Por
um sistema financeiro a serviço de todos os povos
Frente à crise econômica e
financeira global deflagrada em 2008 e à ‘rapina’ dos confres estatais para
soccorer as instituições de crédito, com o consequente corte nos investimentos
no bem-estar social dos cidadãos, a Igreja Católica, através do Pontifício Conselho Justiça e Paz (PCJP)
propõe uma urgente e profunda reforma do
sistema financeiro e monetário internacional (cf. Por uma reforma do sistema financeiro e monetário internacional na
perspectiva de uma autoridade pública de competência universal, 2011).
Segundo o referido Conselho,
três fatores contribuíram para a gravidade da atual crise: os organismos surgidos
no consenso da década de 1970, como o FMI, não respondem mais à necessidade de
dar estabilidade ao sistema monetário mundial; o rápido processo de
globalização sem (e contra) um corpo mínimo de regras de orientação e controle
compartilhadas; o aumento irracional de emissão de moeda (dólar americano) sem
o correspondente crescimento de bens e serviços.
Os próprios líderes do G20
afirmaram, em 2009, que “a crise econômica confirma a importância de iniciar uma nova era na economia global,
fundada sobre a responsabilidade” (porque a crise atual nasce de uma economia
sem responsabilidade!). Para tanto, além das medidas urgentes e de caráter
técnico, faz-se necessária uma “reforma da arquitetura global para enfrentar as
exigências do século XXI”. Ou seja: um quadro no qual seja possível “definir as
políticas e medidas comuns para gerar um desenvolvimento global sólido,
sustentável e equilibrado”.
Nesta linha, o PCJP pede uma
atenção especial à reforma do sistema monetário internacional, especialmente às
formas de controle monetário global.
Isso significa colocar em discussão os sistemas
de trocas existentes e buscar novos
mecanismos de coordenação e supervisão, envolvendo também as chamadas ‘economias
emergentes’ e todos os demais países. Um caminho concreto e importante é algo
como um banco central mundial, cuja
tarefa seria regular o fluxo e o sistema de câmbio monetário, inclusive
descartando o dólar como referência internacional e criando um referencial
monetário realmente imparcial. É claro que esse passo pressupõe outros, como
uma autoridade pública com competência
universal, cuja tarefa é garantir a realização da bem comum e a efetiva
fraternidade global.
Naquilo que está ao alcance
das comunidades cristãs e das instituições católicas no momento, dentro de uma
perspectiva essencialmente ética, podemos começar refletindo e debatendo
algumas questões de fundo. Uma primeira pode ser o estabelcimento de uma taxa sobre as transações financeiras
internmacionais, cujo resultado seria aplicado no desenvolvimento global
sustentável e na constituição de um fundo para sustentar a economia dos países
mais golpeados pelas crises.
Uma segunda questão a debater
é a definição de critérios para o socorro
estatal às instituições de crédito privadas, como, por exemplo, a exigência
de um comportamento virtuoso e voltado à economia real da sociedade. Outra
questão, mais complexa mas igualmente urgente, é discutir e definir com mais clareza o âmbito das
atividades de crédito ordinário e o das atividades
de investimento bancário, disciplinando os ‘mercados-sombra’, que
atualmente estão sem qualquer tipo de controle e de limites.
No documento em questão, o Pontifício Conselho Justiça e Paz
sublinha que é tarefa da geração atual reconhecer e aceitar conscientemente o
dinamismo histórico que reivindica a realização de um bem comum mundial. Isso
significa empenhar-se na transição de uma época arcaica de competição e luta entre
as nações a uma fase de sociedade internacional mais coesa, policêntrica,
respeitosa da identidade de cada povo que, a seu modo, contribui para a richeza
da única humanidade. E isso sem medo da exigência de transferir de modo gradual,
proporcional e equilibrado à autoridade
pública mundial algumas atribuições que hoje são das autoridades nacionais.
O PCJP sublinha que não
devemos ter medo de propor coisas novas, mesmo se estas possam desestabilizar o
atual equilíbrio de forças, que privilegia minorias ricas e marginaliza
multidões. “A concepção de uma nova sociedade, a construção de novas
instituições com vocação e competência universais, são uma prerrogativa e um
dever de todos, sem nenhuma espécie de distinção. O que está em jogo é nada
mais e nada menos que o bem comum da humanidade e o próprio futuro” (p. 39).
Itacir Brassiani msf
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