Causas
da atual crise econômica e financeira mundial
No final do ano 2011 o Pontifício Conselho Justiça e Paz (PCJP),
presidido pelo Cardeal Turkson, publicou um documento que provocou reações imediatas
tanto no âmbito eclesiástico como no meio político e econômico. Trata-se da
reflexão entitulada “Por uma reforma do sistema financeiro e monetário
internacional na perspectiva de uma autoridade pública de competência universal”,
que discute causas, responsabilidades e soluções para a grave crise econômica e
financeira que abate países e povos.
O PCJP parte do princípio de
que a amplamente conhecida crise econômica e financeira que o mundo globalizado
atravessa desde 2008 chama tanto as pessoas quanto os Estados a um profundo
discernimento sobre os princípios éticos e os valores culturais que dão
fundamento à convivência social. Esta crise interpela cidadãos e autoridades
públicas no âmbito das nações, das regiões e do próprio planeta a refletir
sobre suas causas e a buscar soluções efetivas e compartilhadas. É nesta
perspectiva que se situa as reflexões e propostas apresentadas por este
organismo oficial da Igreja universal.
Segundo o PCJP, a crise é grave e suas causas são
múltiplas e combinam erros técnicos e irresponsabilidades éticas. Mas indica
claramente o papel relevante desempenhado pelas instituições de crédito na
deflagração da crise, pois foram elas que ampliaram o crédito de uma forma
irracional. Elas produziram um aumento do crédito sem o correspondente aumento
das receitas, o que levou a uma falsa liquidez, à formação de ‘bolhas
especulativas’ e à consequente insolvência das instituições financeiras.
É de conhecimento de todos que
o gérmem desta crise foi incubado nos EUA
e, como a moeda norteamericana goza de status de referência das trocas
internacionais, a crise se espalhou pelo mundo. A orientação liberalista do mercado financeiro, que refuta a
regulamentação pública, foi o combustível que alimentou este incêndio que
consumiu 20% do produto interno bruto dos países no socorro às instituições de
crédito. É também fora de dúvidas que o processo de globalização eonômica e
financeira de conotação liberal, apesar de ter produzido notável crescimento
econômico, não diminuiu a pobreza e até aumentou as desigualdades econômicas no
interior dos países e entre os países.
Na discussão sobre as causas desta
crise global, a PCJP não hesita em afirmar que, antes de tudo, está “um
liberalismo econômico sem controle”. Se trata de uma “ideologia econômica” ou de
um “a priori econômico” que atribui
ao mercado o estabelecimento das leis do desenvolvimento e das relações
internacionais. Este liberalismo econômico se constrói sobre o pressuposto
filosófico utilitarista, segundo o qual aquilo que é útil para o indivíduo é
bom para a sociedade. Mesmo que existam algumas regras internacionais sobre a
atividade econômica e financeira, elas carecem de exigibilidade, e a ideologia
liberal usufrui desta situação.
Do ponto de vista prático, o liberalismo econômico apregoa que a
economia não deve obediência a nenhum valor moral, o que acaba produzindo a “ideologia
da tecnocracia”. O mundo não é governado pelos princípios religiosos
(teocracia), nem pelos valores compartilhados pelo povo (democracia), mas pelo
valor absoluto da técnica (tecnocracia), que, quando necessita, usa
descaradamente as ideologias anteriores como mediação e justificação. E então,
em nome da utilidade e do interesse privado, o homem é lobo do homem, a empresa
é predadora da empresa, a nação é predadora da nação. No final dessa terrível
linha férrea está a “idolatria do mercado”, que desconhece qualquer bem que não
possa ser transformado em mercadoria e em fonte de lucro (cf. p. 19).
A superação deste dinamismo
mortal e mortífero é possibilitada pela submissão da economia à ética, do ter
ao ser, do útil ao bom. O PCJP propõe como horizonte ético para a busca de
soluções tecnicamente e politicamente exequíveis e eticamente aceitáveis desta
crise o princípio do bem comum mundial. A percepção de habitar
um mundo único e de pertencer a uma única família humana, no interior da qual
todos os seres humanos, povos e nações gozam de uma dignidade inalienável e de
direitos fundamentais, anteriores e superiores às leis do mercado ou da
utilidade, é o horizonte que deve guiar a economia e a política internacionais.
Itacir Brassiani msf
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