Maria vai com as outras?!
As
comunidades católicas celebram, no próximo domingo, a solenidade da Imaculada
Concepção da Bem-Aventurada Virgem Maria. Houve tempo em que a simples
invocação do nome de Maria soava como insulto ou blasfêmia aos ouvidos dos
irmãos protestantes. Hoje não é mais bem assim, mas a pergunta é pertinente: é
possível refletir sobre Maria, a Mãe de Jesus, numa perspectiva ecumênica e com
base numa visão moderna da mulher?
Martin
Lutero, o fundador do movimento protestante, escreveu um belo e profundo
tratado sobre o cântico de Maria (cf. Lc 1,46-55). Na sua reflexão teológica e social, Lutero
não hesita em tratar Maria como “doce mãe de Cristo”, “Virgem
Maria” e “mãe de Deus”. Para
ele, o que há de mais belo e precioso na “Bendita Mãe de Deus” é a humildade, a
disponibilidade e a confiança com que Ela se põe à disposição da Vontade de
Deus.
Para
Lutero, inspirar-se em Maria significa permitir que Deus atue em nós, colaborar
para que sua vontade seja plenamente realizada. Por isso, não basta afirmar que ela não se alegra por sua virgindade, mas
por sua humildade. Ela se alegra pela “graciosa observação divina”. O que deve
ser destacado em Maria não é sua humildade, mas a atenção com que Deus a trata,
a mesma atenção que dá a todos os humildes e humilhados.
Para
celebrar esta solenidade, as comunidades cristãs católicas buscam luzes no
texto de Lucas (1,26-38). Ali encontramos a inusitada manifestação de Deus a
uma mulher da Galileia. É inusitada porque Deus não se dirige a um homem
destacado por seu saber ou por sua piedade, e isso não acontece no templo ou da
Sinagoga. Não é uma pessoa cumpridora meticulosa das leis e prescrições a
escolhida e declarada “cheia de graça”...
A
quem gosta de imaginar Maria como uma mulher “recatada e do lar”, pronta a
obedecer às ordens daqueles que se consideram o gênero superior, convido a
observar como Maria ousa questionar o próprio Mensageiro de Deus. Ela é uma
mulher livre e empoderada, que não se cala nem diante de quem fala em nome de
Deus. Seu jeito de fazer a vontade de Deus passa pelo questionamento e pela
reflexão (cf. Lc 2,19.51).
Nisso,
Maria de Nazaré não está sozinha. Ela “vai com as outras”, pois se soma às
outras mulheres corajosas do povo hebreu, como as parteiras do Egito, que ousam
desobedecer às ordens do Faraó (cf, Ex 1,12-21); a viúva Judite, que enfrenta o
general Holofernes (cf. Jd 8-9), a rainha Ester, que pede ao rei vida para seu
povo (cf. Est 7,1-4), a mãe dos jovens Macabeus, que os encoraja a desobedecer
ao rei Antíoco (cf. 2Mc 7). E como Ana, Isabel, Madalena, Marta, Maria, Lídia e
tantas outras mulheres da aurora do cristianismo.
Maria
também está com outras mulheres do nosso tempo, como Maria Quitéria, Rosa de
Luxemburgo, Edith Stein, Nísia Floresta, Teresa de Calcutá, Indira Gandhi, Dorothy
Stang, Zilda Arns. Não quero dizer que ela não passa de uma mulher
extraordinária, mas desejo sublinhar que vejo em Maria de Nazaré, traços
humanos que outras mulheres, de alguma forma, também expressaram. Ela “vai com
as outras”, com muitas outras, que compartilham com ela a bem-aventurada humanidade,
talvez a santidade.
Dom Itacir Brassiani msf
Bispo de Santa Cruz do Sul
2 comentários:
De tantos títulos Marianos, o que revela a mãe do evangelho e esse Maria de Nazaré.
Dom Itacir, fiquei muito emocionada ao ler sua belíssima reflexão sobre Nossa Senhora Maria de Nazaré: Maria vai com as outras ? O Senhor transmite através de suas palavras, o amor e a sabedoria que nos leva a uma profunda reflexão
Sinto-me abençoada pela oportunidade de lhe conhecer em Passo Fundo Carmen Regina
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