Ele enche a mesa dos
famintos e pede que os ricos esperem!
(Sf 3,14-18; Is 12,2-6; Fil 4,4-7; Lc
3,10-18)
Chegamos à terceira semana do
Advento. Menos de dez dias nos separam do Natal. O comércio segue com sua
atividade frenética e quer nos envolver por todos os lados e nos interpelar de
todas as formas. Mas nós continuamos com o desejo de preparar o Natal de um modo mais cristão. Sonhamos com um tempo
em que a a mesa dos famintos seja farta e a alegria não seja apenas uma promessa
embutida no consumo desenfreado. Nosso desejo é ajudar a constuir um mundo no
qual o maior presente seja nossa presença inteira, intensa e solidária junto às
pessoas que amamos e àquelas que mais necessitam de nós. Aspiramos por notícias
boas e verdadeiras, que tragam alegria para todos. Eis nossa esperança mais
genuína: que quem tem mais não se incomode em dar a preferência a quem sempre
teve que esperar. Mas, para não enganar ninguém, esta esperança precisa passar
por práticas concretas e cotidianas: repartir generosamente e agir
responsavelmente, para que nossa alegria seja verdadeira e duradoura.
“Não vos preocupeis com coisa alguma.”
Escrevendo aos cristãos filipenses,
Paulo pede que eles não se deixem inquietar por nada. Em primeiro lugar, porque
o Senhor está próximo, tanto em
termos de tempo como de espaço. E também porque, mediante a oração, podemos
apresentar a Deus todas as nossas necessidades, certos de que ele as acolhe. A
oração é o espaço dialogal que nos ajuda a fugir do sufoco das necessidades
imediatas e a descobrir aquilo que é verdadeiramente essencial e indispensável
para viver.
Portanto, não nos deixemos inquietar
pelos presentes que ainda não compramos, pela decoração natalina que ainda não
fizemos, pelas provisões de comida e de bebida que ainda não providenciamos.
Nossa vida não depende unicamente disso. E o Menino Deus não nos visita apenas
guiado pelas luzes coloridas que piscam como falsas estrelas. A alegria
verdadeira, que coincide com nossa plena realização humana, passa por outros
caminhos. E, geralmente, esses caminhos atravessam desertos...
“Que devemos fazer?”
João Batista nos espera no deserto
para nos falar em nome de Deus. Não somos as únicas pessoas que ousamos fazer
este caminho de simplificação e de verdade. Uma pequena multidão rodeia o
profeta e escuta sua pregação clara como um sino. Muitos são publicanos ou
soldados a serviço do império. “O que devemos fazer?” Esta é a pergunta que
borbulha no fundo do nosso ser. E a resposta mostra uma direção: “Quem tiver
duas túnicas, dê uma a quem não tem. E quem tiver comida, faça a mesma coisa.”
Será que entendemos? O que temos a
fazer não é comprar roupas novas, nem
de fazer reserva de comida! Trata-se de repartir
o que temos com quem tem menos do que nós ou passa necessidade. Trata-se
mais de despertar o brilho nos olhos de
quem não é tratado/a como gente que de acender luzes e estrelas
artificiais. Não seria este o modo de rebaixar as montanhas de bens que se
acumulam injustamente nas mãos e armazéns de alguns à custa da carência de
muitos? Não seria este o melhor jeito evitar as curvas que fazemos para não ver
os empobrecidos e miseráveis cara a cara?
Cobradores de impostos e soldados
romanos, como outros tantos desprezados, também querem aplainar o caminho da
própria vida. E a resposta daquela Voz que clama no deserto é clara e certeira:
não cobrar nada além da taxa estabelecida; não maltratar ninguém; não fazer
acusações falsas; contentar-se com o justo pagamento. Estes são apenas alguns
exemplos, convites para que estabeleçamos aquilo que podemos e devemos fazer
para que as mesas vazias se encham de pão e de beleza e a alegria seja
universal, verdadeira e duradoura.
“Seja a vossa
amabilidade conhecida de todos!”
É verdade que somos chamados a ser
sal que se esconde na comida e luz que não chama a atenção sobre si mesma mas
para a ação libertadora de Deus no mundo. Como a de João Batista, nossa vocação é de contribuir para que
Cristo cresça e nós mesmos/as diminuamos. Devemos fazer tudo o que está ao
nosso alcance e depois dizer, convictamente: “Somos apenas servos/as, nosso
trabalho é dispensável.”
Mas, depois de pedir que os cristãos
filipenses façam as pazes na comunidade, Paulo pede que a bondade dos cristãos seja notada por todos. Ou seja: nossa
preparação para a celebração do Natal deve ser perceptível aos olhos das
pessoas que não seguem Jesus Cristo na prática
cotidiana, mesmo sendo cristãos de nome. Esta bondade inerente ao ser
cristão há de ser visível em nosso modo de celebrar, nas relações familiares e
com a vizinhança, no nosso posicionamento diante das grandes questões da
humanidade em cada momento histórico.
Nossa bondade e inteligência de
matiz cristão devem se mostrar, por exemplo, na nossa atitude diante da questão
da fome no mundo. A fome que fere povos inteiros hoje não é causada pela falta
de alimentos mas pela falta dinheiro para comprá-los. A FAO estima que, para
diminuir pela metade o número de famintos até 2015, seriam necessários apenas 44 bilhões de dólares por ano. Os
países ricos gastaram entre 2008 e 2011, mais de 12 trilhões de dólares para
socorrer os bancos, enquanto bastaria 0,36% deste montante por ano para acabar
com a fome de de 1 bilhão de seres humanos.
“Clame e grite de alegria!”
Mas a nossa luta implacável contra o
paradoxo do esbanjamento de uns e a mesa vazia de uma multidão se reveste de
uma serena alegria. Mesmo quando levantamos a voz e marchamos pelas estradas e
avenidas, permanecemos vigilantes a fim de o que o ódio não destrua pela raiz o bem que queremos gerar. Deus age
na história desde sempre, e está claramente ao lado dos/as que sonham novos céus e nova terra, solidário com
aqueles/as que sofrem as consequências das injustiças. O coração de Deus bate
no interior de todos os movimentos de libertação, pertençam ou não ao
cristianismo.
É isso que faz ressoar a voz
profética de Sofonias: “Grite de contentamento... Alegre-se, Israel! Fique
alegre e exulte de todo o coração... Você nunca mais verá a desgraça... Não
tenha medo, Sião! Não se acovarde!” Sofonias diz que o próprio Deus está alegre
e contente com seu povo. Por causa do seu povo, que está longe de ser perfeito
e de viver tranquilamente, Deus dança de alegria e renova seu amor. E quer que
esta mesma alegria seja experimentada por todo o seu povo.
A palavra de Paulo vai na mesma
direção: “Fiquem sempre alegres no Senhor! Repito: fiquem alegres!” Certamente a alegria cristã é sóbria e inocente: não
é produzida pelo consumo exagerado de alcool, nem sustentada pelo dinheiro
acumulado mediante expropriação. É uma alegria experimentada no meio da ingente
luta para dar uma nova fisionomia ao
mundo, a partir da certeza de que já somos vitoriosos/as, pois vitoriosa é a
pessoa que rompe com a passividade.
“O povo estava esperando o Messias...”
Não nos dxeixemos algemar pela
pressa e pelas facilidades. O Reino de Deus não se constrói num passe de
mágica, nem aparece ostensivamente, em revoluções reais ou aparentes. O Reino
de Deus tem seu ritmo e seu tempo. É como a semente lançada na terra, que
germina, cresce e frutifica na estação propícia. É preciso dar tempo ao tempo.
Não podemos ceder a otimismos exagerados, protagonismos minoritários e alegrias
infundadas. E nem a passividades cínicas.
Diante do testemunho de coragem e de
despojamento de João Batista, assim como da sua mensagem clara e concreta,
muita gente se perguntava se ele não seria o Messias esperado. E ele faz
questão de deixar claro que o melhor
e o maior ainda está por vir. É
diante dele que se revelará o que é trigo bom e o que não passa de palha seca. É
diante do presépio e da cruz – da Palavra humanamente encarnada – que revelamos
o que realmente somos. Nós somos transitórios/as, e só ele e seu Reino permanecem.
“Louvai o Senhor, aclamai o seu nome!”
Deus próximo, pai-mãe amável e causa da nossa alegria! Te agradecemos
pelas palavras e pela direção claramente demarcada por João Batista. Ele nos
mostra por onde passa o caminho que enche de pão e de beleza a mesa dos
famintos. Ele nos ensina que Aquele que vem na humildade da estrebaria é o
único Senhor a quem devemos servir. Ele veio, vem e virá. Ele não é posse de
nenhuma igreja ou religião, e diante dele todos/as precisamos pedir licença até
para desamarrar suas sandálias. Por sua humildade, ele é grande em nosso meio, e
nada temos a temer. Nele todos/as podemos beber alegremente dignidade e
liberdade. Ajuda-nos, bom pai-mãe, a caminharmos alegres e serenos/as para o
Natal que se aproxima, mudando hábitos, abrindo nossas mãos solidárias, repartindo
sempre. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani
msf
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