sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

A Igreja e a crise econômica e financeira mundial (1)


Causas da atual crise econômica e financeira mundial
No final do ano 2011 o Pontifício Conselho Justiça e Paz (PCJP), presidido pelo Cardeal Turkson, publicou um documento que provocou reações imediatas tanto no âmbito eclesiástico como no meio político e econômico. Trata-se da reflexão entitulada “Por uma reforma do sistema financeiro e monetário internacional na perspectiva de uma autoridade pública de competência universal”, que discute causas, responsabilidades e soluções para a grave crise econômica e financeira que abate países e povos.

O PCJP parte do princípio de que a amplamente conhecida crise econômica e financeira que o mundo globalizado atravessa desde 2008 chama tanto as pessoas quanto os Estados a um profundo discernimento sobre os princípios éticos e os valores culturais que dão fundamento à convivência social. Esta crise interpela cidadãos e autoridades públicas no âmbito das nações, das regiões e do próprio planeta a refletir sobre suas causas e a buscar soluções efetivas e compartilhadas. É nesta perspectiva que se situa as reflexões e propostas apresentadas por este organismo oficial da Igreja universal.

Segundo o PCJP, a crise é grave e suas causas são múltiplas e combinam erros técnicos e irresponsabilidades éticas. Mas indica claramente o papel relevante desempenhado pelas instituições de crédito na deflagração da crise, pois foram elas que ampliaram o crédito de uma forma irracional. Elas produziram um aumento do crédito sem o correspondente aumento das receitas, o que levou a uma falsa liquidez, à formação de ‘bolhas especulativas’ e à consequente insolvência das instituições financeiras.

É de conhecimento de todos que o gérmem desta crise foi incubado nos EUA e, como a moeda norteamericana goza de status de referência das trocas internacionais, a crise se espalhou pelo mundo. A orientação liberalista do mercado financeiro, que refuta a regulamentação pública, foi o combustível que alimentou este incêndio que consumiu 20% do produto interno bruto dos países no socorro às instituições de crédito. É também fora de dúvidas que o processo de globalização eonômica e financeira de conotação liberal, apesar de ter produzido notável crescimento econômico, não diminuiu a pobreza e até aumentou as desigualdades econômicas no interior dos países e entre os países.

Na discussão sobre as causas desta crise global, a PCJP não hesita em afirmar que, antes de tudo, está “um liberalismo econômico sem controle”. Se trata de uma “ideologia econômica” ou de um “a priori econômico” que atribui ao mercado o estabelecimento das leis do desenvolvimento e das relações internacionais. Este liberalismo econômico se constrói sobre o pressuposto filosófico utilitarista, segundo o qual aquilo que é útil para o indivíduo é bom para a sociedade. Mesmo que existam algumas regras internacionais sobre a atividade econômica e financeira, elas carecem de exigibilidade, e a ideologia liberal usufrui desta situação.

Do ponto de vista prático, o liberalismo econômico apregoa que a economia não deve obediência a nenhum valor moral, o que acaba produzindo a “ideologia da tecnocracia”. O mundo não é governado pelos princípios religiosos (teocracia), nem pelos valores compartilhados pelo povo (democracia), mas pelo valor absoluto da técnica (tecnocracia), que, quando necessita, usa descaradamente as ideologias anteriores como mediação e justificação. E então, em nome da utilidade e do interesse privado, o homem é lobo do homem, a empresa é predadora da empresa, a nação é predadora da nação. No final dessa terrível linha férrea está a “idolatria do mercado”, que desconhece qualquer bem que não possa ser transformado em mercadoria e em fonte de lucro (cf. p. 19).

A superação deste dinamismo mortal e mortífero é possibilitada pela submissão da economia à ética, do ter ao ser, do útil ao bom. O PCJP propõe como horizonte ético para a busca de soluções tecnicamente e politicamente exequíveis e eticamente aceitáveis desta crise o princípio do bem comum mundial. A percepção de habitar um mundo único e de pertencer a uma única família humana, no interior da qual todos os seres humanos, povos e nações gozam de uma dignidade inalienável e de direitos fundamentais, anteriores e superiores às leis do mercado ou da utilidade, é o horizonte que deve guiar a economia e a política internacionais.

Itacir Brassiani msf

Nenhum comentário: