Felizes os insatisfeitos!
Pertenço ao grupo de homens e
mulheres insatisfeitos. Penso que as coisas não estão como deveriam estar. Não
aceito que o atual mundo transformado em paraíso tecnológico e comercial seja o
melhor dos mundos possíveis. Sonho um outro mundo, no qual caibam todas as
pessoas. Partilho, discuto e prego esse sonho de mudança. Por isso mesmo, sou
um homem feliz. Insatisfeito e feliz. O Mestre cuja escola frequento ensina: “Felizes
os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados” (Mt 5,6).
Faz parte do meu compromisso com os
sonhos a denúncia e o desmascaramento dos discursos que encobrem e disfarçam a
maldade das estruturas e projetos, mas há pessoas que ficam aterrorizadas com
reflexões que rompem os limites da ideologia estabelecida. Por trás deste medo está
o compromisso ingênuo ou interesseiro com a manutenção de um mundo desigual,
excludente e violento. Qualquer palavra ou ação que aponte para mudanças é logo
taxada de ideológica ou inconsequente.
Para aqueles que se colocam no caminho de Jesus Cristo e aderem ao
seu projeto, o desejo de mudança não deveria ser coisa estranha ou temida. Sua
vida foi um esforço permanente para dar um novo sentido aos velhos conceitos do
judaísmo e um novo dinamismo aos sonhos de emancipação do seu povo. Ele pagou
com a própria vida a ousadia de sonhar e propor uma nova ordem, pois dizia que
não veio costurar remendos nas velhas estruturas, que seu vinho novo pedia
novos barris.
É lamentável que muitos cristãos ainda fiquem irritados quando
ouvem os padres ou pastores pregando a necessidade de justiça e fraternidade no
país e no mundo, ou refletindo sobre a necessidade de cuidar da Casa Comum. Um
pouquinho de capacidade crítica e outro tanto de conhecimento bíblico ajudaria
muito. Talvez falte mais abertura e conversão que conhecimento, pois não
podemos ver as coisas dando-lhes as costas. A Jesus nós seguimos mais para
aprender a ver e a conviver que salvar a alma.
A peregrinação espiritual do Advento, no espírito do Ano Jubilar,
está cheia de apelos a não ter medo, a sonhar como novos céus e nova terra. No
próximo domingo, o profeta Sofonias pede: “Não temas, não te deixes levar pelo
desânimo. O Senhor está no meio de ti” (3,16-17). E João Batista, questionado
sobre o que fazer para acolher o Salvador, responde: “Quem tem duas túnicas, dê
uma para quem não tem; e quem tiver comida, faça o mesmo” (Mt 3,11). A Paz pela
qual anelamos é irmã gêmea da Justiça!
No quarto domingo do Advento, o profeta Miquéias, homem
insatisfeito e visionário, anuncia que Belém não está destinada à
insignificância, e que os pobres não estão destinados a mastigar a própria
pobreza. Está vindo um líder que não recuará diante dos poderosos, não
governará de costas para os humildes e não descansará enquanto não promover a
paz (cf. Mq 5,1-4). E, dos lábios femininos de Isabel, aprendemos que são
felizes e bem-aventurados aqueles que acreditam, pois Deus cumpre o que promete
(cf. Lc 1,45). Sim, os insatisfeitos, aqueles que têm sede de justiça, serão
saciados.
Dom Itacir Brassiani msf
Bispo de Santa Cruz do Sul
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