sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

A felicidade que desejamos no Natal é possível?

A felicidade e a alegria do Natal

Aproxima-se o Natal, e o clima é de alegria. Não cansamos de repetir: “Feliz Natal!” Por razões diferentes, também aquele Natal do ano zero da era cristã está cercado de alegria. A quem duvida disso, recomendo que dê uma olhada, mesmo que seja rápida e superficial, nos dois primeiros capítulos do evangelho segundo Lucas. A alegria é a moldura na qual o evangelista insere, com mãos de artista, uma a uma as cenas do anúncio, da espera e do nascimento de Jesus. O cenário é simples, camponês e doméstico, e não o apelativo e artificial espaço das vitrines e dos shoppings centers.

Esta alegria vem da realização de uma promessa que manteve um povo de cabeça erguida e peregrinando na esperança por muitos séculos. Depois de cada fracasso ou frustração, uma esperança insistente, antiga e repaginada erguia os derrotados, fortalecia os fracos, reunia os dispersos, consolava quem caíra prisioneiro da desolação. E suscitava iniciativas que antecipavam no tempo aquilo que esperavam para o futuro. Aquele povo não precisou do mito comercial do “bom velhinho” do “ho-ho-ho”.

A Igreja escolhe como um dos textos que iluminam a festa do Natal o capítulo 9 do profeta Isaías (v. 1-6). Num tempo em que o povo vivia oprimido, ameaçado e em risco de vida, Isaías fala do surgimento de uma luz para quem anda nas trevas, de uma dupla dose de felicidade e de multiplicação da alegria; uma alegria como aquela que vem de uma colheita abundante, de uma luta vitoriosa, da superação de grandes dificuldades.

E qual é o motivo dessa alegria? É o nascimento de um bebê, um “filho pequenino, cujos pais não são nomeados. É a teimosa esperança, que se torna certeza inquebrantável, de que da humanidade nascerá um líder que a todos maravilhará com sua bondade, que a todos ajudará com seu conselho, que estenderá seu braço forte aos fracos, que será o primeiro na pacificação das relações, que resgatará o direito e a justiça para os pobres. Maria entendeu bem isso, e expressou claramente no seu cântico (cf. Lc 1,46-55).

Mesmo que a criança se pareça a um broto frágil que surge das raízes de uma árvore decepada (cf. Is 11,1), este nascimento quebra os instrumentos de opressão e a destrói os fardamentos ensanguentados dos militares numa grande fogueira. A paz duradoura será verdade quando as armas são transformadas em ferramentas para produzir alimentos! “Das suas espadas, forjarão arados, e das suas lanças, podadeiras” (Is 2,4). Eis a glória de Deus nas alturas e a paz para as criaturas que ele ama (cf. Lc 2,14).

Os questionamentos não pedem licença e são inevitáveis. Isso não é apenas romantismo vazio e fuga da realidade? Não temos aqui mais uma dessas detestáveis leituras ideológicas das sagradas escrituras? Que possibilidades tem de realizar isso alguém que nasceu numa estrebaria e acabou executado na cruz? Olhando o presépio e a cruz, Jesus não parece mais um perdedor que um salvador, um excluído que um unificador?

Creio que o Natal de Jesus, mistério e promessa, desafia a nossa fé, assim como sua morte e ressurreição. O recém-nascido “envolto em faixas e deitado numa manjedoura” (Lc 2,12) continua sendo um sinal e um apelo capaz de despertar em nós a humanidade adormecida, a bondade entorpecida e a solidariedade enrijecida. Não seria esse o jeito de Jesus de salvar a humanidade? Não seria pela sua fragilidade que ele dá força aos fracos? Não seria pela sua proximidade que ele reestabelece a paz? Não seria fazendo-se pequeno que ele revela a grandeza do ser humano?

Dom Itacir Brassiani msf

Bispo de Santa Cruz do Sul

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