Migrantes, vocês são uma carta de Cristo!
Os
migrantes, em suas idas e vindas, escrevem uma carta sobre o mapa-múndi, uma
carta que de um modo ou de outro fica para a história. Não a escrevem tanto com
as mãos ou com a cabeça, mas com os pés. Pés que carregam sonhos e projetos,
que tropeçam e se ferem nas pedras do caminho, pés que deixam pegadas vivas em
todas as estradas e em todas as direções.
Trata-se de
uma carta marcada por ambigüidades e contradições. Suas linhas tortuosas e
imprecisas traçam uma trajetória cada vez mais complexa. Dores e esperanças se
mesclam na mensagem deixada pelos fluxos migratórios. Os passos dos migrantes,
com seus anseios e decepções, convertem-se em letras, palavras e páginas –
carta a ser permanentemente decifrada pelos especialistas da mobilidade humana.
A leitura
dessa carta, seja do ponto de vista sócio-econômico ou político-cultural, seja
do ponto de vista religioso, revela luzes e sombras. Entre as sombras,
destacam-se as profundas assimetrias que dividem continentes, regiões e países,
as injustiças e desequilíbrios sociais que levam milhões de pessoas a buscar
cidadania fora da própria terra, a violência em todas as suas formas e graus, a
luta tenaz e às vezes vã pela sobrevivência. Tudo isso desenraiza, desloca e
põe em marcha multidões cada vez mais numerosas e em condições quase sempre
precárias.
Quanto às
luzes, elas brotam antes de tudo do interior mesmo de cada migrante, de cada
movimento migratório, de cada povo que se move a faz mover a história. Os
deslocamentos humanos levam nas asas do vento sementes de vida. Nesse vaivém
intenso e contínuo misturam-se resistência, teimosia, combate contra muros
visíveis e invisíveis e busca de uma pátria mais acolhedora. Nesta perspectiva,
não é difícil parafrasear Euclides da Cunha: “o migrante é antes de tudo um
forte”!
O apóstolo
Paulo, por sua vez, na Segunda Carta aos Coríntios, nos oferece uma luz de como
ler por um outro prisma essas cartas que os migrantes escrevem com seus sonhos
e seus pés. Diz ele aos cristãos de Corinto: “De fato, é evidente que vocês são
uma carta de Cristo, da qual nós fomos o instrumento; carta escrita não com
tinta, mas nas tábuas de carne do coração de vocês” (2Cor 3, 1-6).
Embora a
mensagem de Paulo não esteja dirigida aos migrantes, não custa dar-se conta de
como estes, no mapa intrincado de suas trajetórias, vão escrevendo e
reescrevendo os valores de suas expressões culturais e religiosas. Constituem,
por isso, não somente uma carta de denúncia sobre uma sociedade desigual e
excludente, mas também uma oportunidade de evangelização, dado o intercâmbio de
vidas e valores. Como diz o Documento de Aparecida, “os migrantes devem ser
acompanhados pastoralmente por suas Igrejas de origem e estimulados a se
fazerem discípulos e missionários nas terras e comunidades que os acolhem,
compartilhando com eles as riquezas de sua fé e de suas tradições religiosas”
(Doc. Aparecida, Nº 415).
Verdadeiros
profetas, os migrantes criam recriam encruzilhadas onde encontram e reencontram
vivos testemunhos de superação. Nos novos areópagos modernos ou pós-modernos,
eles são porta-vozes de um Deus sempre desconhecido e de Quem sempre teremos
sede. Se, por uma parte, são vítimas que fogem de situações adversas, por
outra, são protagonistas que buscam cidadania digna e justa. Protótipos da condição
peregrina de toda a trajetória humana sobre a face da terra. Daí que o campo da
mobilidade humana vem sendo considerado, progressivamente, como um lugar
teológico privilegiado.
Pe. Alfredo J. Gonçalves
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