Deus dispersa as pessoas
orgulhosos e eleva as humildes!
(Br 5,1-9; Sl 125/126; Fil 1,4-11; Lc
3,1-6)
O Advento não é um simples tempo espera.
Ele sugere mudanças. A liturgia do segundo domingo nos convida a olhar para as
experiências dos nossos antepassados e celebrá-las como próprias, em vista de
uma escuta atenta e responsável: “Que o amor de vocês cresça em perspicácia e
sensibilidade... Preparem o caminho!... Endireitem suas estradas!...” Recordando
o marcante e promissor evento do êxodo, o dia em que Deus mudou a sorte do
seu povo, testemunhamos: “Parecíamos sonhar: a nossa boca encheu-se de riso e a
nossa língua de canções.” Mas nossa atenção é requisitada pelo presente e
exclamamos: “Que Javé mude a nossa sorte, como as torrentes do Negueb!” A profética
convicção de que o lobo e o cordeiro pastarão juntos nos convoca a práticas concretas de mudança, a fim de que as pessoas
humilhadas sejam elevadas. Um bom começo e uma ótima base é a aceitação dos
direitos humanos como deveres em relação às pessoas e a todas as demais
criaturas.
“Tira tua roupa de luto e humilhação!”
O profeta Baruc levanta sua voz num
tempo difícil. O povo hebreu vivia disperso e inserido numa cultura hostil. A
capital era um monte de escombros e o templo estava em ruínas. A nação como tal
não existia mais. Era um tempo de luto e de lamentação, sem esperanças, como é
hoje a situação dos palestinos na Faixa de Gaza. Neste contexto, as palavras do
profeta soavam como um delírio:
“Jerusalém, tire a roupa de luto e aflição e vista para sempre o esplendor da
glória que vem de Deus. Vista o manto da justiça de Deus e a coroa gloriosa do
Eterno...”
Nossa fé não pode ignorar ou
enfeitar docemente a dura realidade na qual estamos inseridos/as: o inaceitável
aumento dos famintos, apesar das metas do
milênio; a continuidade de muitas guerras fratricidas, especialmente na
África e no Oriente Médio; a eterna violência nos morros do Rio e agora na
antes tranquila Santa Catarina; as medidas recessivas e socialmente nefastas
dos governos europeus e a violência contra os guarani-kaiowá...
“Veste o manto da justiça que vem de Deus!”
Mas este tempo de luto e de aflição
é apenas o nosso o ponto de partida. Ele esconde no próprio ventre sementes que
pedem para germinar e transformarão os desertos em jardins. A gestação da nova humanidade e da nova criação é compromisso firmado pelo
próprio Deus e começa com o reconhecimento das nossas responsabilidades pelos
males que agridem suas amadas criaturas. A fidelidade amorosa de Deus nos ajuda
a reconhecer, sem escrúpulos nem disfarces, nossa colaboração com a feiúra do
mundo, por pensamentos, palavras, atos e
omissões.
Mas é o próprio Deus e sua Palavra
que nos animam, orientam e sustentam. Ele nos batiza com novos nomes: Paz da Justiça e Glória da Piedade. Ele nos convoca a escalar os muros e, de cima
deles, olhar em todas as direções e contemplar
um povo novo que vai sendo reunido com gente que vem de todos os lados. Ele
abre nossos olhos para que sejamos capazes de reconhecer o esplendor e a
dignidade de cada uma das suas criaturas, começando pelas menos apreciadas. Se
todas elas estão vestidas com o manto da justiça de Deus, quem somos nós para
despi-las de sua própria dignidade?
Isso significa que está em curso um amplo, profundo e
misterioso processo de gestação e de mudança, de dispersão dos orgulhosos e
de libertação dos humilados. O que é preciso é assumi-lo e cuidar dele como a
mãe cuida da criatura que carrega no seio, que depende dela mas não é sua
propriedade. Importa ajudar Deus na tarefa de rebaixar colinas e aterrar vales,
de aplainar o chão para facilitar seu crescimento e sua caminhada. Sem esquecer
de plantar árvores aromáticas para aumentar seu prazer...
“Preparai o caminho do Senhor!”
Aqui entra a relevância da atividade
e das palavras proféticas de João Batista. Ele sabe que é apenas o precursor de
Algo melhor e de Alguém maior que ele. Sua missão transcorre num tempo em que
coexistem e se articulam os poderosos da Judéia, de Roma e do Templo. Ele rompe
com Jerusalém, capital da terra prometida que acabara tornando-se centro de
opressão, e se retira para o deserto, lugar da impotência, da resistência, do
êxodo e da transformação profunda.
É a radicalidade profética de João
Batista que o faz grande, maior que os maiorais do seu tempo. Convicto de que o tempo estava maduro para mudanças
profundas e amplas, ele convoca seu povo a arregaçar as mangas: “Preparem o
caminho do Senhor, endireitem suas estradas!” A principal medida para preparar
o caminho era endireitar as sinuosas curvas construídas pelos doutores da lei.
Estas curvas dificultavam ou impediam aos mais pobres e humildes o acesso à
salvação, ou seja, ao reconhecimento da sua humana dignidade e dos seus direitos mais
elementares.
João Batista anuncia que Deus está comprometido neste trabalho e faz a
sua parte. Ele aterra os vales, aplaina as colinas, endireita as curvas e
tapa os buracos. Em outras palavras: Deus vê a humilhação do seu povo, estende
sua misericórdia a todas as gerações, derruba os poderosos e eleva os humildes
(cf. Lc 1,48-55). As imagens da colina
e do vale são uma clara referência
aos grandes ou poderosos e aos pequenos
ou humildes. E esta ação
revolucionária Deus a vem desenvolvendo desde sempre, e prossegue ainda hoje,
apesar do teimoso e comprometedor esquecimento das Igrejas.
“Endireitai as veredas para ele!”
Horizontes amplos e utopias de
grande alcance são importantes. É absolutamente necessário perceber que o universo inteiro aspira e conspira para
que a vida seja possível e abundante. O saudoso Dom Helder dizia que é preciso
sonhar como os pássaros: eles se enamoram das estrelas e voam em direção a elas
até caírem mortos. E Eduardo Galeano ensina que, afastando-se de nós na mesma
medida em que delas nos aproximamos, as utopias cumprem o papel essencial de nos
manter na caminhada.
Mas as utopias também e sempre nos
chamam à conversão, a mudanças profundas e concretas no modo de viver. João
pregava “um batismo de conversão para o perdão dos pecados”. Esta conversão
começa com mudanças no modo de ver a
vida – esta é mais dom e graça que posse e consumo! – mas precisa ser traduzida em práticas concretas e cotidianas nos níveis
pessoal, familiar, comunitário e societário. E não se trata de acrescentar
coisas e atividades, mas de reduzi-las e focalizá-las.
O que fazer concretamente para que o
povo humilhado seja exaltado? Levando em consideração a Conferência
Rio + 20 sobre o clima, mas sem pretensão de ser exaustivo, podemos
exercitar um novo estilo de vida:
consumo crítico de bens e comércio solidário; redução de necessidades e de
consumo; descarte seletivo e utilização de material reciclado; consumo de
alimentos orgânicos; consumo responsável de água e luz; uso de meios públicos
de transporte; cultivo de relações pessoais não-violentas; acolhida e
valorização do outro como diferente; diálogo ecumênico; e assim por diante.
“E todos verão
a salvação que vem de Deus.”
E por falar em diálogo e cooperação
ecumênica, uma esperança que atravessa sutilmente a história do povo hebreu e
ressoa em João Batista
é exatamente esta: todos os homens e
mulheres, independente de condição social, origem étnica, nível de estudo, cor
de pele, convicção política ou pertença religiosa experimentarão a salvação,
alcançarão a plena realização na liberdade. A dignidade e a plenitude humanas
não são garantidas pela raça, estudo, gênero, riqueza ou religião, mas pelo
próprio Deus.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (10.12. 1948) é a versão
civil e moderna desta convicção, fundamental ao cristianismo. E a festa da
Imaculada Conceição (08.12) nos é proposta como lembrança de que é Deus que, em
sua benevolência infinita e universal, nos torna bons e justos/as, acolhendo e
elevando nossa pequenez e mantendo a todo custo nossa abertura ao que virá. No
espírito do Advento não há lugar para fundamentalismos ou triunfalismos. Tudo é
escuta, resposta e mudança.
“Que o amor de vocês cresça ainda e cada vez mais.”
Deus querido, pai e mãe que amas e elevas os humilhados: ajuda-nos e
acolher e viver o espírito do Advento, melhorando nosso viver de modo corajoso
e radical. Que nossa fé e nosso amor cresçam e amadureçam em concretude e
perspicácia. Que tuas Igrejas e cada um/a de nós se dedique mais a abrir portas
e janelas que em erguer muros; mais a elevar as pessoas humilhadas que a construir
torres; mais na abertura de caminhos de encontro que em formular dotrinas que
produzem desencontros. E assim estaremos preparando entre nós um lugar para o
teu Filho. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani
msf
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