Água, um elemento essencial para a vida
Esta afirmação é também o
título de um recente e interessante documento do Pontifício Conselho de Justiça e Paz (PCJP), publicado aos 18 de março de 2012. Mas não se trata de uma
afirmação de caráter moral carente de maior fundamentação teórica ou política.
Em 2010 a ONU reconheceu o acesso àgua
como direito humano pleno e essencial para o exercício do direito à vida e
de todos os direitos humanos.
Embora a grande imprensa
prefira abordar quase que exclusivamente a crise financeira, o acesso à água de
qualidade, com regularidade e em quantidade suficiente, é um problema que
atinge a metade da humanidade. Aproximadamente 1,9 bilhão de pessoas só têm
acesso a água insalubre e 3,4 bilhões utilizam água de qualidade duvidosa (84%
desta multidão vive na zona rural). Apenas 50% da população mundial tem acesso
à água potável em quantidade suficiente.
O que se constata é o
crescimento da demanda global de água, especialmente para a produção de bens de
consumo e, por outro lado, a carência e a diminuição crescente de
disponibilidade, inclusive por causa da poluição irresponsável. Ao mesmo tempo,
o processo de aquecimento global e as consequentes catástrofes climáticas (nada
naturais) coloca em risco os poucos recursos hídricos ainda disponíveis. Isso
torna a questão da segurança e da sustentabilidade dos recursos hídricos uma
tarefa urgente.
O PCJP alerta para os riscos
da hegemonia de uma visão mercantilista, que tende a reduzir a água a uma
questão comercial. “O caráter essencial da água para a existência humana obriga
a considerá-la não como um bem comercial qualquer” (p. 27-28). Uma visão
exclusivamente mercantil levaria a investimentos que garantem a água apenas à
parte da população que pode pagar pelo seu consumo. A água é um bem social
(comum), ambiental e econômico. Infelizmente, alguns Estados toleram ou
promovem iniciativas lesivas ao direito de acesso à água dos seus próprios
cidadãos.
Por isso, este organismo da
Igreja pede que o direito humano à água seja reconhecido, tutelado e promovido
pela ONU e por todos os Estados-membro. Como primeiros responsáveis, cabe aos
Estados nacionais definir critérios de qualidade e de quantidade para o consumo
de cada sujeito, assim como as instituições responsáveis pela efetivação desse
direito. E isso requer marcos legais que definam claramente este direito e são
as circunstâncias nas quais é possível denunciar o desrespeito e pedir
reparação (cf. p. 29).
O PCJP sublinha que o problema
do acesso universal à água é urgente, e a
comunidade internacional não pode se resumir a declarações de intenções ou a
estudos exaustivos. Por isso, apresenta algumas soluções sustentáveis e
possíveis para este drama de amplitude global. E a primeira proposta é a criação de estruturas ou de uma ‘governance’
verdadeiramente internacional e superpartes. A esta ‘autoridade mundial’
caberia: assegurar a destinação dos bens comuns da humanidade; coordenar e
orientar atividades que valorizam a água como bem comum mundial; favorecer
iniciativas de cooperação para limitar e deminuir a poluição da água e a
corrupção na sua gestão; garantir o primado da política sobre a economia.
A segunda proposta é o desenvolvimento de uma verdadeira política
da água como bem comum, estabelecendo e tutelando esse direito e evitando
que a água seja tratada como mera mercadoria. Para tanto, são necessárias
legislações e estruturas a serviço da realização e da exigibilidade desse
direito.
Além de resgtar a primazia da
política sobre a economia, revertendo a atual primazia da economia financeira
sobre a política, é necessário que a política recupere seu escopo de servir a
sociedade civil. Além disso, “a sociedade civil tem a última responsabilidade
pelos cidadãos, de forma que quando a comunidade política não cumpre sua
responsabilidade, a sociedade civil deve mobilizar-se para que isso aconteça”
(p. 47). Por sua vez, a sociedade civil precisa entender que a questão da água
tem muito a ver com ela.
Finalmente, o Pontifício Conselho Justiça e Paz propõe
algumas atitudes no âmbito pessoal e
social, partindo do princípio de que, “numa sociedade que tem como objetivo um
desenvolvimento sustentável e inclusivo, todos são chamados a viver com
sobriedade e justiça” (p. 47). O consumo
sóbrio e responsável da água é muito importante, pois a água é um bem que
tem caráter sistêmico em escala mundial, de modo que aquilo que é feito, mesmo
numa parte isolada do planeta, tem consequências globais.
Em relação ao princípio da justiça, é preciso lutar
pela divisão justa dos investimentos necessários ao desenvolvimento e à
promoção do direito humano água. Mas o PCJP propõe também a busca de formas
inovativas de financiamento dos projetos que garantam o acesso universal ao bem
comum da água, como a instituição de uma taxa
sobre as transações financeiras. Finalmente, o princípio da justiça pede
também a individuação dos danos causados ao bem da água e côrtes de justiça
habilitadas para impor sanções aos culpados.
A posição da Sanda Sé externada no Fórum Mundial da Água de Instambul
(2009), termina com um apelo contundente: “Bilhões de pessoas ainda não têm
água em quantidade ou qualidade suficiente para uma vida digna, segura e confortável.
[...] Recordando o dever de solidariedade,
(a Sanda Sé) espera que os compromissos assumidos sejam respeitados e que sejam
adotadas soluções sustentáveis e urgentes,
com atenção particular às pessoas mais vulneráveis e às gerações futuras” (p.
52).
Itacir Brassiani msf
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