sábado, 15 de dezembro de 2012

Uma destruição massiva: a geopolítica da fome (29)


A ONU incluiu o direito à alimentação entre os Direitos Humanos (cf. artigo 25). É na perspectiva da luta por esse direito, um dos mais violados, que publico aqui uma série de breves textos sobre o escândalo da fome e o direito humano à alimentação. São informações e reflexões que simplesmente traduzo e resumo do recente livro Destruction massive. Géopolitique de la faim, de Jean Ziegler, relator especial da ONU para o direito à alimentação, de 2000 a 2008.
O livro foi publicado em outubro de 2011, pela editora Seuil (Paris).

O avanço homicida sobre as terras.
Com a explosão da crise alimentar em 2008, vários países economicamente ricos mas pobres em termos de terras (como os paíes do Golfo Pérsico e alguns países com alta densidade populacional, como China e Índia), começaram a comprar ou arrendar grandes quantidades de terra de outros países, para garantir provisões de alimentos (cereais ou carnes), evitar a excessiva dependência frente à flutuação dos mercados e responder a uma crescente demanda interna.

Em 2011, às portas de uma nova crise de alimentos, as notícias de aquisição de terras aumentaram. Este fenômeno, junto com o aumento de posse de terras com fins especulativos, confirma que a terra se tornou um valor seguro, um valor de refúgio, inclusive mais rentável que o ouro. Am 2010, os Hedges Funds norteamericanos, os bancos europeus e os fundos estatais sauditas, sulcoreanos, chineses e outros adquiriram 41 milhões de hectares de terra somente na África.

Certos fundos estatais – os chamados Fundos Soberanos – africanos e asiáticos não demonstram mais ética que os especuladores provados. Por esemplo, o fundo Libyan African Investiment Portfolio recebeu de Mali 100.000 hectares irrigáveis para arroz, com direito a usar sem restrições as poucas águas do rio Niger. A construção de canais de irrigação acabou fazendo sumir a pouca água à qual o povo local tinha acesso.

A corrida por terras aráveis tem consequências desastrosas e excita ainda mais os conflitos pela terra nas regiões onde cresce o número de barrigas vazias. As aquisições de terra dos líbios em Mali, dos chineses na Etiópia, dos sauditas e franceses no Senegal, ocorrem em detrimento das necessidades dos povos nativos e, em geral, mesmo sem que eles sejam informados. Famílias e populações inteiras são privadas do acesso aos recursos naturais e expulsos de suas terras, restando-lhes trabalhar por salários miseráveis. A segurança alimentar de milhares de pessoas é posta em perigo.

Os trustes agroalimentares implantam nessas terras monoculturas de plantas híbridas, ou geneticamente modificadas, cultivadas à base de sistemas agroindustriais. Além de não ter acesso ao trabalho, a população local perde o acesso natural aos rios, às florestas e pastagens. Especulando sobre os produtos alimentares e sobre a terra, os traders de fato especulam sobre a morte de milhares de pessoas. (p. 311-325)

Nenhum comentário: