Vamos a Belém conferir o que está acontecendo!
Digam-me,
ó pastores: o que vocês viram na escuridão? O que se
pode ver na escuridão? Com o olhar do coração, vimos alguns sinais, pequenos,
insignificantes, quase mudos. Ao nosso redor, apenas o rebanho, que repousava
tranquilo e seguro à vista do nosso cajado. Mais ao alto, um céu estrelado,
sereno, mudo. Mas de repente vimos o céu se abrir suavemente e apareceu um anjo
– quem estaria disposto a crer? – e, com ele, uma luz que nos envolvia e
aquecia. Ficamos com medo. Aquele sinal do sinal do céu poderia ser a
condenação da terra. Afinal, não seria próprio da divindade desvelar nossa
indignidade? É sempre assim quando as pessoas que ostentam autoridade divina
rompem as distâncias e se aproximam de nós. Só sabem trazer más notícias,
anunciar exigências... Digam-me,
ó pastores: o que vocês ouviram na noite?
O mensageiro nos acalmou pedindo que não tivéssemos medo. E
disse que vinha para dar uma notícia muito boa, que seria motivo de alegria
para nós e para todas as pessoas da terra. Bem que estávamos necessitando de
boas notícias!... As pastagens eram poucas, muitas ovelhas estavam doentes, as
pessoas religiosas nos olhavam com desprezo, os sacerdotes diziam que vivíamos
impuros... Aquele mensageiro noturno que veio a nós cavalgando estrelas disse
que ali perto, longe das cidades importantes, nas terras que o pequeno Davi
havia percorrido com seu rebanho, havia nascido alguém que realizaria nossas
mais venerandas aspirações. Vendo nossa desconfiança, insistiu que isso era
verdade e nos indicou um sinal que nos soou muito estranho: um bebê
recém-nascido, coberto de pobres trapos, dormindo na cocheira onde colocávamos
o alimento para nossos rebanhos... E ouvimos também vozes de um coral
magnífico, uma harmonia que nos vinha de todos os lados, que glorigicava Deus
nas alturas e proclamava a paz às criaturas que são do seu agrado... Digam-me,
ó pastores: o que mais vocês ouviram naquela noite? Bem, não sabemos se
foi resultado da emoção ou se aconteceu de fato. Mas os exércitos celestes
depuseram as armas e os editos de condenação e convocaram todas as criaturas a
cantar, cada uma na sua própria voz, um cântico magnífico. Escutamos a voz dos
anjos, dos céus, dos astros e das chuvas, do sol e das estrelas, dos ventos
todos. Atenderam o convite e entraram no coral
também o mormaço e o calor, a geada e o frio, o orvalho e a neve. A
noite e o dia esqueceram o que os separa e cantaram juntos, assim como as luzes
e as trevas, as nuvens e os relâmpagos. A terra, as montanhas, os mares, os
rios, as fontes e tudo o que brota da terra soltaram a voz. Os monstros do mar
e tudo o que vive nas águas, os animais silvestres e domésticos também entraram
na dança. Mas a este imenso, diversificado e afinadíssimo coral se juntaram
também os homens e mulheres de todas as condições e procedências: sacerdotes e
servos, gente pura e humilde, todos/as aqueles/as que temem e buscam Deus com
coração sincero. Todos/as cantavam e proclamamam que deus é bom e que sua
misericórdia abraça todas as criaturas e não tem fim. Digam-me, ó pastores: o que vocês
fizeram? O que mais poderíamos ter feito? Quando os anjos desapareceram
tão inexplicavelmente como haviam aparecido, deixamos nosso rebanho bem
protegido e saíamos correndo em direção a Belém, a nossa pequena e amada Casa do Pão, para ver com os próprios
olhos a realização daquilo que nos fora dito. Belém não era longe, mas aquela
noite nos pareceu ainda mais perto. E a noite nos parecia pleno dia. E até as
pedras e buracos pareciam ecoar o cântico que havíamos escutado no campo... Mas
nem foi preciso chegar à cidade, que dormia profundamente. Paramos num abrigo
onde um amigo costumava recolher e proteger seu rebanho... Digam-me, ó pastores: o que vocês
viram em Belém? Naquele estábulo
vimos um casal de migrantes e o filhinho recém-nascido dormindo no cocho, sobre
um colchão feito de feno, envolvido em pobres panos. Ao redor deles, um pequeno
rebanho de ovelhas dormia tranquilo e seguro. Falamos-lhes daquilo que tínhamos
ouvido e visto, e eles ficaram muito admirados. Explicaram que não fora uma
