O
Menino Deus garante a Paz para todas as criaturas.
(Is
9,1-6; Sl 95/96; Tt 2,11-14; Lc 2,1-14)
Percorremos o processo de quatro semanas vigiando,
preparando, escutando e agindo. O dia chegou e estamos com o coração leve e
aberto. Com os olhos limpos e os ouvidos abertos, estamos prontos/as a
reconhecer e acolher a Presença de
Deus que se manifesta do seu próprio jeito: na carne humana, nas estrebarias e
periferias... No silêncio de uma criança que nos olha nos olhos e desperta em
nós o que há de mais nobre: a capacidade de se enternecer e de cuidar; a
generosidade de fazer-se dom e presente; o dinamismo que rompe com a tendência
de fechar-se em si mesmo/a e na fugacidade do presente. Uma alegria inefável
brota do encontro com a fineza de um Deus que se revela definitivamente amigo e
benfeitor – filântropo diz Paulo – de todas as criaturas.
“Ele
se entregou por nós para nos resgatar de toda iniquidade...”
Um certo clima natalício envolve a todas as pessoas, e
isso não vem apenas da publicidade que tenta vender tudo e todos/as. De repente
redescobrimos o prazer da gratuidade, a alegria da simplicidade, o gosto da
amizade. Trocamos cartões um pouco antiquados e mensagens high-tech. Gastamos um pouco daquilo que não está sobrando para
comprar presentes bonitos e simples. E expressamos despudoradamente nosso
agradecimento pelos pequenos dons e calorosos abraços que recebemos.
É o espírito do
natal que toma conta de nós. Parentes que passam o ano distantes,
envolvidos e ocupados com coisas muito e menos importantes acham um jeito de se
encontrar. As refeições costumeiramente feitas às pressas, pressionadas pela
ditadura dos deveres com horas marcadas, ocupam um tempo nobre nessa noite. E
somos capazes até de repartir algum alimento com os mais pobres, sem ficar esperando
pela sobra ou pelo toque da campainha.
As mensagens
querem lembrar aquela notícia primeira que ecoou na fria noite dos campos de
Belém: “Eu anuncio para vocês uma boa notícia que será uma grande alegria para
todos...” Os presentes ajudam a não
esquecer o presente maior de um Deus “que se entregou a si mesmo por nós”, que
é Dom e Presença no meio de nós. E os encontros
e visitas exprimem a visita definitiva de Deus que vem ao nosso encontro,
irmão entre irmãos, hóspede querido e membro pleno da família humana.
“E
isto vos servirá de sinal...”
O nascimento de Jesus ocorre no mundo dos pobres, à margem dos poderes romanos e judaicos,
na periferia daquele mundo que
pregava uma paz sustentada pelo medo. Os decretos oficiais põem José e Maria outra
vez na estrada: garantem a cobrança dos impostos mas não tiram a Família de
Nazaré da sua pobreza. Maria e José percorrem um caminho em direção às raizes das
esperanças populares e messiânicas: a família e origem do pastor Davi.
Enquanto o poder de César Augusto empurra a Sagrada
Familia para a margem e o desconforto, os proscritos pastores dos arredores de
Belém fazem desta familia o centro para onde converge sua atenção e no qual repousa
a esperança que os encoraja e alegra. Naquela
estrebaria ignota há mais luz que no brilho de Jerusalém e na sabedoria da Lei.
Os mensageiros de Deus não estão presos ao Templo, mas juntos àqueles que,
estando longe de tudo, vigiam os rebanhos, inclusive à noite.
A boa notícia, motivo da alegria à qual são convidados
os pobres de todos os tempos, anuncia que nasceu Salvador na “periferia do
mundo”. Os anjos fazem referência ao sinal de que isso aconteceu: um bebê deitado numa cocheira para animais,
envolto em pobres panos. O sinal
da “grande alegria para todo o povo” não são os anjos, nem a luz que os
envolve, nem a música melodiosa que ressoa no céu: é a fragilidade de uma criança, acolhida por um casal migrante, dada à
luz por um casal pobre e fiel que se colocou à escuta e à disposição de Deus e
sua vontade.
“O
chicote dos capatazes tu quebrastes...”
Para aqueles/as que crêem, o nascimento de Jesus é mais que um acontecimento do passado. Não
se resume também a uma revelação que aponta para uma dimensão “sobrenatural” da
vida ou a para um evento que tem sentido
apenas para a vida privada. Com a ajuda
do profeta Isaías, descobrimos que a encarnação do Filho de Deus refulge como uma
luz para quem caminha na escuridão, como a alegria da colheita para os
camponeses, como a vitória dos fracos sobre o medo e a violência. O Natal é a
passagem da opressão à liberdade, do medo à confiança, da dependência à
emancipação.
