segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Ano Novo: maternidade de Maria


Bem-aventuradas as pessoas que promovem a Paz!
(Nm 6,22-27; Sl 66/67; Gl 4,4-7; Lc 2,16-21)
Na celebração cristã do Novo Ano se entreleçam três eventos: o começo de um novo ano civil, a festa da maternidade de Maria e a Jornada Mundial pela Paz. Para começar, lembremos que um ano novo, marcado pela novidade regeneradora da Paz, não costuma chegar da noite para o dia, ao som e luz de fogos de artifício. As novidades promissoras e duradouras são gestadas muito pacientemente no ventre profundo da história e das pessoas de boa vontade, daquelas que acolhem os dons e convites que vêm dos desertos, das periferias e das fronteiras, dons que desestabilizam e põem a caminho. As novidades promissoras e duradouras vêm do fogo do Espírito, acolhido no íntimo da oração e posto em ação no ardor das lutas. Na sua costumeira mensagem para a Jornada Mundial pela Paz, Bento XVI sublinha a importância de sermos lúcidos/as promotores/as da paz em todos os âmbitos e níveis da vida social.
“O Senhor te abençoe e te quarde!”
A cada ano o mundo reconhece oficialmente uma pessoa como referência para a construção da Paz e lhe concede o Prêmio Nobel. Normalmente este reconhecimento é justo e dá força a pessoas que lutam com poucos meios, arriscando a própria vida para que os outros vivam e convivam melhor. O prêmio do ano 2012 foi para a União Européia, como reconhecimento pelo imenso empenho na superação das arestas entre as nações e no estabelecimento de caminhos de cooperação continental.
Nascido e acolhido também por nós e no meio de nós, Jesus de Nazaré pacifica o mundo estabelecendo relações novas, baseadas na justiça, inclusive na justiça internacional. E ele cumpre a promessa de Deus e a esperança humana através de cada um/a de nós, dos homens e mulheres de boa vontade, dos/as líderes autênticos/as e das organizações que não se resignam à paz aparente,  à paz eivada de indiferença e baseada no equilíbrio de forças ou no terrorismo estatal.
Moisés recebeu de Deus, ensinou a Aarão e todos nós aprendemos: somos convidados a abençoar e bendizer (dizer o bem) as pessoas, grupos, comunidades e organizações. Que o nosso desejo em relação a todos/as seja tão belo e tão profundo quanto as palavras que podemos repetir durante todo o dia de hoje: “Deus te abençoe e te guarde! Deus mostre seu rosto brilhante e tenha piedade de ti! Deus mostre seu rosto e te dê a paz!” Assim seremos princípios e príncipes da Paz.
“Os pastores retiraram-se louvando e glorificando a Deus...”
O tempo de Natal segue adiante, e a liturgia também continua convidando a penetrar mais profundamente o mistério da encarnação de Deus. Hoje contemplamos a chegada dos pastores à gruta ou ao estábulo de Belém. Lá eles encontram Jesus no seio de um casal pobre e migrante. Ficam vivamente impressionados com o que vêem, e comparam com tudo aquilo que tinham ouvido. Como pode uma criatura tão frágil ser portadora da Paz a todos os homens e mulheres de boa vontade?
Parece que os pastores conseguiram compreender o mistério de um Deus a quem não apraz a força dos cavalos ou dos tanques, dos cortejos de acólitos, das doutrinas – mesmo as eclesiásticas! – e dos códigos de direito – mesmo os canônicos! –, nem tampouco os kamikazes e os homens-bomba. Deus se alegra com o despojamento voluntário e solidário de quem se faz próximo e peregrino com os deslocados e, por isso, volta louvando e glorificando a Deus por tudo o que vê e ouve.
Jesus recebe o nome proposto pelo Anjo a Maria no anúncio-convite. Ele se chama boa notícia da salvação: Deus salva seu povo do pecado. Ele age libertando, perdoando. Estamos livres do débito que temos conosco mesmos/as e com os outros por não conseguir realizar a utopia que realmente sonhamos. Estamos livres da culpa de termos ficado aquém ou errado o alvo. Deus não espera que cheguemos heroicamente a ele. Ele mesmo vem decididamente ao nosso encontro. Ele é nossa Paz!
“O Senhor volte para ti o seu rosto e te dê a Paz!”
Suspiramos por uma Paz que é t­ão necessária quanto urgente. Uma paz que não venha apaziguar superficialmente as relações humanas passando ao largo das relações desiguais que precisam ser mudadas. Gememos e sofremos por uma Paz geral, concreta e profunda que parece atrasada e até impossível. Lutamos por esta Paz em todas as frentes, tanto que quase perdemos a paz.
Esta Paz não está unicamente no fim do caminho, na plena confraternização entre lobos e cordeiros, serpentes e crianças. Ela está no caminho, na caminhada, nos/as caminhantes. Está nas pessoas inconformadas que ousam mudar, renovar, começar de novo, e isso a cada dia. Está nos homens e mulheres que adquiriram a sabedoria que vê nas sementes as flores e os frutos que virão depois, que encarnam nas relações cotidianas os sonhos e utopias que, literalmente, parecem não ter um lugar.
Em cada missa o presidente da celebração reza pedindo a Paz a Jesus Cristo, lembrando que ele a ofereceu aos discípulos, na noite da páscoa. E deseja que a Paz de Jesus Cristo, não aquela paz pequena construída sobre o medo do poder do outro, esteja sempre conosco. E nós respondemos que o amor de Cristo nos uniu e, portanto, estamos em paz e dispostos/as a fazer o possível para que esta Paz presida as relações entre pessoas, povos, nações e religiões. É aqui que começa o mundo novo celebrado no Natal.
“E todos recebemos a dignidade de filhos/as...”
Na mensagem para a Jornada Mundial da Paz celebrada hoje em todo o mundo, Bento XVI nos convida a entrar no imenso mutirão dos/as construtores/as da paz, convictos/as de que o desejo de paz é uma aspiração humana essencial e universal que coincide com o anelo por uma vida mais humana, feliz e bem sucedida. Mas esta paz tão desejada quanto essencial implica em uma convivência social baseada na verdade, na liberdade, no amor e na justiça.  “A paz é uma ordem de tal modo vivificada e integrada pelo amor que as pessoas sentem como próprias as necessidades e exigências alheias e vêem os outros como coparticipantes dos próprios bens e estendem sempre mais no mundo a comunhão dos valores espirituais.”
Mas o Papa lembra também que os/as construtores/as da paz devem ter presente que as ideologias do liberalismo radical e da tecnocracia tentam convencer o mundo da prioridade do crescimento econômico sobre a sadia convivência social e sobre os próprios Direitos Humanos. Por isso, a promoção e a construção da paz não pode ser reduzida a um punhado de bons sentimentos, belos mas ingênuos. Os cristãos, para quem a promoção da paz é uma vocação irrenunciável, devem ter presente que esta é uma missão que sopõe uma atitude crítica e uma postura profética frente às ideologias dominantes.
“Nascido de mulher, nascido sujeito à Lei...”
O último versículo do evangelho de hoje nos faz saber que Jesus foi circuncidado. Com este rito, Jesus é oficialmente acolhido no judaísmo, tornando-se partícipe da sua história e das suas utopias. Mas, como nos lembra o Pe. Berthier, com este sinal físico é dito também que ele quer levar no seu corpo a marca do pecado e o peso da dor que faz gemer a terra. E é do ventre desta dor assumida solidariamente que ele desperta a dignidade de todas as criaturas e o grito em coro: “Abbá, pai querido!”
Para os cristãos, o fundamento da Paz é a relação de Jesus Cristo. Nascido de mulher e sob a Lei, Jesus conduz à liberdade todas as pessoas, começando pelos últimos, pelas pessoas que são colocadas à margem. Ele confirma que  Deus reconhece todos/as como filhos/as e nos convida a superar relações pautadas pelo medo e pela dominação. Todos/as estão em paz com Deus! Todos podem proclamar “meu Papai querido!” É  aqui que a glória de Deus se espalha na terra inicia o ano e o mundo novos.
Na condição de filhos/as, somos também herdeiros/as. Qual é a herança que recebemos? Nada menos que o Reino de Deus, o horizonte que deu sentido e força à prática de Jesus, a “shalom” que proporciona o “tudo de bom” que repetimos nestes dias de passagem, o convívio sadio que descansa em bases de justiça. Somos herdeiros/as do sonho de uma humanidade que se reconhece como família de nações, de povos, de etnias e de religiões, diferentes mas igualmente respeitáveis, dignas e  irmãs.
Deus querido, Pai e Mãe! Faze-nos construtores/as de Paz neste ano que se inicia. Ensina-nos a contemplar e compreender o anseio de Paz e de comunhão que pulsa no coração do mundo. Suscita em nós o canto que brota da dignidade indestrutível de filhos e filhas. Faz de nós e das nossas comunidades incansáveis construtores da Paz. E dá-nos experimentar, como o concedeste a Maria e aos pastores, a alegria de reconhecer a grandeza de Deus na pequenez e na fragilidade humana. Assim seja! Amém!
Pe. Itacir Brassiani msf

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