Os cruzados haviam armado o cerco ao
redor da cidade egípcia de Damiela. No ano de 1219, em pleno assédio, o frei
Francisco se livrou do seu exército e se pôs a caminhar, descalço, sozinho, até
o bastião inimigo.
O vento varria a terra e batia a túnica
cor-de-terra daquele anjo torto, caído do céu, que amava a terra como se da
terra tivesse brotado.
De longe, o viram chegar. Disse que
vinha falar de paz com o sultão Al-Kamil. Francisco não representava ninguém,
mas a muralha se abriu.
A tropa cristã estava dividida em duas. Metade
achava que o frei Francisco estava louco de pedra. A outra metade achava que
era um bobo sem cura.
Tinha a fama de conversar com os
pássaros, de se fazer chamar de menestrel
de Deus, de pregar e praticar o riso e recomendar aos seus monges: “Evitem
parecer tristes, sisudos, hipócritas.”
Dizia-se que em seu pomar, no povoado de
Assis, as plantas cresciam ao contrário, com a raiz para cima. E se sabia que
ao contrário era a sua opinião sobre tudo.
A guerra, paixão e negócio dos reis e
dos papas, servia, segundo ele, para conquistar riquezas mas não servia para
conquistar as almas. E as cruzadas eram feitas para submeter os muçulmanos, e
não para convertê-los.
Movido pela curiosidade, ou sabe-se lá
por quê, o sultão o recebeu. O cristão e o muçulmano não cruzaram armas. Cruzaram
palavras. Durante o diálogo, Jesus e Maomé não concordaram. Mas se escutaram.
(Eduardo Galeano, Espelhos, L&PM, 2008,
p. 77-78)
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