A imagem da fogueira
é muito sugestiva. Isaías imagina o povo reunido ao redor de uma grande fogueira,
celebrando a quebra da vara com a qual os senhores
batiam nos escravos. Nessa mesma fogueira são queimados os unifomes e botas dos
soldados, manchados de sangue e
violência. É uma festa para saudar a Paz
duradoura que chega com o fim da
opressão. “Porque nasceu para nós um menino... Ele se chama conselheiro
maravilhoso, Deus forte, Pai para sempre, Príncipe da paz...”
“E na
terra, paz aos que são do seu agrado...”
O romantismo e a beleza da música nos envolve e nos
inspira: “Pobrezinho nasceu em
Belém. Eis na lapa Jesus, nosso bem. Dá-nos paz, ó Jesus!” O
natal é a festa da paz. Paz entre as nações. Paz entre as Igrejas. Paz nas
comunidades. Paz entre nas famílias. Paz na relação entre os seres humanos e as
demais criaturas. Paz entre o céu e a terra. Paz onde há guerra e paz onde
falta confiança, no norte e no sul, no oriente e no ocidente. Paz e
reconciliação entre alma e corpo, entre fé e vida...
O papa Paulo VI já ensinava que o novo nome da paz é
desenvolvimento, e Bento XVI nos lembrou recentemente que a superação da
pobreza através da justiça e da solidariedade é o caminho imprescindível para a
paz. É um escândalo que muitos recursos materiais e humanos, subtraídos dos
projetos de desenvolvimento dos povos, continuem sendo empregados em armamentos
e despesas militares. Infelizmente, a velha guerra fria deu lugar ao confronto
entre Ocidente e Oriente Médio.
Mas os povos originários latinoamericanos nos ensinam
sabiamente que a paz não pode ser reduzida ao equilíbrio de forças políticas ou
a um mero sentimento interior. A paz é coração da ancestral utopia do bem
viver, que se concretiza na harmoniosa e equilibrada convivência da pessoa com
suas dimensões de interioridade e exterioridade, das pessoas entre si e da
sociedade humana com a natureza. O bem ou o mal de uma espécie ou uma parte é
sempre o bem ou o mal do conjunto como um todo.
“E
para a paz não há limites...”
Dos centros de poder
mais cedo ou mais tarde se expandem crises perseguções. O caminho da paz
passa por Belém, pela estrebaria, pela manjedoura. É para lá que apontam os
anjos e é nessa direção que seguem os pastores e os magos. O caminho da paz
passa pela solidariedade com os pobres, pela recuperação das virtudes humanas
mais fundamentais como a hospitalidade, a solidariedade, a ternura, o cuidado
com os mais frágeis.
A paz que não tem fim passa também pela comunidade
eclesial. Nela nos encontramos com pessoas diferentes, descobrimos que somos
membros diversos num único corpo e escutamos a Palavra sempre viva e criadora
de Deus. Uma Palavra que nos confirma como filhos e filhas que jamais perdem
essa dignidade. Uma Palavra que nos ajuda a compreender sempre de novo que a
divindade se esconde na humanidade e com ela se identifica.
O caminho da paz efetiva passa hoje também por um consumo moderado, tanto de comida e
bebida como dos recursos não renováveis. Quantas famílias despertarão na manhã
do dia de natal com a dolorida notícia da morte de um amigo ou parente,
provocada pela irresponsabilidade de alguém que consumiu bebida demais?... E o
que dizer das monstanhas de material descartável, restos de um natal mal entendido,
jogados por todos os lados?
“Pois
a graça salvadora de Deus manifestou-se a toda a humanidade.”
Deus Menino, vivo na nossa frágil carne, filântropo do
gênero humano: viemos te procurar e te encontramos repousando sob o olhar
humano e cuidadoso de um casal humilde e surpreso. Parece-nos que te faltam tantas
coisas, mas nos ensinas o que é bem viver. Por
isso, nos resta apenas trocar presentes: tu nos dás a felicidade, a dignidade e
a solidariedade que há muito perdemos nos corredores dos shopings, e nós te
oferecemos a palha da nossa pequenez, a luz do nosso olhar e o calor que ainda
resta nas nossas entranhas e no meio das pessoas que amamos. Acolhe, Jesus,
nossos dons. Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf
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