Servir ao Evangelho a partir da encarnação
A palavra de
moda – e também a 'palavra de ordem' da hierarquia eclesiástica – agora é nova evangelização. Infelizmente o conceito corre o risco de ser
usado de forma indiscriminada e epistemologicamente irresponsável. Ou não é assim
quando as raízes do conceito são simplesmente cortadas, a referência ao
Evangelho original é ignorada e as nervuras do seu tronco são dissolvidas numa
gíria bem ao gosto dos gestores da instituição?
Já tive
oportunidade de expressar meu receio e minhas críticas em reiteradas
oportunidades, mas hoje volto à questão. E o faço com o objetivo de chamar a
atenção para a relação entre o Evangelho anunciado publicamente por Jesus nos
seus três anos de ‘apostolado’ e o Evangelho vivido e testemunhado por ele nos
30 anos de vida encarnada e escondida em Nazaré e na Galiléia. Nesta reflexão,
acolho e sigo as provocações de François
Pinot, no artigo ‘Avete detto: evangelizzare?’ (Omnis Terra, anno XXX, n°
133, p. 249-253).
No afã de ‘anunciar
o evangelho’ ou de ‘converter os não crentes’ (ou aqueles que crêem
diversamente) temos a tentação – e frequentemente caímos nela! – de esquecer
que não é bonito nem prudente se autoconvidar na casa das outros. Respeito e
prudência fazem bem também quando se trata de anunciar o Evangelho de Jesus, pois
fazer missão e anunciar o Evangelho sempre implica em entrar no espaço, na
cultura e na vida dos outros. E então o que precisamos é de uma atitude e de um
método que enfatize a atitude de colocar-se ao lado do outro, de aprender
pacientemente sua língua; de inserir-se na sua visão da vida humana e do mundo;
de assumir suas preocupações, interesses e interrogações; de compartilhar com
ele o pão e a festa...
A presunção, tão
ao gosto eclesiástico, de ser ‘mãe e mestra’ faz com que a Igreja se apresse em
ensinar doutrinas e ditar regras infalivelmente salvíficas sem mesmo conhecer
seus interlocutores e, menos ainda, sem interesse de aprender. Mas sem o
empenho concreto e paciente na vida cotidiana, a Igreja tem alguma chance de ser
escutada? Será que Jesus não tem outro ponto de partida e não faz um
percurso diferente? O que significam seus 30 anos de vida em Nazaré, seu
trabalho na carpintaria, sua participação na sinagoga local? Será que a própria
falta de referências bíblicas à infância, adolescência e juventude de Jesus não
é um chamado contundente para que a Igreja e seus agentes evangelizadores
procurem o caminho da assimilação do Evangelho na nossa própria história?
O silêncio das
escrituras sobre os 30 anos que precederam a plena dedicação de Jesus à sua
missão pública não quer colocar esta em questão, mas afirmar de modo
contundente que no centro do Evangelho e da nossa fé está um Deus encarnado. Estes
longos anos de sua vida simplesmente ordinária são simplesmente a vida e toda a
vida da maioria absoluta dos homens e mulheres em todos os tempos. Como anunciar
o Evangelho – seja o primeiro ou um novo anúncio – sem acolher este princípio
fundamental e sem respeitar este processo?
Creio que uma
evanglização nova – que não seja simplesmente uma segunda, saudosa e repetitiva
evangelização – passa pela descoberta e pela assimilação do caminho ou do ‘método’
de Jesus: ele começa e permanece longo tempo em Nazaré, compartilhando a vida
do seu povo, com suas interrogações, suas atividades ordinárias, suas dores dilacerantes,
suas lutas exigentes e suas utopias alentadoras. Para evangelizar de modo
cristão, precisamos sair para fora do nosso acampamento ou do nosso templo (cf.
Hb 13,13), dos limites que conhecemos e nos dão segurança, mas també podem ser
nossa viseira e nossa prisão, e viver a aventura de pedir licença para entrar
no mundo ou no acampamento dos outros, pedir que nos ensinem sua linguagem e seu
modo de crer e de viver.
Além disso,
penso que é muito problemático falar de uma nova
evangelização quando ainda estamos tentando balbuciar a ‘primeira
evangelização’, aquela que nos coloca em contato com os povos, nações,
civilizações e sociedades nas quais o Espírito de Deus já está presente e
ativo. Assim como a corajosa abertura do Paulo ao mundo não-judeu possibilitou
ao cristianismo nascente a descoberta de aspectos novos e essenciais do
Evangelho, precisamos manter hoje este diálogo a fim de enriquecer a vida
cristã com os elementos que as diferentes culturas nos oferecem, mesmo que não
tenham aprendido ou desejado pronunciar o nome de Jesus.
Temos necessidade
de ouvir e meditar o Evangelho integral para que ele nos torne humanos/as. E este
Evangelho não é simplesmente algo que possuímos e controlamos, mas um dom que
recebemos das gerações que nos antecederam e uma Palavra que os diferentes povos
e culturas vivem e nos anunciam hoje através de diferentes linguagens. Portanto,
não há evangelização sem escuta, sem acolhida e sem encarnação. Se a Igreja e
seus agentes partirem da pretensão de serem ‘mater et magistra’, começam errado
e o mundo terá todo direito de refutar seu anúncio.
Itacir brassiani
msf
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