A
globalização precisa ser governada!
No Documento “Por uma reforma
do sistema financeiro e monetário internacional na perspectiva de uma
autoridade pública de competência universal” o Pontifício Conselho Justiça e Paz (PCJP) discute causas,
responsabilidades e soluções para a grave crise econômica e financeira que
abate países e povos. Segundo este Pontifício Conselho, a causa principal e
mais geral desta crise é a ideologia do mercado, que propugna uma economia sem
regulamentação, submetida apenas aos interesses dos seus agentes mais fortes.
Tomando consciência do intenso
processo de unificação, interdependência e globalização então em curso, já em
1963 o Papa João XXIII sublinhava a necessidade de organizar uma política em
âmbito mundial orientada à busca do bem comum universal, cuja
consequência lógica seria uma autoridade pública mundial (cf. Pacem in terris, 70-74). Depois de 50
anos e frente ao consolidaddo fenômeno da globalização e à necessidade de
garantir os bens coletivos e construir um sistema econômico e financeiro
realmente livre, estável e a serviço da vida dos povos, esta autoridade parece mais que urgente.
O fato é que as economias
nacionais perderam sua autonomia e são radicalmente interdependentes. Os
governos dos países economicamente mais fracos não podem fazer outra coisa que
se submeter às pressões dos conglomerados industriais, comerciais e financeiros
e às regras dos organismos que representam seus interesses. Quem hoje se opõe à
postulação desta autoridade pública
mundial chamando a atenção para a complexidade desta tarefa, defende de
forma inconsciente ou interesseira a autoridade
inapelável do mercado, ou seja, dos agentes econômicos e financeiros que o
controlam. Uma autoridade pública mundial
é a necessária expressão no plano político da interdependência que existe no
plano dos fatos.
Considerando que a
interdependência dos estados e povos é um fato e que as crises são sistêmicas e
penalizam os atores mais fracos, parece claro que as respostas e iniciativas para
vencer a crise não podem ser apenas setoriais e isoladas. A autoridade pública mundial proposta pela
PCJP (e por muitas outras vozes autorizadas de diversas áreas do conhecimento)
teria como tarefa fundamental garantir a
realização do bem comum mundial e precisa dispor de instituições e
mecanismos adequados e eficazes para esse fim. Não pode ser uma autoridade
simplesmente moral, sem meios para fazer valer seus princípios e metas.
Esta ousada proposta supõe uma
mudança radical naquilo que se convencionou chamar de “pensamento único” ou
“idolatria do mercado”: a primazia não cabe à economia mas à política, e ambas
se submetem à ética. O texto do PCJP diz claramente que, neste processo de
criação de uma autoridade pública mundial
é preciso “recuperar o primado do espiritual e da ética e, com estes, o primado
da política sobre a economia e as finanças”, levando estas últimas aos limites
da sua própria razão de ser: servir o conjunto da sociedade (p. 33).
Uma autoridade planetária não
pode ser imposta pela força, mas deve ser expressão de um acordo livre e
compartilhado, resultado de um processo de maturação progressiva da consciência
e da liberdade dos povos e nações. Neste processo, não podem ser considerados
supérfluos elementos como a confiança recíproca (hoje exigida com exclusividade
pelo mercado), a autonomia (reinvidicado hoje exclusivamente pelo capital) e
participação (relegado ao lixo das inutilidades).
É evidente que uma autoridade pública mundial deve ser
também super partes: deve estar acima
das visões parciais e dos interesses particulares de algumas classes e nações e
colocar-se a serviço do bem de todos os povos. Suas decisões não podem ser o
resultado da prevalência do poder dos países economicamente mais ricos sobre os
países mais pobres (como acontece com os organismos multilaterais como FMI,
OMC, Banco Mundial, etc.), mas devem ter em vista o bem comum universal.
Consequentemente, na sua
própria composição, esta autoridade mundial
deve envolver de forma coerente e justa todos os povos e nações. Esta
espécie de “comunidade de nações” só poderá se sustentar sobre o reconhecimento
e o respeito da diversidade dos povos em termos de cultura e de recursos
materiais e espirituais. Estes contribuirão com seu próprio patrimônio cultural
e civilizatório. Mas esta autoridade será absolutamente inócua se não dispor de
mecanismos efetivos para garantir a primazia do bem comum mundial sobre o interesse predatório de alguns países ou
grupos econômicos e financeiros.
Itacir Brassiani msf
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