A ONU incluiu o direito à
alimentação entre os Direitos Humanos (cf. artigo 25). É na perspectiva da luta
por esse direito, um dos mais violados, que publico aqui uma série de breves
textos sobre o escândalo da fome e o direito humano à alimentação. São
informações e reflexões que simplesmente traduzo e resumo do recente
livro Destruction massive. Géopolitique de la
faim, de Jean
Ziegler, relator especial da ONU para o direito à alimentação, de 2000 a 2008.
O livro foi publicado em outubro de 2011, pela editora
Seuil (Paris).
Brasil: a maldição da cana de açúcar.
O problema dos agrocombustíveis não é apenas o
comprometimento direto de imensas quantidades de grãos na fabricação do etanol:
a guerra energética provoca também
inúmeros desastres sociais nos países onde as multinacionais que os fabricam se
tornam dominantes. É isso que ocorre com a cana de açúcar no Brasil.
A produção de etanol constiuiu um dos eixos dos dois
mandatos do presidente Lula. Em 2009, o país consumiu 14 bilhões e exportou outros
4 bilhões de litros de alcool. A meta é exportar 200 bilhões de litros por ano,
o que exige a plantação de 26 milhões de hectares de cana. Isso tem levado a
uma crescente concentração das terras
nas mãos de latifundiários brasileiros e estrangeiros.
O caso do estado de São Paulo pode ilustrar essa
tendência. As propriedades que, em 1970, tinham uma extensão média de 8.000, passaram
para 12.000 em 2008; e as propriedades que, na mesma época, tinham uma média
12.000 hectares, passaram para 39.000. Num movimento contrário, as propriedades
com menos de 1.000 hectares caíram para uma média de 476 hectares. No âmbito
nacional, entre 1985 e 1996, 5,4 milhões de pessoas deixaram o meio rural, e
desapareceram 941.000 pequenas propriedades.
“Resumindo: o crescimento da produção do ‘ouro verde’
dentro de um modelo agroesportador enriquece
formidavelmente os barões do açúcar e enfraquece ainda mais os pequenos
agricultores e os bóia-frias. De fato, a produção de agrocombustíveis
representa um golpe mortal na pequena
propriedade familiar e, por conseguinte, na segurança alimentar do país.
(...) Em um país como o Brasil, no qual milhões de pessoas reivindicam o direito
de possuir um pedaço de chão e onde a segurança alimentar está ameaçada, a concentração de terras nas mãos de
empresas multinacionais e fundos soberanos constitui um escândalo suplementar”
(p. 266).
À medida em que o Brasil vem substituindo
progressivamente a agricultura de subsistência pelo cultivo da cana de açúcar,
está entrando no círculo vicioso do mercado internacional de alimentos:
obrigado a importar os alimentos que deixa de produzir, ajuda a aumentar a
demanda mundial por alimentos, o que faz aumentar seus preços. Assim, a isnegurança alimentar na qual vive uma
grande parte da população brasileira está diretamente ligada à produção de
agrocombustíveis. (p. 261-272)
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