A felicidade e a alegria do Natal
Aproxima-se o
Natal, e o clima é de alegria. Não cansamos de repetir: “Feliz Natal!” Por
razões diferentes, também aquele Natal do ano zero da era cristã está cercado
de alegria. A quem duvida disso, recomendo que dê uma olhada, mesmo que seja
rápida e superficial, nos dois primeiros capítulos do evangelho segundo Lucas.
A alegria é a moldura na qual o evangelista insere, com mãos de artista, uma a
uma as cenas do anúncio, da espera e do nascimento de Jesus. O cenário é simples,
camponês e doméstico, e não o apelativo e artificial espaço das vitrines e dos
shoppings centers.
Esta alegria
vem da realização de uma promessa que manteve um povo de cabeça erguida e
peregrinando na esperança por muitos séculos. Depois de cada fracasso ou
frustração, uma esperança insistente, antiga e repaginada erguia os derrotados,
fortalecia os fracos, reunia os dispersos, consolava quem caíra prisioneiro da
desolação. E suscitava iniciativas que antecipavam no tempo aquilo que
esperavam para o futuro. Aquele povo não precisou do mito comercial do “bom
velhinho” do “ho-ho-ho”.
A Igreja escolhe
como um dos textos que iluminam a festa do Natal o capítulo 9 do profeta Isaías
(v. 1-6). Num tempo em que o povo vivia oprimido, ameaçado e em risco de vida, Isaías
fala do surgimento de uma luz para quem anda nas trevas, de uma dupla dose de
felicidade e de multiplicação da alegria; uma alegria como aquela que vem de
uma colheita abundante, de uma luta vitoriosa, da superação de grandes
dificuldades.
E qual é o
motivo dessa alegria? É o nascimento de um bebê, um “filho pequenino, cujos
pais não são nomeados. É a teimosa esperança, que se torna certeza
inquebrantável, de que da humanidade nascerá um líder que a todos maravilhará
com sua bondade, que a todos ajudará com seu conselho, que estenderá seu braço
forte aos fracos, que será o primeiro na pacificação das relações, que resgatará
o direito e a justiça para os pobres. Maria entendeu bem isso, e expressou
claramente no seu cântico (cf. Lc 1,46-55).
Mesmo que a
criança se pareça a um broto frágil que surge das raízes de uma árvore decepada
(cf. Is 11,1), este nascimento quebra os instrumentos de opressão e a destrói os
fardamentos ensanguentados dos militares numa grande fogueira. A paz duradoura será
verdade quando as armas são transformadas em ferramentas para produzir
alimentos! “Das suas espadas, forjarão arados, e das suas lanças, podadeiras”
(Is 2,4). Eis a glória de Deus nas alturas e a paz para as criaturas que ele
ama (cf. Lc 2,14).
Os
questionamentos não pedem licença e são inevitáveis. Isso não é apenas
romantismo vazio e fuga da realidade? Não temos aqui mais uma dessas
detestáveis leituras ideológicas das sagradas escrituras? Que possibilidades tem
de realizar isso alguém que nasceu numa estrebaria e acabou executado na cruz?
Olhando o presépio e a cruz, Jesus não parece mais um perdedor que um salvador,
um excluído que um unificador?
Creio que o
Natal de Jesus, mistério e promessa, desafia a nossa fé, assim como sua morte e
ressurreição. O recém-nascido “envolto em faixas e deitado numa manjedoura” (Lc
2,12) continua sendo um sinal e um apelo capaz de despertar em nós a humanidade
adormecida, a bondade entorpecida e a solidariedade enrijecida. Não seria esse
o jeito de Jesus de salvar a humanidade? Não seria pela sua fragilidade que ele
dá força aos fracos? Não seria pela sua proximidade que ele reestabelece a paz?
Não seria fazendo-se pequeno que ele revela a grandeza do ser humano?
Dom Itacir Brassiani msf
Bispo de Santa Cruz do Sul
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