A
Igreja da América mudou seu rumo?
Cardeal Marc Ouellet, presidente da PCAL |
Terminou hoje, em Roma, o
Congresso Ecclesia in America,
promovido pela Pontifícia Comissão para a
América Latina, com o apoio dos Cavaleiros
de Colombo. O evento teve como objetivo debater os caminhos da Igreja no
continente, quinze anos depois da publicação da exortação pós-sinodal a ela
dedicada.
A programação do dia constou
de três momentos: a) na parte da manhã, os participantes do Congresso
participaram da habitual audiência pública do papa Bento XVI; b) no início da
tarde, uma conferência sobre “Cenários e propostas para a comunhão e
colaboração entre as Igrejas do continente americano e para a solidariedade
entre os povos”, proferida por Dom Sean Patrick O’Malley OFM, cardeal arcebispo
de Boston e seguida de um breve debate;
c) no fim da terde, solene celebração em honra a Nossa Senhora de Guadalupe,
com o encerramento do Congresso.
Não participei da audiência
com o Papa. Penso que já o fiz suficientemente. E tenho minhas reservas. Além
disso, como comentou comigo Dom Leonardo (secretário da CNBB), precisamos nos
perguntar se é decente investir o precioso tempo de bispos e cardeais que
vieram das Américas passeando nos jardins do Vaticano e participando da
audiência (por maior que seja nosso respeito e nosso afeto para com o Papa). Certamente
há outras maneiras de expressar uma comunhão madura e equilibrada com o
responsável pela Igreja em sua dimensão universal...
A conferência do Cardeal Sean
Patrick O’Malley foi interesante, apesar dos limites de sempre. Ele foi mais
pastor que doutor. Começou contando duas anedotas sobre o Papa João XXIII, o
que assegurou interesse pela sua exposição. Partilhou alguns dados sobre a
realidade eclesial dos EUA: a Igreja norteamericana é, entre todas, a que tem o
maior número de diáconos permanentes; os EUA já são a quinta maior população de
língua hispânica do mundo; 50% dos católicos norteamericanos são de origem
latina, mas apenas 5% dos padres são latinos; há um convênio entre a
Conferência dos Bispos dos EUA e do México para a formação de padres mexicanos
para exercer o ministério nos EUA.
Cardeal Sean Patrick O’Malley (Boston) |
Entre os ganhos da reflexão
enumero: sua experiência afetiva e efetiva em projetos de colaboração entre as
Igrejas; sua sensibilidade para com o fenômeno na migração e sua visão crítica
sobre o way life norteamericano; o
chamado para que os bispos sejam a voz dos pobres e indefesos na busca dos seus
direitos; o apelo ao desenvolvimento de uma cultura de solidariedade na Igreja
e entre as Igrejas, em favor dos pobres. À luz da ceia e do lava-pés, o Cardeal
insistiu que na Igreja devemos deixar de brigar pelos primeiros lugares e
brigar para sermos os primeiros a pegar a toalha do serviço...
Mas ele também não conseguiu
fugir a alguns constatações e propostas que ressoaram como refrão durante os
três dias do Congresso: que o secularismo avança e ameaça a fé em todos os
continentes; que a corrupção é uma doença endêmica no mundo político; que a
cultura da morte ameaça a família edificada sobre a união de um homem e uma mulher
e a vida dos nascituros; que é necessário preparar leigos e leigas para a
atuação no meio político e no mundo das comunicações; que é necessário que as
Igrejas locais e seus organismos vivam e deixem clara sua plena comunhão e
unidade com o Papa.
Estes mesmos refrões foram
repetidos, às vezes com contundência, por cardeais, bispos, padres e leigos no
breve debate que se seguiu. Mas há um gritante silêncio em torno de algumas
questões. Praticamente ninguém tocou na crise alimentar, energética e econômica
que ameaça boa parte do planeta e do continente. Fala-se da corrupção como se
fosse um pecado apenas dos agentes políticos, mas omite-se os corruptores, que
são os agentes do mundo empresarial. Fala-se muito de secularismo e de relativismo,
mas silencia-se sobre o imperialismo econômico e financeiro. E o ecumenismo
parece uma palavra que desapareceu do dicionário da Igreja católica e das
preocupações dos pastores.
Eu o o Pe. Luis Carlos Moraes (MSC) |
Para mim foram preocupantes
algumas intervenções sobre necessidade de resgatar o caráter católico das escolas
e universidades, ou seja: transformá-las em instrumentos de catequese
doutrinação, especialmente nas questões relacionadas à família, ao sexo e à
reprodução da vida. O resto interessa menos ou nada. Não quero dizer que
família, aborto e eutanásia não sejam questões relevantes, mas gostaria que me
ajudassem a encontrar as passagens bíblicas que comprovam que essas foram
questões que mais ocuparam Jesus Cristo e que ele colocou como prioridade...
Tenho a nítida impressão que a
Igreja das Américas esqueceu sua história recente e perdeu seu rumo. A estratégica
traçada pelo presidente Reagan nos anos 80 parece ter dado certo. A teologia da
libertação foi amordaçada. Na ação pastoral, a agenda social deu lugar a uma
agenda moral. O pecado se deslocou das estruturas capitalistas para as Igrejas
evangélicas. Multiplica-se um clero centrado nos ritos, vestes e celebrações de
massa. As pastorais sociais só sobrevivem heróicamente e quase sem recursos
humanos e econômicos. A que serve discutir a colaboração intercelesial se não
temos mais um rumo que valha a pena?
Itacir Brassiani msf
Nenhum comentário:
Postar um comentário