica de exploração que culmina na crise da dívida. Inspirando-me
neste ano jubilar, convido a comunidade internacional para que atue no sentido
de perdoar a dívida externa, reconhecendo a existência de uma dívida ecológica
entre o Norte e o Sul do mundo. É um apelo à solidariedade, mas sobretudo à
justiça.
A mudança cultural e estrutural
para superar esta crise ocorrerá quando finalmente reconhecermos que somos
todos filhos do mesmo Pai e, perante Ele, confessarmos que somos todos
devedores, mas também todos necessários uns aos outros, segundo uma lógica de
responsabilidade partilhada e diversificada. Poderemos descobrir, enfim, que
precisamos e somos devedores uns dos outros.
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