Bem-aventuradas
as pessoas que promovem a Paz!
(Nm 6,22-27; Sl 66/67; Gl 4,4-7; Lc
2,16-21)
Na celebração cristã do Novo Ano se entreleçam três
eventos: o começo de um novo ano civil,
a festa da maternidade de Maria e a Jornada Mundial pela Paz. Para começar, lembremos
que um ano novo, marcado pela
novidade regeneradora da Paz, não costuma chegar da noite para o dia, ao som e
luz de fogos de artifício. As novidades promissoras e duradouras são gestadas muito
pacientemente no ventre profundo da história e das pessoas de boa vontade,
daquelas que acolhem os dons e convites que vêm dos desertos, das periferias e
das fronteiras, dons que desestabilizam e põem a caminho. As novidades promissoras
e duradouras vêm do fogo do Espírito, acolhido no íntimo da oração e posto em
ação no ardor das lutas. Na sua costumeira mensagem para a Jornada Mundial pela Paz, Bento XVI sublinha a importância de
sermos lúcidos/as promotores/as da paz em todos os âmbitos e níveis da vida
social.
“O Senhor te abençoe e te quarde!”
A cada ano o mundo reconhece oficialmente uma pessoa
como referência para a construção da Paz e lhe concede o Prêmio Nobel. Normalmente este reconhecimento é justo e dá força a
pessoas que lutam com poucos meios, arriscando a própria vida para que os
outros vivam e convivam melhor. O prêmio do ano 2012 foi para a União Européia,
como reconhecimento pelo imenso empenho na superação das arestas entre as
nações e no estabelecimento de caminhos de cooperação continental.
Nascido e acolhido também por nós e no meio de nós,
Jesus de Nazaré pacifica o mundo estabelecendo relações novas, baseadas na
justiça, inclusive na justiça internacional. E ele cumpre a promessa de Deus e a
esperança humana através de cada um/a de
nós, dos homens e mulheres de boa vontade, dos/as líderes autênticos/as e
das organizações que não se resignam à paz aparente, à paz eivada de indiferença e baseada no
equilíbrio de forças ou no terrorismo estatal.
Moisés recebeu de Deus, ensinou a Aarão e todos nós
aprendemos: somos convidados a abençoar e bendizer (dizer o bem) as pessoas,
grupos, comunidades e organizações. Que o nosso desejo em relação a todos/as
seja tão belo e tão profundo quanto as palavras que podemos repetir durante
todo o dia de hoje: “Deus te abençoe e te guarde! Deus mostre seu rosto
brilhante e tenha piedade de ti! Deus mostre seu rosto e te dê a paz!” Assim
seremos princípios e príncipes da Paz.
“Os pastores retiraram-se louvando e glorificando a Deus...”
O tempo de Natal segue adiante, e a liturgia também
continua convidando a penetrar mais profundamente o mistério da encarnação de
Deus. Hoje contemplamos a chegada dos pastores à gruta ou ao estábulo de Belém.
Lá eles encontram Jesus no seio de um casal pobre e migrante. Ficam vivamente
impressionados com o que vêem, e comparam com tudo aquilo que tinham ouvido. Como pode uma criatura tão frágil ser
portadora da Paz a todos os homens e mulheres de boa vontade?
Parece que os pastores conseguiram compreender o
mistério de um Deus a quem não apraz a força dos cavalos ou dos tanques, dos
cortejos de acólitos, das doutrinas – mesmo as eclesiásticas! – e dos códigos
de direito – mesmo os canônicos! –, nem tampouco os kamikazes e os homens-bomba.
Deus se alegra com o despojamento voluntário e solidário de quem se faz próximo e peregrino com os
deslocados e, por isso, volta louvando e glorificando a Deus por tudo o que vê
e ouve.
Jesus recebe o nome proposto pelo Anjo a Maria no
anúncio-convite. Ele se chama boa notícia
da salvação: Deus salva seu povo do pecado. Ele age libertando, perdoando.
Estamos livres do débito que temos conosco mesmos/as e com os outros por não
conseguir realizar a utopia que realmente sonhamos. Estamos livres da culpa de
termos ficado aquém ou errado o alvo. Deus não espera que cheguemos
heroicamente a ele. Ele mesmo vem decididamente ao nosso encontro. Ele é nossa
Paz!
“O Senhor volte para ti o seu rosto e te dê a Paz!”
Suspiramos por uma Paz que é tão necessária quanto
urgente. Uma paz que não venha apaziguar superficialmente as relações humanas
passando ao largo das relações desiguais que precisam ser mudadas. Gememos e
sofremos por uma Paz geral, concreta e profunda que parece atrasada e até
impossível. Lutamos por esta Paz em todas as frentes, tanto que quase perdemos
a paz.
