Deus sempre olha para a
humilhação dos seus filhos e filhas!
(Miq 5,1-4; Sl 78/80; Hb 10,5-10; Lc
1,39-46)
Neste quarto domingo da caminhada do
Advento nossa atenção é atraída pelo encontro entre duas mulheres grávidas. As
margens do rio no qual João Batista ensinava e batizava dão lugar a um ambiente
familar e o apelo forte e claro de João Batista dà vez à voz da alegria
feminina. Somos convidados/as a celebrar a grandeza dos pequenos, a dignidade
do corpo e a alegria de crer. Continuamos guiados/as pela esperança, pois é
somente nela que somos livres e alcançamos a salvação, mas já podemos tocar com
a mão aquilo que esperamos. Inspirados no cântico de Maria, podemos dizer que
Deus continua olhando para a humilhação do seu povo, e quem experimenta isso
vive uma alegria inexplicável e indestrutível. Quando mulheres idosas se tornam
mães, quando desertos viram jardins, quando mortos ressuscitam e virgens
engravidam, nada mais é impossível e a esperança vira semente, certeza e festa.
Todas as gerações reconhecem que é feliz quem ousa acreditar.
“Tu Belém, pequenina entre as adeias de Judá...”
A grandeza sempre atrai e seduz. Seu
poder e seu brilho costumam enfeitiçar nossos sentidos. Fugimos da pequenez e
do anonimato, pois eles parecem negar e roubar nossa dignidade. Às vezes, sentimo-nos
constrangidos/as quando nos perguntam de onde somos. Como dizer que somos de
Anchieta, de São Gabriel, de Carauari ou de Bom Jesus do Oeste? Quem dará
importância a lugares insignificantes como estes? Gostaríamos de responder que
somos do Rio de Janeiro, de Porto Alegre ou de Florianópolis...
Quem de nós sabia da existência de
Xapuri (AC) antes do martírio do profeta Chico Mendes, no dia 22 de dezembro de
1988? E quem sabia algo sobre Anapú (PA), até que Dorothy Stang teve seu sangue
derramado pela violência dos latifundiários em fevereiro de 2004? E quem
saberia de Nazaré se não fosse a feminina prontidão de Maria para se colocar a
serviço do projeto de Deus? Gente simples, em lugares desconhecidos, fazendo
pequenas coisas provoca grandes mudanças...
O próprio Deus gosta de andar pela contra-mão e de celebrar as pessoas
humildes e os pequenos lugares. Ele prefere os endereços remotos e
insignificantes. Eis o que Ele anuncia pela boca do profeta Miquéias: “Mas
você, Belém de Éfrata, tão pequena entre as principais cidades de Judá. É de
você que sairá para mim aquele que há de ser o chefe de Israel.” É nos lugares
pequenos e insignificantes que a paz costuma ser gerada e conservada e que o
povo estabelece vínculos e laços de entre-ajuda.
“Mas formaste um corpo para mim...”
Mas eu gostaria de repetir: a grandeza e o poder exercem grande atração
sobre nós. Quem ainda não se flagrou desejando realizar grandes coisas,
escrever textos admiráveis, fazer ofertas notáveis, desenvolver homilias
memoráveis? De novo, as coisas de Deus
conhecem outros caminhos. A carta aos Hebreus acena para este mistério
quando diz que, ao vir ao mundo, o Filho de Deus disse: “Tu não quiseste
sacrifício e oferta. Em vez disso, tu me
deste um corpo. Holocaustos e sacrifícios não são do teu agrado. Por isso,
eu disse: Eis-me aqui, ó Deus, para fazer
tua vontade.”
Sacrifícios e ofertas não são o
ponto fraco de Deus. Ele prefere dar-nos um corpo para que nele e com ele
realizemos sua vontade. Grandes idéias, projetos fabulosos, ideais inflados,
sentimentos profundos e construções majestodas representam pouco diante da
beleza e das possibilidades que nos são dadas com o corpo. O que Deus deseja mesmo é que sua Palavra se faça carne em nossas mil
relações cotidianas. O presente mais precioso que podemos dar a Deus no Natal
do seu Filho é fazer ecoar a voz de uma multidão de homens e mulheres anônimos:
“Eis-me aqui para fazer tua vontade!”
Eis o que representam Isabel e Maria:
dois corpos que se dispõem a acolher o Mistério, duas liberdades prontas a
fazer a vontade de Deus, duas mulheres insignificantes e de lugares
desconhecidos que fazem a diferença. No abraço afetuoso, no grito melodioso e
na dança ritmada daqueles corpos abraçados por Deus, até as pequenas criaturas que
elas carregam no ventre se emocionam e participam. Há algo mais belo que
mostrar ao mundo, mediante nosso próprio corpo, a certeza de que algo novo
começou e que a esperança se tornou realidade?
