A ONU incluiu o direito à
alimentação entre os Direitos Humanos (cf. artigo 25). É na perspectiva da luta
por esse direito, um dos mais violados, que publico aqui uma série de breves
textos sobre o escândalo da fome e o direito humano à alimentação. São
informações e reflexões que simplesmente traduzo e resumo do recente
livro Destruction massive. Géopolitique de la
faim, de Jean
Ziegler, relator especial da ONU para o direito à alimentação, de 2000 a 2008.
O livro foi publicado em outubro de 2011, pela editora
Seuil (Paris).
O avanço homicida sobre as terras.
Com a explosão da crise alimentar em 2008, vários
países economicamente ricos mas pobres em termos de terras (como os paíes do
Golfo Pérsico e alguns países com alta densidade populacional, como China e
Índia), começaram a comprar ou arrendar grandes quantidades de terra de outros
países, para garantir provisões de alimentos (cereais ou carnes), evitar a
excessiva dependência frente à flutuação dos mercados e responder a uma
crescente demanda interna.
Em 2011, às portas de uma nova crise de alimentos, as
notícias de aquisição de terras aumentaram. Este fenômeno, junto com o aumento
de posse de terras com fins especulativos, confirma que a terra se tornou um valor seguro, um valor de refúgio, inclusive mais
rentável que o ouro. Am 2010, os Hedges
Funds norteamericanos, os bancos europeus e os fundos estatais sauditas,
sulcoreanos, chineses e outros adquiriram 41 milhões de hectares de terra
somente na África.
Certos fundos estatais – os chamados Fundos Soberanos – africanos e asiáticos
não demonstram mais ética que os especuladores provados. Por esemplo, o fundo Libyan African Investiment Portfolio
recebeu de Mali 100.000 hectares irrigáveis para arroz, com direito a usar sem
restrições as poucas águas do rio Niger. A construção de canais de irrigação
acabou fazendo sumir a pouca água à qual o povo local tinha acesso.
A corrida por terras aráveis tem
consequências desastrosas e excita ainda mais os conflitos pela terra nas
regiões onde cresce o número de barrigas vazias. As aquisições de terra dos líbios em Mali, dos
chineses na Etiópia, dos sauditas e franceses no Senegal, ocorrem em detrimento
das necessidades dos povos nativos e, em geral, mesmo sem que eles sejam
informados. Famílias e populações inteiras são privadas do acesso aos recursos
naturais e expulsos de suas terras, restando-lhes trabalhar por salários
miseráveis. A segurança alimentar de milhares de pessoas é posta em perigo.
Os trustes agroalimentares implantam nessas terras
monoculturas de plantas híbridas, ou geneticamente modificadas, cultivadas à
base de sistemas agroindustriais. Além de não ter acesso ao trabalho, a população
local perde o acesso natural aos rios, às florestas e pastagens. Especulando
sobre os produtos alimentares e sobre a terra, os traders de fato especulam sobre a morte de milhares de pessoas. (p.
311-325)
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