Esta Paz não está unicamente no fim do caminho, na
plena confraternização entre lobos e cordeiros, serpentes e crianças. Ela está
no caminho, na caminhada, nos/as caminhantes.
Está nas pessoas inconformadas que ousam mudar, renovar, começar de novo, e isso
a cada dia. Está nos homens e mulheres que adquiriram a sabedoria que vê nas
sementes as flores e os frutos que virão depois, que encarnam nas relações
cotidianas os sonhos e utopias que, literalmente, parecem não ter um lugar.
Em cada missa o presidente da celebração reza pedindo
a Paz a Jesus Cristo, lembrando que ele a ofereceu aos discípulos, na noite da
páscoa. E deseja que a Paz de Jesus Cristo, não aquela paz pequena construída
sobre o medo do poder do outro, esteja
sempre conosco. E nós respondemos que o amor de Cristo nos uniu e, portanto,
estamos em paz e dispostos/as a fazer o possível para que esta Paz presida as
relações entre pessoas, povos, nações e religiões. É aqui que começa o mundo
novo celebrado no Natal.
“E todos recebemos a dignidade
de filhos/as...”
Na mensagem para a Jornada
Mundial da Paz celebrada hoje em todo o mundo, Bento XVI nos convida a
entrar no imenso mutirão dos/as construtores/as da paz, convictos/as de que o
desejo de paz é uma aspiração humana
essencial e universal que coincide com o anelo por uma vida mais humana,
feliz e bem sucedida. Mas esta paz tão desejada quanto essencial implica em uma
convivência social baseada na verdade, na liberdade, no amor e na justiça. “A paz é uma ordem de tal modo vivificada e
integrada pelo amor que as pessoas sentem como próprias as necessidades e exigências
alheias e vêem os outros como coparticipantes dos próprios bens e estendem
sempre mais no mundo a comunhão dos valores espirituais.”
Mas o Papa lembra também que os/as construtores/as da
paz devem ter presente que as ideologias do liberalismo
radical e da tecnocracia tentam
convencer o mundo da prioridade do crescimento econômico sobre a sadia convivência
social e sobre os próprios Direitos Humanos. Por isso, a promoção e a
construção da paz não pode ser reduzida a um punhado de bons sentimentos, belos
mas ingênuos. Os cristãos, para quem a promoção da paz é uma vocação
irrenunciável, devem ter presente que esta é uma missão que sopõe uma atitude
crítica e uma postura profética frente às ideologias dominantes.
“Nascido de mulher, nascido sujeito à Lei...”
O último versículo do evangelho de hoje nos faz saber
que Jesus foi circuncidado. Com este rito, Jesus é oficialmente acolhido no
judaísmo, tornando-se partícipe da sua história e das suas utopias. Mas, como
nos lembra o Pe. Berthier, com este sinal físico é dito também que ele quer
levar no seu corpo a marca do pecado e o peso da dor que faz gemer a terra. E é
do ventre desta dor assumida solidariamente que ele desperta a dignidade de
todas as criaturas e o grito em coro: “Abbá, pai querido!”
Para os cristãos, o fundamento da Paz é a relação de
Jesus Cristo. Nascido de mulher e sob a Lei, Jesus conduz à liberdade todas as
pessoas, começando pelos últimos, pelas pessoas que são colocadas à margem. Ele
confirma que Deus reconhece todos/as como
filhos/as e nos convida a superar relações pautadas pelo medo e pela dominação.
Todos/as estão em paz com Deus! Todos podem proclamar “meu Papai querido!”
É aqui que a glória de Deus se espalha
na terra inicia o ano e o mundo novos.
Na condição de filhos/as, somos também herdeiros/as.
Qual é a herança que recebemos? Nada menos que o Reino de Deus, o horizonte que
deu sentido e força à prática de Jesus, a “shalom” que proporciona o “tudo de
bom” que repetimos nestes dias de passagem, o convívio sadio que descansa em
bases de justiça. Somos herdeiros/as do sonho de uma humanidade que se
reconhece como família de nações, de povos, de etnias e de religiões,
diferentes mas igualmente respeitáveis, dignas e irmãs.
Deus querido, Pai e
Mãe! Faze-nos construtores/as de Paz neste ano que se inicia. Ensina-nos a
contemplar e compreender o anseio de Paz e de comunhão que pulsa no coração do
mundo. Suscita em nós o canto que brota da dignidade indestrutível de filhos e
filhas. Faz de nós e das nossas comunidades incansáveis construtores da Paz. E
dá-nos experimentar, como o concedeste a Maria e aos pastores, a alegria de
reconhecer a grandeza de Deus na pequenez e na fragilidade humana. Assim seja!
Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf
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