A ONU incluiu o direito à
alimentação entre os Direitos Humanos (cf. artigo 25). É na perspectiva da luta
por esse direito, um dos mais violados, que publico aqui uma série de breves
textos sobre o escândalo da fome e o direito humano à alimentação. São
informações e reflexões que simplesmente traduzo e resumo do recente
livro Destruction massive. Géopolitique de la
faim, de Jean
Ziegler, relator especial da ONU para o direito à alimentação, de 2000 a 2008.
O livro foi publicado em outubro de 2011, pela editora
Seuil (Paris).
Agrocombustíveis: nova expressão do velho
colonialismo.
A maldição do ‘ouro verde’ deixa hoje suas vítimas nos
países da Ásia, da África e da América Latina. Por todo lado, a concentração de terras nas mãos das
multinacionais do etanol vem acompanhada pela violência. Sob uma fachada de
‘economia verde’ esconde-se o velho e violento colonialismo. Sob pressão das
empresas multinacionais e organismos multilaterais, os países pobres, um depois
do outro, vendem ou cedem gratuitamente suas terras aos trustes que dominam a
produção e o comércio dos agrocombustíveis.
A Colômbia é o 5° maior produtor de
óleo de babaçu do mundo. 30% da produção é exportada. Um hectare de palma
produz 5.000 litros de agrodiesel. Em 2005, a Colômbia tinha 25.000 hectares de
plantação de babaçu. E essa atividade vem sempre acompanhada pela apropriação ilegal de terras, pelo
despejo de agricultores, por assassinatos seletivos. Entre 2002 e 2007, mais de
13.000 pessoas (das quais, 1.314 mulheres e 719 crianças) foram mortas ou
‘desapareceram’.
O governo da Angola anunciou recentemente a
destinação de 500.000 hectares de terra ao cultivo de agrocombustíveis, uma
iniciativa que acompanha a expansão da monocultura da banana, dominada por
empresas multinacionais. Em 2009, a companhia estatal de energia de Angola
plantou 30.000 hectares de cana de açúcar, e a empresa portuguesa Gleinol
plantou outros 13.000. Empresas multinacionais acorrem apressadamente ao país.
O governo de Benin anunciou a oferta de 400.000
hectares de terras úmidas do seu território para a plantação de babaçu. Mesmo
sendo uma planta originária das terras úmidas, a palmeira monocultivada acabará
drenando amplas áreas que hoje abrigam uma grande biodiversidade.
O Congo abriu suas portas a algumas
empresas chinesas, que projetam cultivar mais de 1 milhão de hectares com fins
energéticos. A Etiópia colocou 1,6 milhão de hectares de terra à disposição
dos investidores que querem plantar cana e babaçu. Uma multinacional saudita é,
sozinha, proprietária de mais de 10 milhões de hectares de terras férteis da
Etiópia.
No Kênia, a empresa japonesa Biwako Bio-Laboratory projeta plantar
100.000 hectares em vista da produção de agrocombustíveis. A companhia canadense
Bedford Biofuels já planta com esta
finalidade 160.000 dos 200.000 hectares que possui no Kênia.
Em 2008, o presidente de Madagascar assinou um
acordo (posteriormente anulado) com a multinacional Daewoo, cedendo a ela gratuitamente, por 99 anos, 1 milhão de hectares agricultáveis para
a produção de biocombustíveis. A contrapartida da empresa consistia unicamente
na construção de estradas, armazéns e canais de irrigação...
“Os agrocombustíveis provocam catástrofes sociais e
climáticas. Eles reduzem a área de produção de subsistência, destroem a
agricultura familiar e, assim, contribuem
para agravar a fome no mundo. Esta atividade polui o ar, emitindo dióxido
de carbono em grande quantidade, e consome um elevado volume de água potável.
Não há dúvidas de que o consumo de energia fóssil deva ser reduzida de forma
rpida e massiva. Mas a solução não está
na produção de agrocombustíveis, mas antes na economia de energia e nas
energias alternativas, como a energia eólica e a energia solar” (p. 283-284).
“Produzir
combustíveis com alimentos é um crime. (...) Num planeta no qual a cada
cinco segundos uma criança com menos de 10 anos morre de fome, comprometer
terras de subsistência e queimar alimentos para produzir combustíveis é um crime contra a humanidade” (p. 284).
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