A ONU incluiu o direito à
alimentação entre os Direitos Humanos (cf. artigo 25). É na perspectiva da luta
por esse direito, um dos mais violados, que publico aqui uma série de breves textos
sobre o escândalo da fome e o direito humano à alimentação. São informações e
reflexões que simplesmente traduzo e resumo do recente livro Destruction massive. Géopolitique de la faim, de Jean Ziegler, relator
especial da ONU para o direito à alimentação, de 2000 a 2008.
O livro foi publicado em outubro de 2011, pela editora
Seuil (Paris).
A compra de terras: alguns casos chocantes.
Com a explosão da crise alimentar em 2008, vários
países economicamente ricos mas pobres em termos de terras (como os paíes do
Golfo Pérsico e alguns países com alta densidade populacional, como China e
Índia), começaram a comprar ou arrendar grandes quantidades de terra de outros
países, para garantir provisões de alimentos (cereais ou carnes) e evitar a
excessiva dependência frente à flutuação dos mercados e responder a uma
crescente demanda interna.
Depois de 20 anos de guerra pela emancipação e mais de
1 milhão de mortos e mutilados, o novo Estado do Sul Sudão veio à luz no
dia 9 de julho de 2011. Mas antes mesmo de nascer o país, a administração
provisória vendeu ao truste agroalimentar texano Nile Trading and Developement Inc. 600.000 hectares de terras
aráveis (1% do território nacional!) a um preço que desafiou toda a
concorrência: 25.000 dólares (3 centavos por hectare!). E a empresa tem ainda uma
oferta de mais 400.000 hectares...
Vejamos o caso de Camarões, um dos países mais
corruptos da África. A empresa Sosucam, que pertence à francesa Alain Vilgrain,
possui milhares de hectares de terra em Camarões, à base de um contrato
assinado em 1965 e em 2006, por 99 anos. A empresa indenizou as famílias
prejudicadas (em torno de 6.000 pessoas), pagando o equivalente a 5,00 euros
por ano! Apenas 4% dos empregados da empresa vêm das famílias desalojadas, e os
que nela trabalham não recebem o suficiente para sobreviver com um mínimo de
dignidade.
Outra situação ilustrativa é a que ocorre em Benin.
A maioria dos 8 milhões de habitantes do país são pequenos e médios
agricultores, com propriedades de até 2 hectares. 1/3 da população vive na
pobreza extrema, com menos de 1,25 dólar por dia. A subalimentação tortura 20%
das famílias. Para não morrer de fome, muitos venderam suas terras por pouco
mais que nada. Ao invés de investir na agricultura de sobrevivência, o governo
optou por importar arroz da Ásia e trigo da Nigéria e entregou parte das terras
e portos aos ‘investidores’ estrangeiros.
Com a construção da grande barragem de Diama, o Senegal
ganhou dezenas de milhares de hectares de terra agricultável e criou os GDS
(Grands Domaines du Sénégal), que foram entregues ‘de mão beijada’ aos
estrangeiros: qualquer empresa estrangeira pode se apossar de 20.000 hectares
de terra ou mais, desde que tenha boas relações com o governo. A concessão é
feita por 99 anos, e os ‘investidores’ estão livres de todos os impostos. Em
torno de 98% da produção dos GDS é destinada à exportação. Poucos são os
empregados oriundos da população nativa. E os ‘investidores’ dizem que não é
verdade que não pagam impostos: o governo senegalês cobra impostos sobre os
(magros) salários que os trabalhadores recebem... (p. 311-325)
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