imprudência ganhar a estrada quando o tempo do parto se aproximava, que fora
ordem de poderosos que viviam longe mas tinham mão pesada. E nos disseram que
aquele fora o abrigo que sobrara aos migrantes que chegavam a Belém para o
recenseamento. De fato, eles haviam batido em muitos portas, mas poucas se
abriram. Haviam pedido abrigo até nalguns templos, mas os sacerdotes estavam
rezando em latim, envolvidos por uma nuvem de incenso e embalados ao som de
cânticos estranhos, e ninguém sequer se deu conta de que eles estavam lá. Na
porta, alguns homens da lei perguntaram de onde eles vinham e que procuravam. E
lembraram da necessidade de purificar a mãe assim que o bebê nascesse... Digam-me,
ó pastores: e então, o que vocês fizeram? Aquele sinal era muito
paradoxal... Mas a ternura, a serenidade e a simplicidade daquela família nos
dobrou e nós caímos de joelhos diante daquele bebê em cujos olhos parecia
brilhar a infinita compaixão de Deus. E balbuciamos algumas frases dos salmos
que nos haviam ensinado na sinagoga: Tu és o meu Deus, desde a aurora da minha
vida eu te procuro. Tenho sede de ti e por ti minha vida suspira, como a terra
seca suspira por água. Te busquei no santuário, mas sempre me parecias
distante. Quis contemplar tua glória no templo, mas só vi o brilho das moedas. Mas
agora te encontrei, te reconheço na tua divina proximidade, na tua infinita
vulnerabilidade. Tua pequenês vale mais que todos os poderes, tua graça vale
mais do que a vida. Por isso meus lábios proclamam teu louvor, e o farão
enquanto este corpo respirar. Este pobre concho vale mais que um banquete. Agora
minhas noites não serão mais tenebrosas, pois me lembrarei sempre da luz dos
teus olhos. Exultarei de alegria sob as tuas asas. Tuas frágeis mãos me
orientam e me sustentam. Minha vida está definitivamente ligada à tua... Digam-me,
ó pastores: o que isso significa para nós? Quem somos nós para assumir a cátedra que os
doutores e mestres reservaram a si mesmos? Somos parte das multidões iletradas,
dos grupos sociais proscritos... Mas o que podemos dizer é que a liberdade que
humaniza e salva não vem dos palácios, dos exércitos, das cúrias, dos templos,
dos livros ou das cátedras. Nós a encontramos na estrebaria... O louvor
perfeito que agrada a Deus é aquele que vem da boca dos pequenos, na sua
própria língua, no ritmo que mexe com sua carne e sua alma. O caminho que nos
leva ao encontro de Deus é o que nos conduz ao ser humano nu e sem qualquer
título, que nos leva à periferia do mundo, onde estão aqueles que não contam. Não
tenham medo, e não acreditam naqueles que só sabem exigir privilégios e repetir
doutrtinas e leis e impor condenações e exigências sobre aqueles/as que já
estão demasiadamente sobrecarregados... Digam-me, ó pastores: o que devo eu fazer
agora? Vem conosco, vamos a Belém ver aquilo que nós já vimos. Vem conosco
ao campo, ouvir do cosmos o hino que nós já ouvimos. Vem conosco ao encontro da
família que acolheu em seu seio o mistério fecundo de uma vida feita
inteiramente dom. Por um momento, deixa de lado os livros, as liturgias
pomposas, a segura tranquilidade da casa, mesmo os projetos de apostolado. Quem
sabe, a partir deste encontro, tudo isso receberá um novo valor e uma nova
perspectiva... Cante a Deus um cântico novo, livre das velhas e repetidas
canções que exaltam a pátria, a raça e a religião. Louva o humano Deus com danças
e instrumentos diversos, pois o Senhor ama seu povo e coroa os humildes de
vitória. Ele rebaixa os poderosos e eleva os humildes, algema os reis e nobres
e cobre de honra aqueles/as que o temem e praticam a justiça. Não tenhas medo
de unir tua voz aos que descobriram nas pessoas do mesmo sexo o parceiro de uma
vida. Não se envergonhe de acolher e ser acolhido por casais que ousaram um
novo amor depois de ter mergulhado no fracasso. Não evite nem mesmo aqueles
que, sufocados pelo desespero de uma dor insuportável ou de uma vida sem
sentido, antecipam a própria morte. Eles já chegaram a Belém... Vem conosco
você também! Vem!
Itacir Brassiani msf
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