“Como posso merecer que a mãe do meu Senhor venha me
visitar?”
O encontro entre Maria e Isabel que estamos
contemplando é uma espécie de ampliação do anúncio do anjo a Maria e do
confirmação do sinal por ele oferecido. O que é mesmo que vem confirmado? Que
Deus olha para a humilhação dos seus filhos e filhas e os escolhe como seus protagonistas;
que a humanidade e a liberdade germinam em lugares e pessoas consideradas
insignificantes; que para Deus nada é impossível; que a felicidade brota da
despojada ousadia de acreditar.
Isabel é uma mulher sábia e fiel.
Acolhe Maria e é capaz de ver nela a realização da mais grandiosa promessa de
Deus. Reconhece nela a felicidade própria das pessoas que ousam acreditar.
Celebra em Maria uma espécie de Arca viva da Aliança de Deus com seu povo. A
pergunta de Isabel traduz seu alegre espanto e é uma citação indireta das
palavras de Davi ao receber a arca com o documento da Aliança: “Como é que a
arca de Javé poderá ser introduzida na minha casa?” (2Sm 6,9).
A cena está cheia de alegria
feminina. Em momentos grandes como este as palavras parecem sobrar. Quando
tocamos com a mão os pequenos sinais de algo grandioso que começa a acontecer,
nossos lábios se abrem em profecia: ‘Felizes são as pessoas que ousam
acreditar! Felizes aqueles/as que sonham, pois correm o risco de ver sua realização!
Bem-aventurados/as aqueles/as que ensaiam em seus corpos as novas relações que
reinvindicam! Bendito seja quem reconhece a pessoa humana como Arca de Deus! Bendito
seja Deus que derruba os poderosos e eleva os humildes!’
“A criança
pulou de alegria no meu ventre...”
A alegria das mães contagia os
filhos que elas carregam no ventre. Também eles vibram com a nova aliança de
Deus com a humanidade. Eles são sinais e frutos desta aliança que tem o sabor
da humanidade de Deus e força de eternidade. João Batista participa da alegria
de Isabel e saúda aquele que é mais frágil mas se tornará mais forte que ele. E
Isabel sente claramente: “Logo que a sua saudação chegou aos meus ouvidos, a
criança saltou de alegria no meu ventre.”
Que este estremecimento de alegria chegue
até nós. Deixemo-nos enternecer pelo Onipotente que se abriga pobremente em
nossa limitada carne. Abramos nossas portas, tão hermeticamente fechadas por
causa do medo, para acolher as pessoas que portam sinais e boas notícias. Exultemos
de alegria diante de um Deus que vem pela contra-mão, que escolhe lugares
esquecidos e pessoas despretensiosas para fazer grandes coisas. E que todos/as
possam participar da nossa alegria!
Mas não esqueçamos que continuamos
vivendo num velho mundo, onde muitas pessoas continuam amargando a humilhação e
onde os lobos continuam perseguindo os cordeiros. Façamos pois coro com a
multidão de homens e mulheres de boa vontade que suspiram e clamam: “Senhor,
vem visitar tua vinha, a muda que tuas mãos plantaram com carinho. Desperta teu
poder e vem socorrer-nos. Faze brilhar tua face e seremos salvos.” Seja esta
nossa prece incessante nesta ante-vigília do santo Natal.
“Eis que eu vim, ó Deus, para fazer a tua vontade.”
Neste momento, holocaustos,
sacrifícios e grandes presentes pouco interessam. Ofereçamos nosso corpo, nossa
palavra e nossa vontade a fim de que Deus possa se fazer presente no mundo.
Como Maria e Isabel, celebremos a felicidade de quem acredita e não teme o
futuro das crianças que carregam no ventre. E não esqueçamos de, em nome do
Menino Jesus que está perto, empenhar também nossa palavra e nosso nome na
defesa dos direitos das crianças e dos/as adolescentes.
Como esquecer que, além das crianças
assassinadas em Newtown existem milhões de crianças submetidas ao martírio da
fome e são mais de 2 milhões as crianças infectadas pelo vírus da AIDS? E que são
mais de 15 milhões as crianças e adolescentes com menos de 18 anos que perderam
os pais por causa da AIDS? Não podemos nos omitir da luta pelo acesso universal
ao tratamento desta enfermidade. Em nome dos meninos Jesus e João Batista: é
uma questão de humanidade!
Deus, alicerce da nossa paz e fonte da nossa alegria: na bruma leve das
paixões que vêm de dentro já vemos os sinais da proximidade do teu filho amado.
Vem em nosso auxílio para que ele não nos surpreenda preocupados apenas com
comidas, presentes e férias. Que resplandeça em nosso corpo a alegria de quem
vive com sede e fome de justiça e de beleza, presentes preciosos que nos dás no
Santo Menino que quer estender sua esteira no meio de nós. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani
msf
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