Se coloco uma interrogação no
final da frase acima não estou insinuando uma dúvida. Quero apenas suscitar uma
rfelexão. De um certo tempo para cá esta frase, em tom afirmativo e alçada ao
nível de princípio absolutamente fundamental, vem aparecendo reiteradamente nos
discursos oficiais dos homens que dirigem a Igreja e ensinam oficialmente. Bento
XVI e o Sínodo dos Bispos sobre a Nova Evangelização a repetiram à exaustão.
Confesso que a referência a
este princípio e sua citação como se fosse um refrão e uma solução mágica para
todos os probelmas me inquieta. Minha preocupação se localiza em duas questões:
O que esta afirmação pretende desautorizar ou contestar? Qual é o conteúdo
concreto que se subentende nesse encontro pessoal com Jesus Cristo?
Penso que esta afirmação é
justa quando se opõe a um tipo de vida cristã que se resume num conjunto de
idéias gerais sobre Deus ou na aceitação de um código complexo e pesado de
normas morais, inspiradas numa visão pessimista e fragmentada da pessoa humana
e do mundo. De tais estilos de vida cristã nada se pode esperar em termos de
humanização e de evangelização do mundo contemporâneo.
Mas não posso concordar quando
com esta afirmação o que se pretende é limitar ou eliminar o componente
histórico da fé em Jesus Cristo. Suspeito que é isso que muitos ‘mestres e
doutores’ pretendem com a repetição deste refrão. Os cristãos deveriam, pensam
eles, se afastar dos projetos de transformação social, ou pelo menos
relativizá-los substancialmente, pois a vida cristã se resolveria num encontro
que ocorre no coração da pessoa humana ou na liturgia celebrada nos templos. Em
definitivo: tudo se resumiria no encontro pessoal com Jesus, independentemente
do engajamento no mundo à luz da solidariedade com as pessoas oprimidas ou
marginalizadas.
Não sei como isso possa ser
possível. Basta pensar um pouco naquilo que estamos celebrando nestes dias. Vou
a Belém e encontro Deus na vulnerabilidade de um bebê, abrigado numa
estrebaria. Vou a Nazaré e encontro Jesus trabalhando como carpinteiro e crescendo
em todos os sentidos. Vou ao rio Jordão e vejo Jesus como ‘mais um’ na fila dos
pecadores desejosos de endireitar caminhos. Voi à Galiléia e me dou com Jesus
acolhendo pecadores, doentes e marginalizados e festejando com eles a graça libertadora
ou a libertação gratuíta patrocinada por Deus.
Por mais que tente, não consigo
encontrar Jesus Cristo senão em sua gloriosa presença na humanidade, não
obstante nossas próprias e insuperáveis ambiguidades. Abro o santo livro e ele
me diz que o Divino Verbo se fez carne humana e armou nela a tenda definitiva
da sua presença. Aguço minha atenção e descubro que Maria e José, os Pastores,
os Magos, Simeão e Ana me convidam a encontrar Cristo neste Jesus, tão humano
como ninguém, frágil como todos/as nós. A mesma coisa me dizem os evangelistas
e os discípulos e discípulas da primeira hora. Paulo não faz outra coisa que
anunciar e testemunhar que em Jesus, nascido de mulher e assassinado na cruz,
brilhou apareceu a filantropia de Deus e nele Deus se mostrou tal como é.
Mesmo quando me refugio no
templo ou na capela, quando celebro o mistério eucarístico, não consigo me
descolar dessa realidade. A grandeza do pão está na sua pequenez e naquilo que
ele recorda e faz presente: a execução violenta de Jesus sob as autoridades
judaicas e romanas e, concomitantemente, o dom radical e absoluto que ele faz de si ao
recusar-se a salvar a própria pele. Um dom nada romântico, pois ninguém
conseguiu calar o grito desesperado que ele lança no escuro, do alto da cruz. Neste
homem feito pedra rejeitada os cristãos encontram o Cristo esperado. Nesta
criatura executada como bode expiatório alguns pagãos reconhecem o filho de
Deus.
Sim, tudo parte do encontro
pessoal com Cristo em Jesus de Nazaré. E isso quer dizer: ninguém encontrará o
Deus verdadeiro fora da humanidade, especialmente da humanidade ferida e rejeitada;
ninguém poderá anunciar o Evangelho ignorando e fazendo menos desse núcleo
fundamental da fé cristã; a promoção humana e o engajamento na transformação do
mundo são constantes e não apenas variáveis da evangelização. O resto deriva
disso, e, com todo respeito, é secundário.
Itacir Brassiani msf
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