quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Sonhos à luz do Natal


Realistas são as pessoas que sonham o impossível...


Taxam-me de sonhador e dizem que me falta senso de realismo. Eu mesmo às vezes me interrogo se não sou demasiadamente amargurado e crítico, pessoa insatisfeita, sempre do contra. Mas eu aprendi com Isaías...

Estou farto de holocaustos de bodes, de gordura de touros...
Parai de trazer oferendas mentirosas! Incenso é coisa aborrecida para mim!...
Não suporto mentira com festa religiosa...
Tudo isso é um peso que não aguento carregar.
Quando estendeis para mim as mãos, desvio o meu olhar...
Parai de fazer o mal, aprendei a fazer o bem, buscai o que é correto, defendei o direito do oprimido, fazei justiça ao órfão, defendei a causa da viúva. (Is 1,11-17)

O que dizer de algumas das nossas solenes liturgias? São rituais que se ordenam à defesa e consolidação do poder. Às vezes são terrivelmente cínicas, especialmente quando insistem nas coisas do céu e desprezam as dores e anelos da terra. Na verdade são hipócritas, pois em nome da dimensão espiritual não fazem mais que perpetuar alguns domínios muito temporais...

Falando de Deus, o profeta Isaías nos convida a olhar longe, como somente as pessoas loucas e sonhadoras ousam fazer.  Num  momento em que o realismo exortava a ser armar e fazer alianças estratégicas com os impérios emergentes, o profeta que cresceu no templo mas percebeu seus insuperáveis limites falou que Deus está cansado das liturgias pomposas...

Ele nos vai mostrar a sua estrada, e nós vamos trilhar por seus caminhos.
Às nações ele dará a sentença, decisão para povos numerosos:
Devem fundir suas espadas para fazer pás de arado,
Fundir as lanças para delas fazer foices!... (Is 2,3-4)

Não penso que o caminho de Deus seja necessariamente aquele que nos leva a Roma e seu monarca de plantão. Não creio que é do trono que está em Roma (Pedro jamais teve um trono, e Jesus Cristo também não!) que virão as sentenças de defesa dos humilhados da terra. Daqui ultimamente só saem lamentações diante de um mundo que, tendo atingido a maioridade, recusa ser tratado como menor e até ousa discutir o espaço de Deus. Daqui são desferidos juízos como este que diz que as religiosas norteamericanas são coletivamente pós-modernas e pós-cristãs. Por isso, a liberdade está na nossa capacidade de sonhar...

Alegro-me imaginando o dia em que a Igreja aposente a guarda suíça e organize e envie aos quatro cantos do mundo brigadas de promotores da paz, da igualdade e da justiça.
Espero impacientemente o bendito momento em que os tronos móveis e imóveis, dourados e prateados que inundam o Estado do Vaticano dêm lugar a tolhas que enxuguem os pés e caminhos que levem ao encontro das pessoas comuns.
Anelo por um tempo novo, no qual a solenidade da liturgia seja selada pela presidência feminina e pela presença ativa de homens e mulheres de todas as cores e raças.
Suspiro pelo resgate de uma profecia capaz de sustentar nas pessoas da Igreja a coragem de dar nome aos opressores, de mandar que se acabem as guerras e de sustentar todas as lutas por emancipação.
Sonho com uma missão feita substancialmente de serviço à vida, tecida pacientemente de diálogo, colorida lindamente pelo testemunho, temperada equilibradamente pelo anúncio.
Postulo ardentemente a primazia da liberdade do Evangelho sobre a segurança do direito canônico, da esperança sobre a lembrança, do amanhã sobre o ontem, do caminho sobre os edifícios.
E esperando no Senhor, luto por uma Igreja amiga das criaturas, parceira das pessoas sonhadoras e inquietas, radicalmente democrática nas suas instituições, policêntrica e intercultural.

Itacir Brassiani msf

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